Eliane Cantanhêde
O Estado de S.Paulo
As pesquisas vão confirmando o que os políticos, contra ou a favor dele, já vinham detectando: o ex-presidente Lula está consolidado com folga na liderança do primeiro turno, mas pode ter grandes dificuldades no segundo. Seu risco é enfrentar a mesma onda de rejeição ao PT e a ele que embalou a vitória do improvável Jair Bolsonaro.
Já há sinais, inclusive, de que Lula continua com grande vantagem também no segundo turno, mas perde alguns pontos tanto no confronto direto com Bolsonaro, agora no PL, quanto com o seu “algoz” Sérgio Moro, do Podemos.
Assim, Lula vive um dilema: deixar correr solta a candidatura de Moro, que serve para abocanhar votos de Bolsonaro e da direita no primeiro turno, mas evitando que Moro cresça a ponto de chegar ao segundo turno. A calibragem é delicada. E, obviamente, não depende só de Lula, mas do fôlego de Moro e do desenrolar da própria campanha.
Desde 1994, todos os presidentes disputaram e levaram a reeleição e é um erro menosprezar Bolsonaro e dar de barato que estará fora do segundo turno. Nada garante essa certeza, ou possibilidade. É fato que ele perdeu o discurso, apoios e índices de aprovação, mas tem uma arma poderosa: a caneta.
Na reta final deste 2021 tão difícil, Bolsonaro conseguiu aprovar o Auxílio Brasil e a fatia da PEC dos Precatórios que garante o financiamento do programa, um Bolsa Família para chamar de seu. Ele tem o orçamento secreto e a disparada nos juros, de 2% no início do ano para 9,25% em dezembro, é uma pancada numa inimiga perigosa para candidatos à reeleição: a inflação.
Como não dá para brincar com Bolsonaro, Moro cumpre um papel que Lula não conseguiria assumir: o de atrair uma grande massa difusa da anticorrupção que já foi bolsonarista e hoje está decepcionada com os absurdos que o presidente diz e faz nas mais diferentes áreas. Logo, Moro enfraquece as chances de Bolsonaro.
Ok. Mas… e se o ex-juiz, ícone da Lava Jato, crescer mais do que o previsto e chegar ao segundo turno? Aí, a coisa muda de figura. De “conveniente”, sua candidatura pode passar a ser uma ameaça que pode ser fatal.
Lula, PT e ninguém pode adivinhar o que aconteceria, mas não é prudente descartar a possibilidade de Moro se transformar no polo aglutinador de uma enorme fatia do eleitorado que foi acumulando divergências e irritações contra o PT, até transformá-lo em inimigo número um. Cabem nesse balaio bolsonaristas e boa parte da direita, do centro e até da esquerda pró Lava Jato.
Para Lula, portanto, Moro veio bem a calhar no primeiro turno, mas não seria um adversário nada fácil no segundo.