Em julho de 2023, se aproximou do fim um dos capítulos de um longo processo judicial envolvendo famílias que adotaram quatro crianças de Monte Santo e a mais poderosa emissora de TV do Brasil.
O Ministro Humberto Martins, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), manteve a decisão que determina que a Rede Globo indenize a família adotiva de crianças de Monte Santo, Bahia, em um caso amplamente conhecido desde 2011. O valor da indenização estipulado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP) foi fixado em R$ 300 mil.
A história teve início em 2011, no interior da Bahia, quando cinco irmãos foram retirados de seus pais biológicos por uma ordem judicial emitida pelo juiz Vitor Manoel Xavier Bezerra. Essa decisão foi baseada em documentos apresentados pelo Conselho Tutelar de Monte Santo e contou com o aval do Ministério Público devido a acusações de maus-tratos.
Na época, as crianças tinham idades que variavam de 2 meses a 8 anos e foram encaminhadas a quatro famílias da Região Metropolitana de Campinas que já estavam devidamente habilitadas na comarca de Monte Santo para a adoção, uma vez que nenhum parente tinha condições de cuidar dos cinco irmãos.
Entretanto, um ano depois, surgiu um problema. Por meio de uma reportagem veiculada no programa Fantástico em 2012, as famílias adotivas foram acusadas de participar de uma quadrilha de tráfico de crianças. Na matéria, a mãe e o pai biológico, que já estavam separados, alegaram que não tinham abandonado seus filhos e expressaram o desejo de tê-los de volta.
O juiz Luis Roberto Cappio Pereira, de Monte Santo, decidiu então que as cinco crianças adotadas deveriam retornar à mãe biológica na Bahia.
No entanto, os pais adotivos não desistiram das crianças e estavam determinados a provar sua inocência no caso. Em 2015, uma nova reviravolta ocorreu quando a mãe biológica das crianças procurou o SBT para contar sua versão da história. Na reportagem, ela admitiu que se arrependia de ter reivindicado a guarda das crianças e expressou o desejo de devolvê-las às famílias adotivas. Ela também alegou que as crianças estavam com o pai e que temia pela segurança delas.
A Justiça autorizou o retorno das crianças, um evento que também foi televisionado e que comprovou que as famílias não tinham retirado as crianças à força na primeira vez, como afirmado na reportagem do Fantástico.
Em consequência, uma das famílias adotivas entrou com um processo contra a emissora. Nas instâncias inferiores, a Globo foi condenada a pagar danos morais. O TJ/SP estabeleceu a indenização em R$ 300 mil, considerando que a emissora agiu de maneira dolosa ou pelo menos culposa na condução da reportagem, ao expor a casa dos autores e identificá-los como participantes de um processo irregular e criminoso de adoção de menores, colocando-os em um contexto de tráfico de crianças e causando graves danos às suas personalidades. Essa conduta foi considerada abusiva e fora do escopo da atividade informativa que a reportagem deveria seguir.
A avaliação do tribunal estadual foi que a emissora ultrapassou o direito de informar, infringindo os direitos e garantias individuais.
A Rede Globo recorreu ao STJ, mas não conseguiu reverter a condenação. O Ministro Humberto Martins, que analisou o caso individualmente, destacou que revisar os fundamentos da decisão sobre o dano moral ou modificar o valor da indenização exigiria uma reanálise do conjunto de provas dos autos, o que é inviável em um recurso especial, de acordo com a súmula 7 do STJ.
A advogada das famílias adotivas, Lenora Thais Steffen Todt Panzetti, expressou suas emoções sobre o caso, afirmando que desde o início sustentou que o processo estava correto e que tudo tinha seguido o devido processo legal.
Ela afirmou que a acusação de tráfico de crianças foi leviana e cruel, resultando na destruição dos sonhos, da paz e da harmonia entre os irmãos e suas famílias adotivas. Ela acrescentou que, embora tenha havido muitas batalhas para provar a inocência das famílias no aspecto criminal, a retificação da história inventada e a reparação dos danos eram quase inimagináveis. No entanto, ela expressou orgulho em fazer parte dessa história e em continuar a lutar pela justiça, acreditando que, embora possa demorar, a justiça prevalece, e a busca por ela não deve ser abandonada, independentemente do tempo e dos custos emocionais e pessoais envolvidos. Ela se considera parte da família das crianças e sente grande orgulho em chamá-las de sobrinhos e ser chamada de tia por elas até hoje.
O caso tramita em segredo de justiça.
Justiça concedeu em definitivo guarda de 4 irmãos de Monte Santo em 2019
Em 2019, a justiça finalmente ratificou a adoção das quatro crianças de Monte Santo (BA) por famílias de Indaiatuba (SP) e Campinas (SP). Essa determinação foi emitida pelo juiz do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), encerrando uma longa e tumultuada batalha legal de oito anos. Durante esse período, o processo judicial foi marcado por reviravoltas e complexidades. Com a decisão judicial, os registros de nascimento originais das crianças foram anulados, substituídos por novas certidões de nascimento que agora incluem os nomes dos pais adotivos.