Fiat Palio, Chevrolet Celta, Volkswagen SpaceFox… Em comum, os três têm uma história semelhante: foram bem nas vendas, ainda há grande oferta de unidades ainda rodando ou em exposição nas vitrines de seminovos, mas já não são mais fabricados.
Para todo carro, o fim é o mesmo. Em algum momento irá sair de linha. Ou seja, deixará de ser produzido pelas fabricantes -, o que praticamente elimina as chances de que alguém consiga comprar um desses veículos 0 km depois que eles se esgotem nas concessionárias.
Agora, mais um modelo entra para a lista dos veículos que têm relativo sucesso, mas que chegaram ao fim por aqui: o Ford New Fiesta. O hatch – que foi o 49º carro mais vendido do Brasil em 2018, com 14.505 unidades comercializadas – era produzido na fábrica da Ford em São Bernardo do Campo, que encerrará suas operações em 2019.
Outro modelo também teve a “morte” declarada na mesma semana: o Volkswagen Golf Variante. Para os clientes e futuros proprietários, quais são as possíveis implicações para o mercado e para o dono quando um carro sai de linha?
Desvalorização do veículo é o primeiro fator que vem à mente, certo? E, de acordo com Ricardo Bacellar, sócio-líder no setor automotivo da KPMG no Brasil, ela de fato acontece – e sempre aconteceu. “Quando existe um produto – e isso não se aplica somente a carros – e ele é descontinuado, naturalmente ele perderá percepção de valor de mercado”, diz.
No entanto, segundo Bacellar, a questão mais importante não é se o carro vai desvalorizar, já que isso vai ocorrer naturalmente, mas o quanto o preço vai cair – o que, ele explica, depende de alguns fatores.”Quando se trata de um carro de entrada – isto é, de preços mais baixos -, a tendência é que a desvalorização seja menor também, afinal de contas sempre foi um produto mais acessível às pessoas”, afirma.
Além disso, quando é o fabricante que deixa de operar – além de sua estrutura no país – influencia e muito na dimensão da desvalorização do veículo e também na velocidade em que ela acontece. “Se o carro for de uma montadora de renome, que tenha uma estrutura, uma rede grande no Brasil, a tendência é que essa desvalorização seja menor. Quando é um produto muito popular, que vendeu muitas unidades, ficou muito conhecido no mercado, o mesmo se aplica”, detalha Bacellar.
CORRIDA ÀS LOJAS
O Brasil tem exemplos do efeito contrário no mercado com o anúncio do encerramento de produção. Quando a Toyota Fielder (versão perua do Corolla, fabricada entre 2004 e 2008), teve sua sentença anunciada, houve uma disputa pelas últimas unidades. Eram tantos clientes nas concessionárias da marca atrás de uma que, na verdade, o preço do familiar aumentou.
Como a station nunca mais voltou a ser oferecida no Brasil – o Corolla já trocou de geração duas vezes -, até hoje o modelo é concorrido, mesmo com 11 anos após ter saído de linha. As unidades em bom estado de conservação frequentemente custam mais que seus equivalentes na versão sedã.
NÃO ME DEIXE SÓ
O especialista destaca a importância do nível de nacionalização das peças (ou seja, o quanto do carro é produzido no Brasil) e de uma rede de assistência bastante ampla no país para que a desvalorização do carro que saiu de linha seja menor e mais lenta.
Isso é importante porque, embora o carro não esteja sendo produzido nas fábricas, ainda será fácil encontrar peças e assistência técnica para o modelo. Ou seja: o dono do carro não fica desamparado. No mercado de seminovos, ter assistência é imprescindível para que a mudança de donos após o fatídico “fim” ainda seja possível sem traumas.
A história muda se o veículo em questão for importado, Ricardo Bacellar defende. A desvalorização dos carros importados vendidos no Brasil é maior por vários motivos: a montadora provavelmente não tem uma base grande de suporte para clientes no país, nem um portfólio diversificado de peças para oferecer. “Tudo isso faz com que a percepção de valor desse produto se reduza substancialmente, seja muito mais acentuada”, diz. Essa é uma das razões pelas quais é possível encontrar carros importados de luxo por preços bem abaixo daqueles cobrados quando eles estavam em produção.
A análise das ondas de mercado também deve ser considerada ao pensar a desvalorização de um carro que sai de linha, segundo Bacellar. “Já vivemos a onda dos sedãs no Brasil, mas agora as pesquisas indicam que os brasileiros estão preferindo SUVs”, comenta. Assim, mesmo que os veículos desse segmento sejam mais caros do que os de compactos, por exemplo, a desvalorização seria menor e mais lenta por causa da procura. “Tudo no mercado obedece à lei da oferta e da procura: se você tem uma se você tem uma oferta muito menor do que a procura, a tendência é que a desvalorização seja menor – e o inverso é verdadeiro”, explica.
Um exemplo de importado (e depois nacional) que teve bastante aceitação foi o Hyundai Tucson. Era um modelo coreano e, à época, de uma marca que não havia conquistado tanto volume de mercado, no início dos anos 2000. Porém, o SUV era bem visto e tinha procura substancial. De lá para cá, foi nacionalizado e manteve-se em linha apesar de estar nitidamente desatualizado. Tucson na garagem, por enquanto, ainda equivale a ter dinheiro na mão.
Talvez a melhor opção seja não tomar nenhuma decisão imediata. O impacto da desvalorização do carro que sai de linha, segundo Bacelar, é imediato e isso afeta diferentemente pessoas nos dois cenários. “Quem quer comprar pode usar a notícia recente como poder de barganha. Isso entrará na negociação, com toda certeza”, garante.
No entanto, com o tempo, a tendência é que o impacto no preço vá se acentuando cada vez mais e o carro pode ficar mais barato após mais tempo do anúncio do fim da linha.
Há uma exceção: essa tendência não se aplica exatamente da mesma forma a carros que se tornaram icônicos – são exemplos o Volkswagen Fusca e Kombi -, que Bacelar explica que ganham uma maior sobrevida por conta dos colecionadores e, consequentemente, sofrem quedas menores de preços – ou até podem valorizar, devido à raridade. “Mas carros que não têm essa condição icônica vão sumir do mercado naturalmente com o tempo”, diz.
E para o dono do carro descontinuado que considera vender o veículo, ele também sugere paciência. “Sob a ótica do negócio, na ponta da venda, não pode bater o desespero. Principalmente se o carro em questão tiver uma ampla assistência no Brasil”, conta. Além disso, ele afirma que tomar a notícia de que seu carro saiu de linha como um motivador para iniciar um processo de venda não é economicamente interessante.
“O modelo estará fragilizado no mercado, já que a notícia provavelmente ainda estará repercutindo muito”, alerta. Portanto, para quem quiser comprar ou vender um carro que saiu de linha, o conselho é o mesmo: não tenha pressa.
Por fim, a percepção do mercado acerca de um determinado modelo também influencia sua vida após a morte. Há carros que ganharam fama ou que passaram a transmitir valores subjetivos, como status – caso do Hyundai Azera. A segunda geração do sul-coreano não teve a mesma recepção que a primeira teve no mercado de novos, porém, fora de linha, é um campeão dos classificados.
Tanto o Azera quanto outros modelos alemães de alto padrão, como o Porsche Cayenne, têm seu público e fãs. Muita gente só consegue adquiri-los depois de muitos anos no mercado, quando a desvalorização os levou a um patamar acessível. A gente fez uma lista deles aqui: eles fazem você parecer rico, mas podem torna-lo ainda mais pobre.
Fonte: MARIANA RUDZINSKI/Auto Esporte