Semana após semana, Amor de Mãe apresenta ao público novos desdobramentos e revelações. Com isso, a trama das nove da Globo mostra fôlego e dinamismo, mas ao mesmo tempo tropeça na coerência em pequenos detalhes que não condizem com a qualidade apresentada até então. O mais latente deles é a trajetória de Vitória (Taís Araujo). Das três protagonistas do folhetim, ela se revelou a mais incoerente.
Depois da rocambolesca história do abandono da gravidez de Sandro (Humberto Carrão) e a posterior entrega do bebê para Kátia (Vera Holtz), a advogada se vê agora em outra situação bem difícil de engolir: de mulher bem-sucedida, Vitória se tornou se uma dona de casa cheia de dívidas e que passa por um calvário para conseguir fechar as contas no fim do mês.
Sempre apresentada como uma mulher inteligente e com uma carreira consolidada, Vitória viu o mundo desmoronar desde que Álvaro (Irandhir Santos) se mostrou o grande vilão da novela. A ficha ética da advogada caiu e ela decidiu não mais prestar serviços a ele. Por isso, teve de vender o apartamento gigantesco em que morava para pagar uma multa milionária ao empresário, matricular o filho em uma escola pública e ver os clientes minguarem por influência do dono da PWA.
Mesmo na pior, ela usou sua inteligência para capitanear uma ação coletiva dos moradores da fictícia Guaporim contra a empresa para a qual um dia advogou. Vitória teve seus dias de Erin Brockovich, ativista ambiental norte-americana e inspiração do filme que rendeu um Oscar de melhor atriz a Julia Roberts em 2001.
Justamente por esse histórico, é difícil de engolir o atual momento da advogada. Até quando fez um bazar para se livrar de roupas antigas e arrumar um dinheiro extra, sua história estava crível. Foi ali que, mais uma vez, ela se mostrou sagaz e conseguiu ajudar Lídia (Mallu Galli) a se livrar das chantagens de Tales (Alejandro Claveux), reunindo, ainda, outras vítimas das garras do personal trainer.
O problema é que, para acentuar o drama da pindaíba, Manuela Dias pesou a mão e transformou sua heroína sem um pingo de sutileza qualquer. Se a autora tivesse mantido a história de Vitória inspirada na personagem de Julia Roberts, o caminho percorrido pela advogada teria sido mais aceitável, apesar de pouco original.
Mas não. Para manter a casa, a personagem recorreu a um empréstimo bancário que foi negado e então passou a costurar para fora. Mesmo namorando um milionário, preferiu pedir dinheiro emprestado à agora agiota e criminosa Penha (Clarissa Pinheiro), depois de ver um anúncio em um poste, em uma atitude intempestiva e pouco sábia para uma mulher como ela.
O arco dramático de Vitória, do sucesso à queda para que no fim ela possa se reinventar, é um clássico das novelas: humaniza a personagem e cria aproximação com o público. O desempenho de Taís Araujo ajuda na construção do carisma de Vitória, mas a incoerência da trajetória percorrida pela advogada salta aos olhos.
A personagem não pode ser burra a ponto de cair em armadilhas tão fáceis, e só o orgulho que diz sentir por se sustentar desde os 18 anos não é uma justificativa plausível para que saia metendo os pés pelas mãos.
Amor de Mãe, talvez para se tornar mais popular e aumentar os índices de audiência, deixou a protagonista na corda bamba da coerência. Ainda dá tempo de se reequilibrar, mas esse tropeço já atrapalhou a travessia.