Karel Sanchez espera novo exame para poder revalidar diploma e atuar na profissão. Governo federal diz que não tem previsão de aplicação do Revalida.
No último mês, Karel já vendeu doces na Liberdade, trabalhou como carregador de malas no Aeroporto de Congonhas e fez bicos consertando camas. Os instrumentos de trabalho que mais gosta de usar, um estetoscópio e um aferidor de pressão, estão guardados em uma mala do médico cubano que quis ficar no Brasil após o fim da parceria de Cuba com o Mais Médicos.
Karel Enrique Sanchez Fuentes, de 35 anos, é um dos cerca de dois mil cubanos que ficaram no país após o fim do programa, segundo estimativa do Ministério da Saúde. Em novembro de 2018, o governo de Cuba informou que decidiu sair do Mais Médicos, citando “referências diretas, depreciativas e ameaçadoras” de Jair Bolsonaro, que acabara de ser eleito presidente.
O médico chegou em Brasília em março de 2017 e ficou cerca de um mês resolvendo questões burocráticas, como a tradução de seu diploma, até ser informado onde iria atuar: Cachoeira do Arari, no Pará. “Olha, você vai para um lugar inóspito”, lhe disse seu irmão que estava no Mato Grosso, também médico no programa.
“Mas aí quando passou o tempo foi uma benção, eu fiquei muito grato. Eu amo Cachoeira do Arari, a cidade é muito acolhedora”, disse Karel. Lá, além de aprender a comer açaí com farinha e tomar suco de bacuri, ele ainda ganhou uma “mãe” adotiva. “Dona Lina Campos de Avelar. Essa é minha mãe aqui no Brasil. Essa senhora fala que sou o caçula da família. Sua família me acolheu, era um irmão para o filho dela”.
Em novembro do ano seguinte, Karel e os outros três médicos que atuavam em Cachoeira do Arari receberam a notícia do fim do convênio com Cuba. O profissional recebeu um Certificado de Excelência da Prefeitura de Cachoeira de Arari, que dizia que o profissional “prestou inestimável serviço à população”.
“Eu decidi ficar porque eu não concordo com o sistema político do meu país. Inclusive eu fiquei muito emocionado quando o presidente Bolsonaro falou que não queria mais ajudar a ditadura. Eu pensei, que bom, não vai ajudar mais a ditadura, vai ajudar a gente, a gente vai trabalhar para você. Só que isso só ficou no papel. Nem no papel, só ficou no vento”.
Com a esperança de conseguir voltar a trabalhar como médico na cidade, Karel esperou quatro meses em Cachoeira do Arari. No entanto, a regulamentação não veio, o dinheiro acabou, e ele decidiu se mudar para São Paulo no começo de março em busca de oportunidades de emprego.
Na capital paulista, Karel alugou uma quitinete na Liberdade. Ele e a esposa, uma dentista cubana, dividem o espaço que é quarto, sala e cozinha ao mesmo tempo. Eles fazem bolos e biscoitos de champanhe para vender no bairro, e Karel faz bicos e busca uma vaga fixa.
O doutor Sanchez trabalhou por algumas semanas como carregador de malas em uma companhia de táxi no aeroporto de Congonhas. “O dia que fui fazer minha candidatura para entrevista, eles viram meu currículo e falaram: ‘Com esse currículo, você vai ser maleiro?’ Eu preciso trabalhar, não tenho frescura não”, respondeu ele.
Como profissional do programa Mais Médicos, Karel recebia cerca de R$ 4 mil por mês, o que o permitia enviar dinheiro para a família. O médico tem dois filhos, de 10 e 11 anos, da primeira esposa. Em Cuba, segundo Karel, um médico clínico geral como ele recebe cerca de US$ 70 por mês, o que representa aproximadamente R$ 280.
Para poder a voltar a trabalhar como médico no Brasil, Karel precisa fazer o Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos Expedidos por Instituições de Educação Superior Estrangeiras (Revalida). No entanto, o último exame aplicado foi em 2017. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável por aplicar a prova, disse que “não há ainda o cronograma para a próxima edição do Revalida”.
O Ministério da Saúde disse que “estuda uma medida para os profissionais que permaneceram no país”, mas sem detalhar quando e como isso irá acontecer.
Enquanto isso, pacientes de Cachoeira de Arari que se aproximaram de Karel continuam mandando dúvidas e perguntas para o médico pelo Whatsapp, como a mãe de um menino que ele começou a atender com apenas 3 meses de nascido.
“É muita a saudade de estar sentado consultando meus pacientes. Entendeu? Porque é no que eu formei. Tenho muita saudade disso”, lamenta o médico.
Fonte: G1