Ana Karoline de Souza Barros, 14, e Cíntia Maria Lima da Silva, 15, caminham juntas pela rua 15, a principal via do centro do município de Serra Talhada, no sertão de Pernambuco. Passa das 11 horas do sábado. Todo o comércio está fechado em homenagem às cinco vítimas da mesma família mortas durante tentativa de assalto a duas agências bancárias na cidade de Milagres, no Ceará, que resultou em 14 assassinatos (oito criminosos e seis reféns).
Uma delas é Vinícius Magalhães, 14, colega de sala das duas adolescentes. Elas vestem a farda do Colégio de Aplicação. Nas costas da camisa, escreveram mensagens de despedida para o amigo, com corações e flores. No alto delas, grafaram o nome do rapaz com caneta Bic.
“É uma forma de a gente nunca esquecer do Vinícius”, explica Cíntia, uma das centenas de pessoas que acompanhavam o velório dos inocentes da tragédia de sexta-feira, 7.
Além dele, morreram o pai, o empresário João Magalhães, e outras três pessoas da família, que vinham de São Paulo para passar o Natal: Claudineide Campos de Souza, 42; o marido Cícero Tenório dos Santos, 60; e o filho do casal, Gustavo Tenório dos Santos, 13. Todos foram sepultados ontem – Vinícius e João em Serra Talhada e os demais em São José do Belmonte, já na divisa com o Ceará.
“O sonho do Vinícius era ser engenheiro civil”, lembra Ana Karoline, com quem ele tinha mais afinidade. Filha de uma professora da rede municipal que dava aula de reforço para o amigo havia cinco anos, eles se viam todos os dias. “De manhã, na escola, e de tarde, na minha casa. Éramos assim próximos desde criança”.
Cíntia relata que ele gostava mesmo era de futebol e videogame. Nos últimos dias, só falava da chegada de Gustavo. “Já havia preparado tudo em casa pra receber o primo pra jogar”, narra Simone Maria de Barros Souza, 37, a professora com quem Vinícius esteve uma última vez um dia antes da morte.
“Ele se despediu de mim assim: ‘Tia, eu não venho mais’. Até brinquei com ele, pedi pra não dizer isso”, recorda. “Ele repetiu: ‘Tia, eu não venho mais’.
Depois me abraçou, disse que me amava e saiu. Me deu quatro beijos e dois abraços”. Eram fim de tarde da quinta-feira, 6.
Nesse mesmo dia, João Magalhães se preparava para reunir novamente a família. Uma semana antes, havia comemorado duas décadas de casamento com Cláudia Magalhães, com quem tinha ainda o caçula, João Vitor, 9. “Estavam muito felizes”, fala o aposentado Marcelo Barros, 65, que tinha conhecido João, comerciante bem-sucedido, no fim de semana anterior, através do grupo Encontro de Casais com Cristo (ECC).
Para Rosivaldo Antonio dos Santos, 32, funcionário da prefeitura do município, João não era apenas o amigo de infância com quem eventualmente curtia festas. “Aquilo era um cabra bom”, diz, com sotaque do interior pernambucano. “Essas mortes deveriam ter sido evitadas”, acrescenta. “A culpa é 100% da Polícia”.
Na cidade, enquanto o cortejo seguia até o cemitério de Alto de Bom Jesus, o clima era de comoção e revolta. Entre choro e lamentos, amigos e familiares criticavam a operação policial conduzida por agentes de segurança do Ceará. “A nossa sensação é de revolta”, sintetiza Tadeu Gama, 46, representante comercial e cunhado de João. “É óbvio que nada vai trazer nossos entes de volta, mas o sentimento é de que houve um pouco de despreparo da Polícia do Ceará”.
De acordo com ele, o que resta à família é esperar por uma apuração rigorosa dos acontecimentos. “Fizemos que tudo que podíamos. Consolamos os parentes. Choramos. E agora temos de seguir”, responde Gama, a quem coube comunicar à filha de Claudineide que a mãe e o irmão haviam sido mortos no Ceará.
“Foi duro. Ela achava que a mãe já estava aqui e estava dormindo, porque não atendia o telefone”. Era já manhã de sexta-feira, e Serra Talhada começava a receber as primeiras informações sobre a tragédia de Milagres, a pouco mais de 150 km dali. “Esperamos que isso seja melhor apurado, de onde partiu esse erro. Porque a nossa perda foi grande”. (Henrique Araújo)
INOCENTES
Os reféns mortos na tragédia foram alvo de emboscada de quadrilha que tentou assaltar as agências de Bradesco e Banco do Brasil de Milagres. Voltavam do aeroporto de Juazeiro do Norte quando os veículos foram interceptados na BR-116 e eles foram levados como escudo humano. Edneide foi morta pouco tempo depois no centro de Milagres, em troca de tiros entre policiais e criminosos, conforme a SSPDS.
Fonte: O Povo