Há duas décadas, aproximadamente, as tecnologias emergentes estão tentando focar suas atenções na Educação. O primeiro momento foi a automação de bancos e escritórios, mas automação nas escolas públicas sempre enfrentou barreiras. Mais recentemente, empresas como Microsoft e Google tem conseguido estar um pouco mais próximas de alunos e professores para tentar oferecer ferramentas para serem usadas em sala de aula. A Google, por exemplo, lançou uma plataforma educativa chamada YouTube Edu, gratuita, com mais de 30 canais brasileiros, inicialmente com cerca de 10 mil videoaulas.
As videoaulas ganharam a ordem do dia, mas ainda falta muito para que a tecnologia voltada aos livros digitais, foco das minhas atenções nesse artigo, abarquem uma plataforma sinérgica realmente voltada para a realidade de estudantes e educadores dentro escolas.
Sempre que me questionava sobre a utopia da universalidade dos livros digitais voltados à Educação, eu me perguntava:
E se cada aluno tivesse uma biblioteca digital na palma de sua mão?
É à partir desse meu questionamento que proponho refletir um pouco mais sobre a questão das tecnologias dentro das escolas.
À maioria dos projetos de tecnologia voltada à Educação faltam metodologias pedagógicas. Em 2014, por exemplo, a Google anunciou uma parceria com o Governo de São Paulo para capacitar cerca de 300 mil professores da rede estadual dos ensinos fundamental e médio para que esses utilizassem, em suas atividades complementares, as ferramentas online como o Gmail e o Google Docs.
A Google é uma empresa privada, estrangeira. Seus interesses, por mais que suas ferramentas sejam úteis, são meramente comerciais, não educacionais. Para haver uso educacional, deve haver um projeto pedagócio. Não faz nenhum sentido doutrinar professores e alunos para a utilização de aplicações comerciais em seu dia-dia, como tentou diversas vezes a própria Microsoft, simplesmente porque tudo isso já é feito no âmbito pessoal e profissional, ou seja, fora das escolas. Mas e dentro delas.
E será que esse tipo de iniciativa é o bastante para resolver nossas questões mais intrínsecas?
Os professores são afeitos a uma cultura que só lhes permitem usar de ferramentas por eles mesmos criados. Os professores e alunos guardam paixão e orgulho pelas ‘coisas’ que são feitas por suas próprias mãos. Poucas ferramentas que não sejam desenvolvidas pelos próprios professores e alunos, não importam sua linguagem de programação ou tecnologia empregada, terão aceitação dentro das escolas. O que vem de fora, imposto, pouco funcionou, raramente funcionará.
Me refiro a uma cultura interna rica em criatividade. Nenhum especialista, externo, parou para pensar que suas ideias não podem ser perfeitas ao uso educacional se não puderem ser reaproveitadas, transformadas e recicladas pelos próprios alunos e professores?
Nas escolas privadas a implantação de tecnologia é algo mais palpável porque nelas parece haver uma cultura de subserviência bem diferente das escolas públicas. E me faça a gentileza de não distorcer minhas palavras nesse artigo, professores das escolas públicas sempre tiveram que conviver com os recursos mínimos providos pelos Governos, portanto, investimento em tecnologia parece não combinar com sua histórica escassez de recursos. E é por essa razão que professores e alunos sempre aprenderam a transformar sucata em arte.
E tecnologia não é sucata. Nem arte.
A tecnologia apenas permite a arte. Tecnologia para virar arte nas escolas públicas, precisa antes ser sucateada. Inutilizada. Você primeiro sucateia a tecnologia e depois transforma ela em algo realmente viável ao convívio escolar. Os Governos e empresas privadas não estão dispostos a aceitar essa realidade de que professores e alunos podem construir suas próprias ferramentas tecnológicas porque, por parte dos Governos há uma imposição, que vem de cima pra baixo, uma arrogância generalizada que tenta perpetuar a ideia de que: alunos são repositórios de informação e não seres humanos prontos para aprender a aprender; e que professores são apenas funcionários obrigados a cumprir as cargas de conteúdo dos planos superiores.
E, por parte das iniciativas privadas, há a conquista do eldorado para se tornarem os maiores clientes dos Governos que, naturalmente devemos reconhecer, tem tirado os investimentos das verbas públicas e enchido os bolsos dos empresários que fazem acordos escusos para alcançar seus objetivos capitalistas.
O meu discurso aqui não é o de dividir, mais o de somar. Somar o esforço e a capacidade dos principais atores do universo da aprendizagem. A solução para o desenvolvimento de uma plataforma que possa ser efetivamente usada por professores e alunos, dentro e fora das salas de aulas, é que suas ferramentas sejam pensadas e construídas pelos próprios professores e alunos. Simples assim.
Portanto, uma Biblioteca Digital Escolar, como aquela que desejo implantar, para obter o sucesso de audiência e uso, tem de ser desenvolvido por uma metodologia que a cultura escolar compreenda e viva. Depois de pensar bastante o assunto, chego a conclusão de que nenhuma tecnologia imposta por qualquer Governo por mais transitório ou democrático que possa parecer irá durar dentro do universo escolar se não refletir a realidade de quem as vive.
Vou repetir para ficar bem claro: uma tecnologia voltada para alunos e professores, deve ser construída por alunos e professores. Nenhuma empresa privada, nacional ou estrangeira vai impor à cultura escolar seus produtos e soluções, por melhor que esses possam parecer úteis. E, acredite, eu sei que são, mas não é essa a questão.
Teve uma ocasião, não faz muito tempo, em que governo paulista também anunciou, através de um projeto chamado Escola Virtual de Programas Educacionais [EVESP] uma parceria com a norte-americana Microsoft para utilizar o pacote Office gratuitamente na rede estadual. Não deu certo. Vou usar uma expressão americana para registrar o que penso dessa parceria:
Bullshit!
Não tenho absolutamente nada contra as empresas privadas, nacionais ou estrangeiras. Sou empresário. A escola pode sim usar de linguagens universais, open source ou não, que sejam, dessas desenvolvedoras de tecnologia. Não é disso que se trata.
O empresário Nolan Bushnell, criador do antológico Atari, por exemplo, sugere o uso de videogames e jogos eletrônicos nas escolas como ferramentas de aprendizagem. Concordo com ele, mas desde que os games fossem criados pelos próprios alunos. Porque é assim que os empresários capitalistas americanos pensam, que seus produtos são perfeitos para uso em sala de aula. Mas não são. Como todos aqueles que viveram a década de 1980 eu sou fã de Nolan. Mas os empresários, as iniciativas privadas, principalmente aquelas ligadas aos grandes centros globais de tecnologias, estão o tempo todo impondo suas soluções como objetivo de perpetuar sua dominação sobre as regiões menos tecnologicamente desenvolvidas.
E o que precisamos é formar seres humanos criativos dentro das escolas e não de consumidores de tecnologia. Se a gente parar para pensar, podemos fazer uso de diversas dessas plataformas, mas a questão central não é essa. Nós precisamos estimular professores e alunos a pensar a tecnologia à partir do seu próprio repertório de vivências. Assim, em longo prazo, estaremos preparando, tecnicamente, o educador e o aprendiz, a conviver com a possibilidade de não apenas não sermos mais dependentes das iniciativas capitalistas estrangeiras, mas, principalmente, de sermos capazes de nos apropriar dessas tecnologias, tranformá-las e colocá-las à disposição para resolver os nossos próprios problemas, minimizar os nossos próprios conflitos.
As linguagens de programação usadas nessas ferramentas são universais, são código-fontes usados por asiáticos e indianos, americanos e chineses, então porque não se apropriar dessas tecnologias para refletir a resolução de nossas demandas educacionais? Não é a tecnologia que deve resolver as questões que permeiam o universo escolar, mas é o próprio universo escolar quem deve compreender e se apropriar das tecnologias para resolver os seus próprios problemas.
E os livros?
Como ficam os livros que refletem a nossa cultura e sociedade nesse cenário global? O mercado de conteúdo digital e literário voltado à Educação é, sem sombra de dúvida, um dos mais promissores negócios que envolvem os eBooks. Só para se ter uma ideia, a educação básica no Brasil possui pelo menos 50 milhões de alunos que necessitam de conteúdo de qualidade para seus estudos diários. E, segundo uma projeção que o Ministério da Educação [MEC] deveria se atentar, é que, independente do teto de gastos imposto recentemente pelo Congresso Nacional, deveria haver um incremento de 120 bilhões de reais no orçamento da Educação até 2022.
E, acredite, é nesses 120 bilhões que as grandes empresas estrangerias como Amazon, Google e Microsoft estão de olho. Se o próximo grande desafio do Brasil é elevar a qualidade da Educação, nosso País necessitará de um ecossistema de armazenamento e compartilhamento de conteúdo digital que seja de real entendimento e manuseio pelas partes que compõe os ambientes pedagógicos. Mas essa ferramenta deve ser construída à partir do nosso arcabouço cultural e social das nossas escolas. Não adianta importar soluções prontas que irão gerar ainda mais ansiedade de conflitos entre os alunos e professores.
Sem aluno não existe escola, sem professor não existe Educação. Uma Biblioteca Digital Escolar desenvolvida colaborativamente dentro da escola terá maior valor agregado, terá mais importância e utilização para os professores e alunos, que aprenderão como desenvolver e como interagir com essas ferramentas do ponto de vista de quem as constrói e não de quem deseja ser escravo delas. E é assim que devem ser feitas as coisas no âmbito público e, porque não dizer, social.
Utopia? Pode ser, eu adoro utopias. As utopias revestem a Educação de sonhos. A minha ideia portanto é institucionalizar a Biblioteca Digital Escolar. Um projeto que irá se apropriar das tecnologias que estão permeando a Educação, mas que será pensada, desenvolvida pelos próprios alunos e professores. Nos próximos artigos, detalharei melhor como é que isso pode ser feito.
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Ednei Procópio empresário, escritor, editor pioneiro e especialista em livros digitais. É membro correspondente do Grêmio Barramansense de Letras (Grebal/RJ), membro da Associação Nacional do Livro (ANE/DF) e consultor da UFO, a revista mais antiga do mundo sobre Ufologia.
Blog do Florisvaldo – Informação Com Imparcialidade – 08/10/2017