Em resumo: Se você estiver passando por um momento difícil, procure o Centro de Valorização da Vida (CVV), que oferece atendimento gratuito e sigiloso por telefone (no número 188) e por e-mail ou chat no site: https://cvv.org.br/.
Na última semana, o suicídio de um aluno do Colégio Bandeirantes, em São Paulo, chamou a atenção para o que especialistas classificam como um problema de saúde pública crescente no Brasil. O jovem, que era beneficiário de um programa de bolsas de estudo para alunos de regiões periféricas, tinha 14 anos e havia registrado na escola ser vítima de bullying por ser negro e homossexual.
O suicídio de adolescentes na sua faixa etária é um ponto de alerta global – segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), corresponde à quarta principal causa de morte entre 15 e 29 anos, abaixo apenas de lesões no trânsito, tuberculose e violências interpessoais.
No Brasil, o último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde revela que o suicídio chega a ser a terceira causa de óbito entre 15 e 19 anos. E uma das preocupações é que os registros estão em alta no país.
Um estudo do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde da Fiocruz Bahia (Cidacs) mostrou que a taxa de suicídios entre 10 e 24 anos cresceu 6,14% a cada ano entre 2011 e 2022, acima da média de 3,7% da população geral. Um levantamento separado do Ministério da Saúde apontou que, apenas entre 2016 e 2021, o indicador saltou 49,3% entre aqueles de 15 a 19 anos.
– O maior aumento está entre os jovens e não é uma tendência passageira, é algo que está acontecendo há mais de duas décadas e que realmente precisa de um olhar mais atento e de esforços de diferentes esferas, desde o governo até escolas e famílias – avalia a psicóloga Daiane Machado, pesquisadora da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, e do Cidacs/Fiocruz, que participou do trabalho.
Em 2022, último ano para o qual se tem registros, os dados do Sistema de Mortalidade da pasta (SIM) mostram que o Brasil teve 16,5 mil suicídios, 78% entre homens. A tendência do suicídio no Brasil vai na contramão dos números globais – enquanto, de 2000 a 2019, o número caiu 36% no mundo, no país ele subiu 43%, alerta Daiane.
O que explica o aumento?
Especialistas ouvidos pelo GLOBO explicam que o suicídio é um fenômeno complexo e que não tem uma causa específica – pode ocorrer tanto entre pacientes com transtornos mentais, como em indivíduos ausentes de qualquer diagnóstico. Mas citam que há fatores que aumentam o risco e que justificam, ao menos em partes, a alta de casos.
– Vivemos aumentos de depressão, de solidão, situações de bullying e exclusão, que são potencializadas com redes sociais. E há ainda outros fatores macro, como incerteza em relação ao futuro e questões socioeconômicas – diz o professor e chefe do serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), Guilherme Polanczyk.
Ele acrescenta que pobreza, exposição à violência, uso de substâncias, comportamento autolesivo, tentativas prévias de suicídio e já ter vivido uma situação de um familiar ou amigo ter tirado a própria vida são outros fatores. Para a diretora do departamento de Saúde Mental do Ministério da Saúde, Sônia Barros, é um cenário de “grande preocupação”:
– Esse aumento é uma situação multifatorial que vai desde maior competição no ambiente acadêmico e profissional, com cobrança de desempenho, até o uso excessivo de telas, que agrava o isolamento social e estados de ansiedade e estresse. E é preciso considerarmos fatores de vulnerabilização que envolvem questões de gênero, de racismo, que também devem compor um plano de atenção. Uma política de prevenção ao suicídio é mais eficiente quando pensamos nessas formas de sofrimento mental que muitas vezes são socialmente determinadas.
No caso do Colégio Bandeirantes, por exemplo, o adolescente citava sofrer bullying por ser gay, negro e de baixa renda. Bianca Kann, especialista em Saúde Mental do Instituto Cactus, entidade filantrópica que atua pela promoção da saúde mental, destaca que o bullying é de fato um dos principais agentes ao se falar em suicídio:
No caso do Colégio Bandeirantes, por exemplo, o adolescente citava sofrer bullying por ser gay, negro e de baixa renda. Bianca Kann, especialista em Saúde Mental do Instituto Cactus, entidade filantrópica que atua pela promoção da saúde mental, destaca que o bullying é de fato um dos principais agentes ao se falar em suicídio:
– Ele é um fator de risco enorme e é muito complexo. Então nem sempre é apenas sobre falar em saúde mental, precisa haver esforços para abordar discriminação, pressões em relação à masculinidade, já que a maior proporção de suicídio é entre os homens, e ter um olhar maior da escola sobre o que ocorre nas salas de aula, com mais controle sobre esse tipo de comportamento.
Segundo a última pesquisa Panorama da Saúde Mental, conduzida pelo Cactus com a empresa de pesquisa Atlas Intel em 2023, 36,1% dos jovens de 16 a 24 no Brasil relataram ter sofrido bullying ao menos 1 vez nas últimas duas semanas. Numa escala de 0 a 1000, enquanto a pontuação média de saúde mental da população brasileira foi de 640, a faixa etária teve um índice inferior, de 523.
Mas Silvia Molinar, gerente executiva do Cactus, destaca que não há um fator que vai responder sozinho pelo ocorrido: – As pessoas buscam um culpado, um evento, uma situação. Mas o que conhecemos de suicídio é que nunca é um único fator. Muitas pessoas sofrem bullying, têm depressão, e não chegam a esse desfecho. Então é importante não ter um caça às bruxas, e olhar para o problema de forma multifatorial.
Quando e como abordar o tema com os adolescentes?
Falar sobre suicídio e saúde mental de um modo geral, embora mais frequente, ainda é considerado um tabu, diz a psicóloga Karen Scavacini, fundadora do Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio:
– Silêncio só faz com que o fenômeno cresça. Quando um assunto é tabu, as pessoas acabam buscando informações em locais que não são seguros. A maioria dos adolescentes já teve contato com o tema em séries, filmes, mídia no geral, muitas vezes de forma inadequada, e não tiveram com quem conversar sobre isso. Então falar é um passo para mudarmos isso. Mas lógico que existem formas de se conversar.
Para Karen, famílias e escolas devem trazer o tema por meio de diálogos abertos que busquem identificar como o jovem vê o assunto e se tem algum sofrimento mental que mereça um olhar mais cuidadoso. A chave, defende, é fazer com que o adolescente se sinta confortável para se abrir, sem julgamentos:
– Buscar entender o que os jovens pensam sobre aquele caso, o que já ouviram sobre, como se sentem em relação a isso. Ele precisa entender que existem pessoas com quem pode falar sobre. Nessas conversas, é sempre importante ouvir muito mais do que falar. E tem que ser num momento em que o jovem está mais aberto para uma conversa. Se ele não quiser conversar, tentar em outras situações, de outras formas, sem forçar a barra. E deixar claro que ele pode pedir ajuda. Se ele não quiser falar com o pai ou com a mãe, que existe o CVV (Centro de Valorização da Vida), o Pode Falar, da Unicef.
Para Bianca, do Cactus, hoje é mais comum haver rodas de conversa e palestras em escolas sobre saúde mental, mas nem sempre colocam o adolescente como protagonista: – Muitas vezes existe uma falta de vontade do jovem em se abrir na frente de outras gerações. E algo que vemos funcionar muito em experiências no exterior é aconselhamento interpessoal entre jovens. Os jovens como porta-vozes de si mesmo. As estratégias precisam ser centradas neles, mas também vir deles, ouvi-los, porque talvez eles tenham contribuições importantes para melhores soluções.
Em relação aos pais, Karen cita que muitas vezes famílias repassam notícias sobre suicídios sem um cuidado, o que deve ser evitado: – Existem pais que ficam preocupados e aproveitam o caso para abordar o assunto com os filhos. Mas tem casos em que se aborda apenas por curiosidade, sem parar para pensar na consequência, que poderia ser o seu filho ali.
Embora abordar saúde mental seja sempre importante, Polanczyk destaca que o suicídio é mais delicado e, por isso, defende ser mais importante citar casos somente em situações de risco, como escolas que tiveram um episódio recente ou indivíduos que demonstrem “sinais de alerta”: – Sabemos que existe o fenômeno de contaminação, comportamentos como suicídio, autolesão, como de restrição, purgação alimentar, muitas vezes são transmitidos entre os jovens porque estão nesse processo de identificação uns com os outros.
Alguns sinais apontados pelos especialistas são: mudanças de comportamento que vão além do natural da adolescência; humor mais triste, deprimido ou irritado; queda no desempenho acadêmico; alterações no sono e no apetite; afastamento dos amigos; falar, fazer piadas, publicações ou consumir conteúdos sobre suicídio; abuso de substâncias; descuido da aparência e da higiene; excesso de autocrítica; desesperança com o futuro e práticas autolesivas.
– Mas é sempre importante reforçar que há jovens que não vão dar sinais, ou que os sinais só vão ser percebidos depois. Eles não são algo simples de serem interpretados ou apresentados por todos – lembra Karen.
Nesses casos, o professor da USP orienta que é importante não abordar métodos, informações detalhadas, como hora e local, ou outros fatos mais objetivos sobre um episódio:
– Falar mais sobre o pensar em morrer e o impacto emocional, de alguém estar sofrendo tanto até chegar a esse ponto, de pensar nas pessoas que ficam, e trazer essa realidade para si. Buscar entender como o adolescente se sente sobre esse tema, sobre a morte, como esses tópicos surgem na sua cabeça. Uma postura de diálogo aberto com perguntas e possibilidade para que o jovem traga o que ele está sentindo.
Se os pais não se sentirem aptos para abordar o tema, o especialista orienta que deixem isso claro e afirmem estarem disponíveis para caso o jovem queira conversar com alguém. Dizer que eles podem buscar ajuda juntos.
Em relação às escolas que vivenciaram um episódio de suicídio, Polanczyk explica que há estratégias importantes de serem tomadas para avaliar o risco individual dos demais alunos:
– Muitas vezes pode envolver questionários sobre sintomas, pensamentos, grupos focais pequenos que proporcionem espaço para cada pessoa falar e para entender como aquela pessoa está processando aquilo. Mas para algumas pessoas esse formato de grupo não vai ser bom, porque se sentem muito inibidas, enquanto para outras dá um senso de comunidade. Então é importante ter estratégias diferentes.
Onde buscar ajuda?
Se você estiver passando por um momento difícil, confira outros lugares além do CVV para buscar ajuda:
Pode Falar – Unicef: Chat da Unicef oferece atendimento para pessoas entre 13 e 24 anos de segunda a sábado das 8h às 22h. Clique aqui ou acesse podefalar.org.br
Unidades de Atenção Psicossocial: Clique aqui e confira as unidades da Rede de Atenção Psicossocial do Ministério da Saúde que oferecem atendimento
Mapa da Saúde Mental: Mapa do Instituto Vita Alere reúne informações confiáveis sobre locais disponíveis para atendimento. Clique aqui ou acesse mapasaudemental.com.br
Fonte: https://oglobo.globo.com – Por: Bernardo Yoneshigue – Colaboração: Andrea F. dos Santos Ragazzini
Blog do Florisvaldo – Informação Com Imparcialidade
1 comentário
Vi esse caso primeiramente no X ex Twitter. É muito triste ver que a única coisa que um adolescente de apenas 14 anos achou para ter sua paz foi tirar sua vida. É triste ver que não se tem empatia e principalmente respeito pelo outro, pelas suas escolhas, por seu modo de viver. Ele não tinha voz e infelizmente sua voz só foi “ouvida” muito tarde…