A gíria brasileira “sextou” foi incorporada ao vocabulário corporativo em Portugal. Seguindo uma tendência que começa a ganhar força em alguns países, a semana de quatro dias sem redução de salário foi alvo de um projeto-piloto coordenado pelo governo com 41 empresas portuguesas, e o resultado foi positivo, ainda que não para todas. Quatro desistiram da ideia, mas as outras que adotaram a nova escala de trabalho viram melhora na saúde mental dos seus mais de mil funcionários envolvidos, sem prejudicar o desempenho dos negócios em diversos setores.
O laboratório português começou em junho de 2023, e o relatório final foi apresentado um ano depois. Só agora o tema ganha maior visibilidade no Brasil – onde também foram feitos experimentos voluntários -, após a repercussão nas redes sociais da proposta de emenda à Constituição (PEC) da deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) de trocar a escala 6×1, com seis dias trabalhados e uma folga somando no máximo 44 horas semanais, pela 4×3: três dias de folga e 36 horas por semana sem redução de salário.
A experiência portuguesa começou no governo socialista do então primeiro-ministro António Costa e terminou já com o novo gabinete de centro-direita do premier Luís Montenegro, que admitiu a possibilidade de estudar a adoção da semana de quatro dias de trabalho em todo o país. Por enquanto, as empresas neste regime fizeram uma opção.
Para coordenar o piloto, o governo contratou o economista Pedro Gomes, autor do livro “Sexta-feira é o novo sábado”. Professor de economia em Birkbeck, Universidade de Londres, ele afirmou ao GLOBO que vê a ideia como viável no Brasil, a partir do relatório da experiência portuguesa, mas com adaptações:
– A semana de quatro dias é uma melhor maneira de organizar a economia do século XXI. Combina duas dimensões: redução do tempo de trabalho, que beneficia os trabalhadores, e reorganização das empresas, da qual resultam ganhos de produtividade que compensam a redução das horas trabalhadas. Permite evitar cortes salariais, prejuízos e viabiliza a transformação.
Dificuldade de adaptação
Redução do esgotamento mental, aumento da produtividade por hora e maior satisfação dos trabalhadores, que puderam dedicar mais tempo à família e às atividades pessoais, foram os pontos positivos destacados por Gomes no relatório, que assina em conjunto com Rita Fontinha.
– O sucesso dependeu da capacidade das empresas de reorganizar processos e adotar melhores práticas. As que implementaram mudanças operacionais, como escala de folgas, maior polivalência dos funcionários e mais adoção de tecnologia, tiveram melhores resultados — explica Gomes.
Mas nem tudo são flores. Entre as justificativas das quatro empresas que desistiram, que não são identificadas no relatório, estão dificuldade de adaptação interna e externa, necessidade de reestruturação e pouco tempo de planejamento.
“A dinâmica anterior da nossa empresa, a nossa principal atividade e os hábitos instalados em alguns dos nossos clientes e nos próprios serviços do mercado (como eventos e encontros de equipes) dificultaram em muito a adoção realista deste teste”, apontou uma delas.
Outra alegou que falta clareza quanto aos possíveis impactos trabalhistas e nos negócios:
“Apesar de o projeto ser muito interessante e poder claramente trazer benefícios para as organizações e para as pessoas, é necessário, mesmo em projeto-piloto, ter mais claramente definidos os impactos e ajustes necessários com base não só na legislação trabalhista, mas também nos acordos existentes.”
Gomes diz que a transição pode ser feita sem mais empregados e que apenas uma em 41 empresas que adotaram a semana de quatro dias teve de contratar. Mas elas ficaram mais atraentes para profissionais em busca de vagas.
Foi o que aconteceu na Lean Health, que desenvolve soluções digitais na área da saúde. Segundo Rui Cortes, fundador da empresa de Lisboa, o número de candidatos explodiu:
– Dou como exemplo o processo de recrutamento que abrimos para marketing. Em três dias, chegaram 498 currículos. Nunca tinha recebido mais de cem. Era só uma vaga. Dos que entrevistei, a semana de quatro dias foi um dos fatores das candidaturas.
Retenção de talentos
Com 10 anos de experiência no mercado, a Lean Health vive seus anos dourados na era da semana de quatro dias. A empresa, em conjunto com os funcionários, decidiu pela folga extra às sextas-feiras.
– Não posso dizer se é o fator mais importante, mas 2023 e 2024 são os nossos melhores anos de vendas e de inovação. A equipe gosta muito do formato e de ter três dias de pausa, seja para estudar ou para lazer – declarou Cortes.
A Onya Health, em Braga, segue a mesma estratégia após o piloto. Vânia Lima, diretora-geral da empresa de comunicação especializada em saúde, diz que houve crescimento:
– Estamos a caminho de dobrar o faturamento. Claro que não podemos dizer que está unicamente relacionado com a redução do horário semanal, porque a empresa é recente e, por isso, está crescendo.
Funcionários responderam um relatório interno de satisfação positivamente. A carga horária passou de 40 para 36 horas, com folgas às sextas intercaladas a cada quinzena.
– Tivemos um retorno muito bom. Os colaboradores estão muito satisfeitos e motivados. Em relatórios internos, declararam que só mudariam de empresa com as mesmas condições que a Onya oferece, com 36 horas semanais e trabalho remoto, por um aumento salarial de 50% – diz Lima.
Fonte: https://oglobo.globo.com – Por Gian Amato – Lisboa
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