O mundo inteiro ainda bate cabeça procurando um remédio eficaz para acabar de vez com a covid-19 – quando a vacina não resolve –, mas li outro dia que uma descoberta de pesquisadores brasileiros pode mudar o cenário.
O pessoal da Unesp de Araraquara, São Paulo, revelou à comunidade científica internacional que o veneno da cobra jararacuçu, muito comum em nossas florestas, contém uma molécula com ação antiviral capaz de inibir em 75% a capacidade de multiplicação do coronavírus, dando tempo ao organismo infectado de criar anticorpos e neutralizar o avanço da doença.
O estudo é promissor, já está sendo testado em humanos e tudo leva a crer que o peptídeo é seguro mesmo em concentrações elevadas. Além disso, é fácil de ser sintetizado, o que simplificará a produção em larga escala.
Já existem outras moléculas encontradas em venenos e secreções animais em remédios para tratar doenças humanas. Do veneno da cobra jararaca, por exemplo, vem o Captopril, droga para tratamento da hipertensão. Da saliva do lagarto monstro-de-gila é produzido o Exenatide, usado contra diabetes. E o Lepirudina, que vem da saliva de sanguessugas e outros lagartos venenosos, controla uma doença autoimune capaz de causar trombose, embolia pulmonar e infarto.
Li também – e esta é a parte “ruim” de gostar de ler – que, segundo o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), desmatou-se aqui na terra das palmeiras onde canta o sabiá mais de 8 mil km2 de florestas entre agosto de 2020 e junho de 2021, na maior devastação em uma década.
Continuamos imbatíveis, portanto, nessa corrida sem freios, ladeira abaixo, rumo à extinção de fontes que até outro dia tínhamos como inesgotáveis para descoberta desses insumos farmacológicos.
Se nada estancar a ganância dos chamados “agrotrogloditas” (como diz Elio Gaspari) e seus protetores de plantão, daqui a pouco só será possível a pesquisa com peçonhas e outras secreções obtidas no meio urbano.
Comentava isso com um amigo quando ele me alertou que talvez seja chegada a hora de atribuir um novo significado para a figura da sogra no seio da família, buscando uma utilidade prática para o veneno que inocula nas veias de genros e noras.
Também defendeu que se faça algo a partir de cunhados e cunhadas, principalmente os formados em arquitetura, os quais, em momentos financeiramente inadequados, costumam sugerir reformas estruturais, paisagismos e repaginação de ambientes.
Chegou ainda a mencionar aquele tiozão imbecil (desculpando-se pelo pleonasmo) que se mete o tempo inteiro onde não é chamado, cujo veneno escorre pelas narinas de tanto azucrinar sobrinhos com idiotices a granel, além de empréstimos sem qualquer risco.
Risco, bem entendido, é a probabilidade de um evento esperado não ocorrer por conta de alguma coisa inesperada, extraordinária. No caso, não existe o menor risco: o tiozão não paga nunca!
Compreendo a acidez de meu amigo, em decorrência, talvez, do pesado fardo de dissabores que teve (e ainda tem!) que engolir, mas não sou pastilha de Hidróxido de Alumínio nem gostaria de trafegar nesse delicado território das encrencas familiares.
No meu caso, aliás, nunca tive do que me queixar em relação a minha sogra, que só me fez o bem enquanto esteve por aqui. Também não reclamo de cunhados e tios. Não convivo com eles a ponto de experimentar os desencantos da proximidade inevitável. O que também é ótima estratégia para eles.
Disse-lhe, contudo, que vejo algum sentido na tese. Penso que cairia bem extrair secreções tóxicas de alguns seres urbanos que circulam por aí – uns possuem até o olhar frio e misterioso dos répteis –, sejam aqueles homens públicos que abusam do direito de infernizar a nossa vida, sejam os que já se arrastam de forma inapelável para a sarjeta da História.
Todos esses, para evitar, após a morte, o inescapável voo sem escalas em direção ao quinto dos infernos, poderiam criar para si um providencial pitstop: uma temporada no purgatório, oferecendo, para remissão de seus pecados, gotas de sangue, saliva e suor.
Sei que será difícil extrair suor de escamas. Suor é coisa que essa gente só vê quando escorre no rosto dos menos aquinhoados pela sorte que lhe serve no conforto de ambientes refrigerados à custa do suadouro alheio.
Outro problema é saber se haverá no purgatório espaço suficiente para abrigar tantos candidatos ao estágio. Se não houver, viria aí uma nova temporada de corrupção e mentiras, com compra e venda de vagas no mercado futuro. Tudo em dinheiro vivo, lavado e enxaguado (como diria o bem-amado Odorico Paraguaçu), sem nota fiscal e, ninguém duvide, com transmissão on-line via redes sociais.
Será bem mais simples cuidar do que resta das florestas.
Fonte: https://www.blogdohayton.com – Hayton Rocha – Colaboração: Agenor Santos
Blog do Florisvaldo – Informação Com Imparcialidade – 02/10//2021
2 Comentários
Caro Hayton Rocha, boa noite!
O seu artigo é digno de chegarmos a conclusão de como o tempo é capaz de mostrar as inversões que precisamos nos adaptar. Quando criança (hoje tenho 7.1), constantemente ouvia meu pai dizendo: “cuidado ao andarem pelos campos, pois lá existem muitos bichos peçonhentos – ele evitava até falar a palavra cobras”. Coitada das cobras. Pelo seu relato, noto que no século 21, temos que nos preocupar é com “alguns seres urbanos que circulam por aí – uns possuem até o olhar frio e misterioso dos répteis” e, ao mesmo tempo cuidar do que resta das florestas.
A sua habilidade com as letras e a perspicácia com que foca os temas, já começa a deixar saudade nos leitores “seminovos” que pensam que partirão antes de você!!1 rsrsrsr
Parabéns pela qualidade e profundidade dos seus textos! (Salvador-BA).