Lembro-me com carinho, quando, na Sexta-Feira da Paixão, essa imagem chegava até à nossa casa. Minha mãe largava os afazeres e vinha atender, já com algum trocado para contribuir na coleta que dois irmãos da Irmandade da Santa Cruz faziam para a igreja. Ela chamava todos os filhos para a sala e pedia que, diante da imagem, nos benzessemos. Seus olhos lacrimejavam, mirando o Cristo crucificado, que talvez a fizesse lembrar do seu filho que também fora assassinado. Ou quem sabe, reconhecesse as suas dores nas chagas daquele Cristo de olhar penoso. Ficávamos em silêncio, chorando também para dentro.
Em nossa casa, minha mãe percorria a sua Via-Crúcis pessoal. Do amanhecer ao anoitecer, não eram poucos os desafios na Estação do quarador, lavando para fora; na Estação do ferro de brasa, engomando as muitas roupas que não eram nossas; na Estação do fogão à lenha, fazendo doces para vender; na Estação da ausência do esposo; na Estação de ter oito filhos para criar sozinha, todos sem emprego, sem nenhuma oportunidade de trabalho.
Muitas vezes, no dia da visita dessa imagem, vendo as suas lágrimas, desejei que ela e Ele, descessem daquela cruz.
O Cristo seguia para outra casa. Ela enxugava as lágrimas e voltava para a sua Via Dolorosa de todos os dias.
E assim seguíamos, sendo amparados pelo o Senhor do Amparo e por ela, nosso Cristo personificado, vivo.
Fonte e Texto de: Ivan Santtana
Blog do Florisvaldo – Informação Com Imparcialidade – 04/04/2021