A queda de parte da ciclovia Tim Maia inaugurada há poucos meses no costão da Av. Niemeyer no Rio de Janeiro mostra a importância de gerenciar riscos nas obras de engenharia, muitas vezes negligenciada por projetistas e empreiteiros.
O PMI – Project Management Institute, principal associação internacional de profissionais ligados a gestão de projetos preconiza no capítulo 11 do seu PMBOK – Project Management Book of Knowlegde que o gerenciamento de riscos é uma disciplina que merece especial atenção dos gerentes de projetos. Segundo a metodologia recomendada na 5º edição do PMBOK, para gerenciar os riscos é necessário que se dedique tempo ao planejamento, a identificação de riscos, as análises qualitativas e quantitativas de riscos, a um programa de respostas aos riscos expostos (que é onde entram as ações para eliminar, prevenir, mitigar, contingenciar os riscos e, em complemento, medidas financeiras como a retenção e/ou transferência de riscos, por seguros, por exemplo), monitoramento, comunicação e controle.
As boas práticas de gestão de riscos mostram que é necessário começar a pensar em riscos desde o projeto conceitual, ou seja, quando as soluções de engenharia estão sendo pensadas e bem antes de colocá-las no papel sob a forma de projetos básicos estruturais e, posteriormente, de detalhamento, que vão dar origem às construções em si, como sabem os meus alunos da disciplina de Gerenciamento de Riscos e Gerenciamento de Riscos em Projetos, que ministro em MBA´s de diversas universidades no Brasil.
O que vimos pela cobertura jornalística do acidente é que há, sobretudo, um erro de concepção de projeto, que poderia ter sido eliminado se as providências para gerenciamento de riscos específicas para projetos e, como dissemos, preconizadas pelo PMI, tivessem chegado à pesquisa de cenários acidentais prospectivos, que levariam a várias hipóteses de possíveis acidentes, com suas causas, probabilidades e consequências, permitindo que uma série de providências de engenharia pudessem ter sido tomadas durante o projeto e mesmo durante a construção, em um programa de resposta aos riscos expostos.
Preliminarmente, as imagens mostram que a passarela da ciclovia é uma estrutura bastante leve, instalada sobre pilares que foram bem projetados, mas o mesmo não se pode dizer dos apoios da referida, sobre esses pilares.
Em passarelas, que vemos comumente sobre as rodovias e mesmo sobre algumas ruas, a solução comum de engenharia é que estas sejam depositadas sobre os pilares em apoios que evitam que elas deslizem transversalmente (lateralmente) a seus eixos. Teoricamente, o próprio peso da passarela garante que ela não se movimentará no sentido longitudinal. Quando existe este risco, um dos apoios é ancorado e o outro fica livre, exercendo apenas a função de suportar o peso e evitar movimentos laterais.
Ao que parece pelas imagens e salvo melhor juízo a passarela da ciclovia era apenas apoiada sobre os pilares e, por isso, sucumbiu às fortes ondas que a levantaram dos apoios.
A NR – 18 do Ministério do Trabalho e Emprego diz que “os apoios das extremidades das passarelas devem ultrapassar, no mínimo, de cada lado, 1/4 da largura total do vão, e deverão ser fixados de modo a garantir sua estabilidade”. Ressalta-se aqui a necessidade de estabilidade, o que se aplica à condições normais de operação ou à condições adversas. Há várias normas técnicas brasileiras e internacionais sobre como construir e o que deve ser observado.
As imagens também mostram que exatamente naquele trecho do costão da Niemeyer há algumas características que indicariam maiores cuidados: a existência de uma ponte rígida, construída há quase um século, com estrutura integramente em pedra, sempre assolada por ressacas, mas resistente; um acidente geológico nas pedras do costão que faz com que as fortes ondas ganhem velocidade sobre a pedra em dias de ressaca forte (como hoje) e invadam até a pista de circulação de veículos, sem contar a provável experiência de moradores do local. A pergunta agora é se isso foi estudado pelos projetistas e pelo consórcio de empreiteiras, que aliás, diga-se de passagem, são muito experientes em obras de encostas e com reputação bastante boa.
Quanto vai custar a perda de reputação das empresas e do próprio município?
Nos próximos dias a perícia do CREA RJ, Geo Rio e do Instituto Carlos Éboli devem se pronunciar sobre as causas do acidente e a possibilidade de erro de projeto, erro de construção, falha de materiais e outras hipóteses que estão sendo levantadas e devem ser tecnicamente investigadas.
Se a construção ainda não estivesse concluída, acredito que o acidente e suas consequências estariam completamente cobertas pelo seguro, desde que contratadas, além da cobertura básica de Riscos de Engenharia, as coberturas adicionais de Erro de Projetos (que garante os prejuízos indiretos causados pelo erro de projeto, abrangendo os custos de reposição, reparo, retificação, transportes e tributos), Responsabilidade Civil (que garante os danos materiais e/ou corporais causados a terceiros em decorrência dos trabalhos relacionados à obra civil ocorridos durante a vigência da apólice), Danos Morais (garante danos causados involuntariamente a terceiros em decorrência dos trabalhos relacionados à obra), Lucros Cessantes (que cobre as perdas financeiras e lucros cessantes causados a terceiros em decorrência dos trabalhos pertinentes à obra e ocorridas durante a vigência da apólice), Salvamento e Contenção de Sinistros (que garante as despesas com salvamento e contenção de sinistros decorrentes da cobertura básica). O problema é que a obra estava entregue e em operação.
Uma dúvida que poderia surgir é sobre a cobertura adicional de Obras Concluídas (que cobre danos físicos acidentais causados a parte da obra quando finalizadas e colocadas em uso para apoio ao projeto original ou uso exclusivo do segurado) que não seria o caso, já que a referida obra foi entregue a operação e considerada assim “totalmente” construída. Outra dúvida possível seria sobre a Cobertura Decenal que começa a ser comercializada no Brasil, mas ela se restringe a empreendimentos comerciais e residenciais, que também não é o caso.
Com isso resta saber se foi contratada a cobertura adicional de Manutenção Ampla (que garantiria os danos físicos acidentais aos bens segurados, ocorridos no período de 180 dias referentes ao período de manutenção). Não há dúvida em relação a Responsabilidade Civil de projetistas e empreiteiros, mas com a obra entregue, a cobertura de seguro quanto ao que as empresas vierem a ser obrigadas a indenizar ao município ou a terceiros estará em apólices, se contratadas, de seguros de Responsabilidade Civil das empresas (não as da obra em si) e/ou Responsabilidade Civil Profissional para Empresas de Engenharia, que muito poucas empreiteiras contratam, por falta de cultura de seguros.
Quero ressaltar aqui o papel das empresas, dos corretores de seguros, das seguradoras e do município:
- Cabe as empresas empreiteiras realizar o gerenciamento de riscos de seus projetos e obras. Não resta a menor dúvida;
- Os corretores de seguros, em que pese o que muitos erroneamente dizem por aí, são consultores técnicos sobre a transferência de riscos para seguros e sua função é apresentar às empresas as soluções de seguros para os riscos expostos. Não cabe a corretores de seguros “fazer” gerenciamento de riscos, pois isso não é de sua responsabilidade, ressaltando, no entanto, que podem “contribuir” com seu conhecimento e experiência se chamados durante o processo de gerenciamento de riscos dos projetos, como aliás prevê o PMBOK do PMI, quando fala de “ouvir a opinião de experts” durante os processos de identificação de riscos, análises qualitativas e quantitativas;
- Os subscritores de riscos das seguradoras geralmente estão presentes no processo de aceitação dos seguros, mas por conta da pressa, das pressões mercadológicas ou talvez por desconhecimento, deixam de detalhar os estudos dos riscos e sequer requisitam, por exemplo, relatórios de gestão de riscos dos projetos para entender, na visão de projetistas e empreiteiros, quais as principais fragilidades que foram observadas e como foram tratadas;
- Finalmente, cabe ao cliente estar ciente de tudo. Ele será “o dono do risco” assim que as obras estiverem entregues e nada mais natural que exercer seu direito de auditoria ao longo do processo, proteções legais contra erros e defeitos e responsabilização de quem de direito pelo que o empreendimento vier a causar em termos de acidentes com danos contra o patrimônio e pessoas.
Moro no Rio de Janeiro (entre idas e vindas) há cinquenta anos. Passo de automóvel pela Niemeyer desde que entendo por gente, sentado no banco de trás dos vários Volkswagen do meu pai e, mais tarde, ao volante. Aliás é o meu caminho preferido quando vendo da Barra da Tijuca para a Zona Sul. Ao saber que hoje, naquele mesmo local do acidente, um ônibus foi atingido por uma forte onda, tendo seus vidros quebrados, me veio à cabeça duas coisas: a primeira que a prefeitura deveria fechar a Niemeyer em períodos de forte ressaca, como aliás ressaltado pelo Moacyr Duarte, especialista em estudos de gerenciamento de riscos da Coppe-UFRJ nos seus depoimentos à TV. A mesma coisa deverá ser observada em relação a ciclovia, daqui para frente. A segunda, que o aquecimento global deve trazer mais e mais eventos impressionantes como esses para as áreas costeiras e que obras para amortecimento das ondas devem entrar no cronograma das cidades litorâneas como o Rio de Janeiro.
Uma preocupação adicional é que além das forças de deflexão e contraflecha advindas de ondas de baixo para cima, gerando curvatura na direção contrária à gravidade, com a qual se constrói a estrutura, levando até a ruptura da mesma se ancorada ou ao levantamento e desprendimento dos apoios, como ocorreu na ciclovia, qual o comportamento daquelas estruturas quando sujeitas à fortes ventos? Será que da mesma forma não se deveria pensar em interditar o acesso e o trânsito de pessoas e ciclistas?
Uma observação final é que perdemos 3 vidas. Pessoas que saíram de casa para aproveitar um espetacular dia de outono no Rio de Janeiro, caminhando ou pedalando por uma ciclovia com vistas espetaculares, que nada tinham a ver com tudo o que está acima registrado. Cabem as famílias as devidas indenizações.
Sergio Ricardo de Magalhães Souza – Mestre em Sistemas de Gestão – UFF/MSG, MBA em Sistemas de Gestão – UFF, Mestre em Engenharia Mecânica, COPPE-UFRJ. Engenheiro Mecânico – IME/UGF. Doutorando em Engenharia de Produção na UFF. Membro da ANSP – Academia Nacional de Seguros e Previdência e do CVG – Clube de Vida em Grupo RJ. Fundador do Grupo Seguros – Linkedin. Membro da ABGP – Academia Brasileira de Gestão de Projetos e do PMI Project Management Institute. Fellow at The Professional Risk Managers International Association (PRMIA) International Association of Risk and Compliance Professionals (IARCP). Membro do NFPA National Fire Protection Association. Membro da UBQ – União Brasileira da Qualidade – RJ. Colunista da Revista Venda Mais e do Portal CQCS. Coordenador Acadêmico do MBA em Gerência de Riscos – UFF/ESNS. Coordenador Acadêmico do MBA Executivo em Seguros e Resseguro da ESNS. Coordenador Acadêmico do MBA Gerência de Riscos da ESNS. Coordenador Acadêmico do MBA Gestão de Performance – FUNCEFET, Coordenador do MBA Saúde Suplementar na UCP/IPETEC. Ex-coordenador do MBA Seguros Gestão Estratégica – UVA. Professor dos programas de Pós-Graduação da ESNS, UFF, FGV, IBMEC, FUNCEFET, IPETEC UCP, UVA, CEPERJ, ECEMAR, ESTÁCIO DE SÁ, TREVISAN, IBP – Instituto Brasileiro do Petróleo, CBV – Confederação Brasileira de Voleibol. Executivo do Mercado de Seguros com mais de 20 anos de experiência. Sócio-Diretor da Gravitas AP – Consultoria e Treinamento, especializada gerenciamento de riscos, seguros e resseguro. e-mail: [email protected]
Fonte: http://www.cqcs.com.br
Blog do Florisvaldo – Informação Com Imparcialidade – 22/04/2016