Hadley Vlahos – defende que a morte pode ser menos assustadora quando nos informamos e que os pacientes precisam poder falar sobre ela – Foto: Divulgação
Ninguém quer falar sobre isso. Ninguém quer pensar nisso. E, no entanto, é a única certeza absoluta que todos nós temos: a morte. Para a enfermeira de cuidados paliativos americana Hadley Vlahos, a chegada da nossa hora só fica menos aterrorizante quando nos educamos sobre ela.
Em seu livro “Entre a vida e o depois” (Editora Sextante), Vlahos conta a história de pacientes, essencialmente o fim delas, e mostra que essa partida também pode ser um momento de amor e paz. Familiares que vêm nos buscar, animais que entendem o que acontece, a ausência de energia no corpo no leito de morte, tudo pode ser triste e bonito ao mesmo tempo. E, quem sabe, menos apavorante.
Assim, é preciso dar ouvidos aqueles que estão no fim da vida. Como querem morrer, como se sentem, qual legado querem proteger. Fugir da morte sim, mas do assunto talvez não.
Cuidados paliativos ainda são um assunto evitado. Você acha que é desinformação ou o tabu em torno da morte?
Eu acho que é o tabu, porque as pessoas têm medo. Talvez seja aquilo de “longe dos olhos, longe do coração”, se eu não pensar sobre isso, não preciso ter medo. Mas, na realidade, se você se educar sobre a morte, fica menos assustador. Isso é importante. Muita gente quando ouve o que eu faço diz: “Ah, isso é triste” e quer mudar de assunto. Mas a morte não é algo que possamos evitar. É a única coisa que temos certeza que vai acontecer. E, então, se você entra em cuidados paliativos ou tem uma doença terminal, ter isso resolvido devolve seu poder, você pode decidir se quer morrer em casa, se quer ficar sem dor, ou seja lá o que for. E vejo muita beleza nisso.
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Você acha que as pessoas estão despreparadas para quando chega a hora? O que deveriam pensar, decidir ou conversar com a família?
Sabe, aos 32 anos eu já pensei sobre quando eu estiver no meu próprio leito de morte um dia, como eu quero que seja, o que espero ter alcançado. Acho que começar a ter essas discussões é muito importante, especialmente em relação ao medo da morte. Vou dar um exemplo: eu tinha uma paciente jovem, na casa dos 50 anos, e um câncer terminal. E uma amiga foi visitá-la. Ela começou a tentar conversar com a amiga sobre sua morte e o que queria que fosse feito depois. E a amiga dizia: “Não precisamos falar sobre isso”. Com amor e boas intenções, mas dizendo “não vamos falar sobre isso”, “você é forte”, “é uma guerreira”, esse tipo de coisa. Mais tarde, eu conversei com a paciente e ela me explicou que queria falar sobre o legado que ia deixar.
Deve ser solitário enfrentar algo sobre o qual não se consegue conversar.
Sim, com certeza. Então, eu sempre incentivo familiares e amigos a dar espaço para os pacientes falarem sobre a morte, ainda que seja desconfortável.
A tendência é dizer que vai ficar tudo bem, que a pessoa vai sobreviver. Mas em determinada circunstância, isso deixa de ajudar, certo?
Exato, não ajuda nada. Principalmente quando alguém chega ao ponto de precisar de cuidados paliativos, de desistir de tratamentos, como quimioterapia, ir ao pronto-socorro, coisas assim. Quer dizer, a pessoa toma a decisão consciente de que quer assumir o controle da própria morte e decidir como vai ser. É surpreendente ver pessoas dizendo “você vai superar”. Sempre que possível, precisamos aceitar os fatos e, em vez de falar em superar, propor “vamos reviver algumas memórias felizes juntos?”. Lembro-me do caso de uma avó que tive que conversar com os parentes e dizer que ela estava preocupada com a família depois que partisse, porque ela era a grande matriarca, sabe? A filha foi muito receptiva, disse que realmente não tinha pensado dessa forma, envolvida em sua própria dor de perder a mãe. Mas aí ela conversou com a senhora e prometeu continuar com os Natais em família, essas coisas. Pude sentir como isso tirou um peso de cima da paciente.
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No seu livro, diversas vezes você relata pacientes que viam um parente próximo já falecido no final da vida. Você vê isso como algo espiritual ou poderia haver alguma explicação neurológica?
Eu, pessoalmente, acredito que é espiritual, por tudo o que vivenciei. Independentemente de crenças espirituais, religiosas, ou mesmo nenhuma crença, eu vejo pacientes dizendo as mesmas coisas sobre esses familiares que vêm buscá-los. Isso sempre acontece. E eles estão sempre calmos, em paz e felizes, e é por isso que acredito que não seja uma alucinação, porque alucinações podem ser assustadoras, já vi. Mas, nesses casos, são sempre familiares e amigos trazendo uma sensação de paz e calma. Nunca vi ninguém com medo dessa situação. E os pacientes usam a mesma terminologia, sobre precisar arrumar as coisas para uma viagem ou que estão prestes a ir a algum lugar. Mas, ao mesmo tempo, se isso for algo que nosso cérebro faz no fim de nossas vidas, também me sinto confortada por saber que meu cérebro me consola no fim. Se estarei com pessoas que amo na minha própria mente, serei feliz.
E para você como é?
Às vezes eles nem me dizem, e tenho que juntar as peças. O melhor exemplo que posso dar é que se você e eu estivermos em uma sala conversando uma com a outra, e outra pessoa entrar, eu não preciso dizer à outra pessoa que está entrando que você está na sala. É assim, eu apenas os vejo conversando com alguém. Aí pergunto, “você está falando com alguém”? E eles explicam que sim e quem está ali e eles também falam comigo, o que eu acho interessante. Eu não consigo ver aquela pessoa ali, mas eles conseguem, e o parente também consegue me ver.
Você acha que eles entendem o que significa essa “viagem” que estão prestes a fazer?
Alguns entendem, outros não. Acho que esses pacientes estão com um pé no outro mundo, um pé no nosso. Então, estão meio que passando por um período intermediário, dormindo até 20 horas por dia. E então, quando estão acordados, às vezes estão conversando com esses entes queridos que já faleceram e também conversam conosco. Então, alguns parecem entender e aceitar isso. E outros eu realmente não consigo dizer se têm consciência do que significa.
Você conta a história de um homem que morre com o cachorro no colo. Você acha que cães e gatos conseguem entender o que está acontecendo, se a pessoa vai morrer ou já morreu?
Tenho 100% de certeza de que conseguem. Tinha um paciente que eu conhecia bem, já o atendia havia seis meses e naquele momento estava vendo-o todos os dias. E a esposa contou que todos estavam dormindo, aí ela verificou o paciente e ele estava respirando. Cinco minutos depois o cachorro começou a latir como um louco. Ela foi ver o marido e ele tinha morrido. E o cachorro era tão quieto que eu nem sabia que eles tinham um!
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Você diz que mesmo à distância, sem fazer os exames, podia sentir se a pessoa havia morrido ou não. Como é isso? Como saber que alguém não está mais lá?
É difícil explicar. Acho que o melhor jeito é o que eu sempre observei (e o motivo pelo qual também acredito que há algum tipo de espiritualidade): no final da vida as pessoas podem ter até um minuto entre as respirações. E, claro, nunca se sabe quando é o último suspiro até que o próximo não venha. Mas todas as vezes em que estive nesses momentos, o familiar sabe antes e começa a chorar. Todos sentem o momento. Acho que energia é a melhor maneira de descrever. Não é algo ruim. É a falta de uma energia. Você consegue perceber quando olha para alguém que a pessoa não está mais lá. É bem óbvio, mesmo que pareça a mesma de sempre.
Que tipo de paciente tem mais dificuldade de encarar a morte?
Honestamente, é aquele cuja família aceita ou não. Geralmente, para pessoas mais velhas costuma ser um pouco mais fácil para a família. É mais difícil quando falamos de pessoas mais jovens e, claro, adolescentes, crianças, aí família é muito resistente. Ou, quando, após tratamentos, o paciente decide pelos cuidados paliativos, mas os familiares não concordam. Nessas situações eu sinto que é mais difícil para todos.
Depois de todo esse tempo, você ficou com mais medo ou menos medo da morte?
Eu não tenho medo de morrer. Mas já tive muito, especialmente quando trabalhei na emergência. Fui estagiária antes de me tornar enfermeira. E era aterrorizante. Para ser sincera, aquilo me deixou com muito medo. É bom saber que existe outro jeito para a morte. Espero estar em cuidados paliativos quando chegar minha hora. Eu pude ver como a morte pode ser tranquila.
Existe alguma maneira de tornar a morte menos assustadora?
O medo do desconhecido pode ser muito grande. Nosso cérebro pode ir automaticamente para a pior situação possível. Tipo, morrer em um ataque de tubarão ou algo assim horrível, mas, na realidade, a grande maioria de nós vai morrer em uma situação de cuidados paliativos, em que sua dor será controlada, você pode ficar confortável e pode estar onde quiser. Não é realmente assustador se você se informar e refletir sobre isso.
Você ainda chora quando perde um paciente?
Sim, mas não com tanta frequência. Não porque eu tenha ganhado distanciamento, mas porque agora sinto que os verei novamente um dia. Então, parece um pouco menos definitivo.
Fonte: https://oglobo.globo.com – Por Constança Tatsch – São Paulo
Blog do Florisvaldo – Informação Com Imparcialidade
1 comentário
Não conheço conheço casos específicos sobre o assunto. No entanto, sei que existem diversas crenças e relatos sobre experiências de quase-morte ou fenômenos paranormais que podem envolver a presença de entes queridos ou figuras espirituais.