Quantos anos eu tenho? Tenho a idade das incertezas, das lonjuras, das linhas dos pés que o tempo e as andanças apagaram. Idade não se conta no calendário. Se conta nas marcas que juntamos, nas lembranças e na saudade que guardamos no peito. Eu tenho para mim que idade é coisa que não existe fora do corpo da gente. Cada um tem a idade que quis, que quer – falo da idade interna, não da idade aparente, ou da idade cronológica -. Cem anos pode ser um dia, para quem nada tem para contar. Para quem não saiu do lugar onde a cabeça sempre esteve. Idade a gente busca. E eu fui pra bem longe buscar a minha. Andei tanto que meus cabelos viraram nuvens e meus pés ganharam outra pele, uma casca grossa, onde se escondem caminhos e descaminhos, rios, amores, chegadas, partidas, cheiro de mato, gotas de rio, seixos, marcas de pedra, encontros e desencontros. Mas isso tudo não fica apenas na sola dos pés, ganha o corpo todo, vai tomando a gente, e é isso tudo que me diz quantos anos eu tenho. Por exemplo, amor mal resolvido, mal correspondido, nos deixa mais velho, com rugas mal talhadas no corpo e na alma. Quem ama mal, envelhece mal, envelhece feio. E o tempo que guarda tudo na gente, guarda coisas boas e ruins, e as ruins desmantelam a alma, aumentam o que se chama de idade, de forma negativa, porque choro de dor colocada na gente não cessa, vai e volta, e um dia, lá longe, quando você pensa que já tem a idade de não chorar mais, o choro volta. História é um troço que só é bom quando se vive de verdade, e história de amor se não for boa, é melhor nem começar, porque ela atravanca a vida, tinge os cabelos mais cedo. Eu tenho para mim que minha idade está só começando. Menino não tem idade, jovem não tem idade… A idade começa quando a gente descobre que terminou o riso da infância, da juventude e, que, agora, riso e dor irão se confundir. Quando a gente descobre que algumas coisas na vida doem para sempre. Mas o segredo é não perder o contato com aquele menino que um dia teve o riso fácil, que acreditou que a vida nunca terminava. Quando se perde o contato com esse menino, o fio que a gente traz de dentro da mãe, que é o fio que nos liga ao divino, é rompido, a gente fica com o choro maior, como se não tivesse causa. E todo choro, todo riso, depois que se vai avançando no caminho, a gente descobre que tem causa. Os versos de Dercio Marques definem bem isso:
“O menino quis ser peixe/E correu à beira do mar/ Pôs os pés dentro d`água/ mas não pôde ser peixe/ O menino quis ser nuvem/ E seus olhos o céu levou/ Voava nuvem no ar/ Mas o menino não voou/ E o menino quis ser homem/ E forte compôs sua voz/ Mas o mundo era tão seu/ Que o menino, assim menino cresceu/ E foram passando os anos/ E o menino então se fez homem e andou pelo mundo/ Juntando desespero e dor/ E o homem quis ser menino,/ Quis ser nuvem, quis ser peixe/ Mas a praia era de angustia e as nuvens passaram longe/ E vai o homem pelo mundo com razão ou sem razão /E leva um menino frustrado gemendo em seu coração”.
Um dia um menino amarrou um cordão lá onde nasceu e saiu puxando. Onde parava, onde vivia uma história, onde ria ou chorava, marcava o cordão com um nó e seguia em frente. Andou, andou, e quando resolveu voltar já era quase leveza, quase nuvem, quase fim. Voltou enrolando o cordão em sua bengala e, em cada nó, ele revisitava o que vivera. Alguns nós lhe doeram mais do que outros… Tentou desamarrar esses que doíam mais, mas não teve jeito. Esses nós que a gente dá nesse cordão, ao longo da vida, não se desatam. O cordão que nos leva e nos traz de volta, vai continuar marcado por esses nós que ficam para sempre. O importante é não deixar esse cordão romper e perder o caminho que nos leva para o lugar de que saímos, lá, onde nosso menino nos espera.
Idade eu não tenho, tenho um cordão que ainda puxo, para logo, logo, fazer o caminho de volta, e aí saber se tudo que vivi diz da idade que o calendário me apresenta.
Blog do Florisvaldo – Informação Com Imparcialidade – 02/08/2018