Marca da política externa e comercial chinesa já conta com cerca de 150 nações. Governo brasileiro levou em conta relação com os EUA – Política externa e comercial chinesa já conta com cerca de 150 nações – Foto: Freepik
Após a visita oficial a Brasília do presidente da China, Xi Jinping, ter terminado sem adesão formal do Brasil à Iniciativa Cinturão e Rota (BRI, na sigla em inglês), foi reaberta uma discussão que se arrasta há alguns anos: o país deveria ou não aderir ao programa chinês de investimentos no exterior? Afinal, já foram investidos mais de US$ 1 trilhão. E o Brasil tem, ao mesmo tempo, infraestrutura carente e escassez de recursos para investir.
Nos bastidores, a diplomacia brasileira sugeriu cautela, diante do risco de uma adesão pegar mal com aliados ocidentais, sobretudo os EUA, enquanto analistas reconheceram que, mesmo fora da BRI, o Brasil recebe investimentos bilionários do gigante asiático.
Outros especialistas ouvidos pelo GLOBO explicaram que as parcerias no âmbito do programa têm nuances e seria possível ganhar com a adesão.
A BRI foi lançada em 2013, início do mandato de Xi. É a principal marca da política externa e comercial da China. O nome do programa é a abreviação de outras iniciativas – Cinturão Econômico da Rota da Seda e Rota da Seda Marítima do Século XXI.
A referência é a Rota da Seda, como ficaram conhecidas as estradas que, há cerca de 2 mil anos, conectavam o Império Romano à China – o tecido valorizado foi inventado pelos chineses e atraiu o desejo dos europeus quando chegou por lá.
O governo chinês não divulga números oficiais consolidados, mas, segundo o Centro de Finanças Verdes e Desenvolvimento da Universidade Fudan, em Xangai, de 146 a 151 países, dependendo do estágio do processo de adesão, já fazem parte. Segundo o Monitor do Investimento Global da China, do Instituto da Empresa Americana, o programa já investiu US$ 1,029 trilhão.
O lançamento e o crescimento da BRI devem ser entendidos no contexto do processo de desenvolvimento econômico e projeção geopolítica da China, disse Larissa Wachholz, sócia da consultoria Vallya Participações e pesquisadora do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), que é especialista nas relações sino-brasileiras. No processo, que ocorreu nas economias hoje ricas, investir no exterior é uma etapa.
No caso da China, o crescimento econômico dos últimos 40 anos teve como motores a construção de infraestrutura e a produção manufatureira para exportação. Hoje, a China é a fábrica do mundo, tem procurado posicionar sua produção no sentido da alta tecnologia, mas segue de olho na demanda externa.
Na infraestrutura, após construir rodovias, ferrovias, trens de alta velocidade, metrôs, portos e aeroportos, primeiro no território chinês, chega o momento em que é preciso buscar demanda no exterior.
– Chega um ponto em que a economia é muito grande, e as empresas de um país buscam contratos no exterior – disse Larissa.
Abertura de mercados
Assim, a BRI serve, inicialmente, para fomentar e abrir mercados a operadoras e construtoras chinesas de infraestrutura. E faz sentido que as operações sejam voltadas para conectar logisticamente a China a outros países – como a Rota da Seda da Antiguidade fazia -, facilitando o escoamento da produção industrial chinesa, motor da economia.
Um exemplo da BRI é a construção do Porto de Chancay, no Peru. Antes de vir ao Brasil para a cúpula do G20, no Rio, e da visita a Brasília, Xi passou por lá para inaugurar o terminal, que permitirá a conexão da América do Sul com a China, via Pacífico, em 23 dias e a um custo 20% menor, segundo a agência de notícias Xinhua.
O projeto é da chinesa Cosco, gigante do transporte marítimo, e já recebeu US$ 1,3 bilhão de um total de US$ 3,5 bilhões de investimentos.
Nos cerca de 150 integrantes da BRI, estão praticamente todos os países da América do Sul – só Brasil, Colômbia e Paraguai (este último não tem relação diplomática com a China) estão de fora. A Índia está de fora, mas tem fronteira com a China e as relações têm tensões específicas, disse Larissa.
Embora os países mais ricos, em geral, estejam de fora, 17 membros da União Europeia fazem parte, como Portugal e Luxemburgo, segundo a Universidade Fudan. A Itália chegou a aderir, mas deixou a iniciativa em 2023.
Contenção em todas as frentes
Isso deve ser entendido no contexto geopolítico, segundo Evandro Carvalho, especialista nas relações Brasil-China, professor da FGV Direito Rio e da UFF. É normal as potências vigentes resistirem à ascensão de mais um país no clube dos grandes.
– Parece que os EUA adotam política de contenção econômica da China em todas as frentes – disse Carvalho.
Apesar da postura diplomática e comercial dos EUA, o professor viu com desconfiança a argumentação da diplomacia brasileira, de que foi melhor não aderir à BRI para evitar indisposição com americanos.
Se o objetivo maior da política externa do Brasil fosse esse, não deveria dar aval à ampliação do Brics, com direito à adesão do Irã, o que tende a ser visto como mais grave do que aderir ao programa chinês.
Programa é flexível
Tanto Carvalho quanto Larissa, do Cebri, ressaltaram uma característica da BRI: a flexibilidade. O programa abrange um largo espectro de projetos, de infraestrutura tecnológica à saúde. E o tipo de acordo que cada país firma com a China costuma variar.
Para Larissa, o resultado de uma eventual adesão à BRI dependeria dos termos dessa entrada e de que projetos seriam financiados. Aderir, por si só, não seria garantia de resultado positivo.
Já Carvalho considera um erro olhar para a BRI apenas pela ótica do financiamento à infraestrutura. Para ele, o Brasil poderia atuar como coordenador regional, na América do Sul ou na comunidade de países de língua portuguesa, dos investimentos chineses:
– Perdeu-se uma oportunidade de o Brasil abrir um ramo na política externa, para projetar o interesse brasileiro no cenário internacional.
Fonte: https://oglobo.globo.com – Por Vinicius Neder – Rio
Blog do Florisvaldo – Informação Com Imparcialidade