Pobreza e a extrema pobreza no Brasil registraram em 2023 os menores índices da série histórica, iniciada em 2012 – Segundo o IBGE, crescimento da renda do trabalho impulsionada pelo mercado aquecido beneficiou principalmente os grupos com rendimento mais altos – Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo
A pobreza e a extrema pobreza no Brasil registraram em 2023 os menores índices da série histórica, iniciada em 2012. Pela primeira vez, a miséria ficou abaixo de 5%, caindo para 4,4%, o que representa 9,5 milhões de pessoas.
Além disso, 8,7 milhões de brasileiros saíram da condição de pobreza, reduzindo esse contingente para 59 milhões, o menor número registrado em mais de uma década. As informações constam na Síntese de Indicadores Sociais, estudo divulgado pelo IBGE.
Pelos cálculos do economista Marcelo Neri, diretor do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV Social), a miséria e a pobreza estão no menor patamar em toda a História do Brasil. Neri mensura esses indicadores a partir dos dados disponíveis desde 1976, considerando a linha de R$ 307 por pessoa para definir o limite da extrema pobreza.
Pelos cálculos do economista Marcelo Neri, diretor do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV Social), a miséria e a pobreza estão no menor patamar em toda a História do Brasil. Neri mensura esses indicadores a partir dos dados disponíveis desde 1976, considerando a linha de R$ 307 por pessoa para definir o limite da extrema pobreza.
No entanto, a alta desigualdade que marca a sociedade brasileira não se alterou. O índice de Gini – indicador que mede a desigualdade de renda, varia de zero a 1 e, quanto maior, pior – se manteve estacionado em 0,518 entre 2022 e 2023.
Num ano em que a economia brasileira cresceu 3,2%, o desemprego caiu e houve uma expansão do pagamento de benefícios sociais, com a manutenção do valor do Bolsa Família – antes chamado Auxílio Brasil – em R$ 600, a desigualdade de renda no Brasil, que é uma das maiores do mundo, não recuou.
Segundo o IBGE, a estabilidade pode ser atribuída justamente ao crescimento da renda do trabalho impulsionada pelo mercado aquecido, que beneficiou principalmente os grupos com rendimentos mais elevados, já que eles dependem mais de salários. Ou seja, os ganhos do mercado de trabalho não foram apropriados pelos mais vulneráveis.
Marcelo Neri, economista da FGV – Foto: Custódio Coimbra
Assistência social fez diferença
Por outro lado, os efeitos dos benefícios de programas sociais impediram um aumento da desigualdade.
– É difícil entender essa estabilidade na desigualdade, pois houve alta maior no salário dos menos qualificados. Pode estar ligado a outros componentes da renda, como lucro, juros, aluguéis – afirma Naercio Menezes Filho, professor do Insper.
O IBGE estima que a desigualdade teria aumentado em 7,2% em 2023 sem os benefícios do governo. O índice de Gini, que mede essa disparidade, subiria de 0,548 para 0,555. As regiões Norte e Nordeste seriam as mais impactadas pela falta dos programas, com a desigualdade chegando a 12,9% e 16,8%, respectivamente.
Apesar de o índice de Gini estar em seu menor valor desde o início da série, em 2012, o Brasil continua a ser um dos países mais desiguais. Entre 22 nações, o Brasil é o segundo mais desigual – só perde para a Colômbia, com índice de 0,548.
À exceção do vizinho latino-americano, nenhum chega à marca de 0,5. Entre os países com os menores índices de Gini estão Suécia e Irlanda, com valores próximos a 0,3.
Programas sociais atenuam pobreza extrema
A expansão dos programas sociais, principalmente do Bolsa Família, ajudou a reduzir a miséria, chamada de pobreza extrema, de 5,9% para 4,4% entre 2022 e 2023, segundo o IBGE. Em outras palavras, significa que, de 12,6 milhões de pessoas, 3,1 milhões saíram da miséria em um ano.
O movimento de queda no indicador começou em 2022. No fim daquele ano, às vésperas das eleições, o ex-presidente Jair Bolsonaro elevou o valor do então Auxílio Brasil para R$ 600, com previsão de que o benefício voltaria a ser de R$ 400 em 2023.
Mas, em janeiro, o presidente recém-eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, manteve o valor em R$ 600 e voltou ao nome Bolsa Família. Não por acaso a pobreza, que historicamente cai em anos eleitorais no país, continuou a cair no ano passado.
– É quase como se fosse um segundo ano eleitoral. Foi uma expansão típica de ano de eleição – avalia Neri.
Apesar da melhora dos indicadores, o país ainda tem 9,5 milhões de brasileiros vivendo em condições extremamente precárias, com renda abaixo de R$ 209 por mês ou US$ 2,15 por pessoa por dia, linha internacional usada para medir a pobreza extrema.
Já a linha internacional que é parâmetro para a pobreza considera quem tem renda per capita de até US$ 6,85 por dia — no caso do Brasil, o equivalente a R$ 665 por mês.
Emprego ajudou
O IBGE considera que a redução da pobreza ocorreu pela melhora do mercado de trabalho. Já a diminuição da extrema pobreza só foi possível graças ao fortalecimento dos programas sociais – para os mais vulneráveis, o Bolsa Família tem efeito maior.
Numa simulação sem a presença dos benefícios sociais, a pobreza continuaria a cair devido à expansão do emprego, mas a extrema pobreza teria aumentado em 2023 sem o apoio das políticas de assistência social.
– O dinamismo do mercado de trabalho é mais importante para a redução da pobreza, e o pagamento dos benefícios sociais para a da extrema pobreza – resume André Simões, analista do IBGE.
Bolsa Família como renda principal
Claudia Campos de Lima, de 45 anos, vive em uma casa de difícil acesso na comunidade de Vila Ruth, em São João de Meriti, na Baixada Fluminense, com quatro dos oito filhos: Katarina, de 18 anos, Cassiano, de 16, Kalebe, de 13, e Josias Gabriel, de 9.
A principal fonte de renda da família é o Bolsa Família. Com o reajuste do programa social, em 2023, a mãe solo recebe R$ 800 por mês (R$ 600 do piso, mais R$ 50 por filho).
– É mais do que eu recebia lá no início, mas ainda não é o suficiente. Tenho que fazer uns bicos de faxineira e feirante, quando aparece alguma oportunidade. Tudo muito incerto – diz Claudia.
Período atípico
Para especialistas, o Brasil experimentou entre 2022 e 2024 um período atípico de três anos seguidos de avanços sociais e econômicos. No entanto, repetir esse bom resultado e sustentar a tendência de queda será desafiador a partir do ano que vem, avalia Neri.
O pesquisador ressalta que o cenário macroeconômico de 2025 é mais difícil, com alta do dólar, preços internacionais e de alimentos subindo. No ambiente doméstico, ainda há incerteza em relação ao pacote de corte de gastos.
Daniel Duque, pesquisador da FGV, prevê que no próximo ano, os percentuais de miséria e pobreza devem ficar estacionados ou até registrar alguma alta.
– Mesmo o mercado de trabalho deve melhorar pouco, já que estamos praticamente em pleno emprego. Não vai ter reajuste no Bolsa Família, o que come o poder de compra do benefício com a inflação. Precisaria de uma economia mais forte para compensar esse aperto fiscal – diz Duque.
Segundo Neri, 2023 foi um ano excepcional em que a renda do trabalho cresceu 10% – o melhor desempenho desde o Plano Real, em 1994, ressalta ele. O ganho ajuda a explicar boa parte da redução da pobreza.
Para Francisco Menezes, assessor de Políticas da ActionAid, o Brasil deve sair do mapa da fome, diante da queda da miséria e pobreza nos últimos anos. Ele lembra que o governo acrescentou ao Bolsa Família transferência para crianças e adolescentes e mães sozinhas, que teve peso nessa redução. Mas como a avaliação anual é feita com base nos últimos três anos, o próximo resultado divulgado em 2025 vai levar em conta 2022, 2023 e 2024. E o ano de 2022 ainda apresentava índices altos, diz Menezes.
– Existe uma correlação direta entre extrema pobreza e fome e entre pobreza e insegurança alimentar. A situação foi muito boa em 2023, com aumento de 36% no per capita da alimentação escolar, depois de cinco anos sem correção. Mas esse ano, não fizemos e nem devemos reajustar no ano que vem. Aí começa novamente a cair a qualidade no fornecimento dos alimentos que é tão crucial no enfrentamento da fome.
Lucas Assis, economista da Tendências Consultoria que acompanha o movimento das classes de renda, cita também a redução da fila na Previdência Social como um dos fatores a reduzir a pobreza.
– Houve um esforço no fim de 2022 para reduzir a fila da Previdência Social, o que aumentou o número de beneficiários que também ganharam com o aumento do piso salarial (cerca de metade das aposentadorias e pensões é de um salário mínimo). Os ganhos dos trabalhadores informais também costumam seguir o mínimo. O piso teve dois aumentos em 2023 _ lembra o economista.
Essa conjuntura num ano em que a economia cresceu 3,2% ajudou na mobilidade social, mas houve uma migração mais lenta dos domicílios das classes de renda mais baixa, D e E, com renda domiciliar de até R$ 3,3 mil. Elas representavam 53,1% em 2022, caindo para 50,4% em 2023.
– De modo geral, a migração da base da pirâmide para classes mais altas vem num ritmo bem lento. Esperamos uma melhora do quadro, mas não o suficiente para garantir a reversão necessária para reduzir significativamente a quantidade de pessoas abaixo da linha da pobreza.
O Brasil registrou, no ano passado, o menor número de jovens entre 15 e 29 anos que não estudam nem trabalham (os chamados “nem-nem”) desde o início da série histórica, em 2012. São 10,3 milhões de brasileiros nessa situação, o equivalente a 21,2% da população dessa faixa etária, segundo dados da Síntese de Indicadores Sociais divulgada pelo IBGE ontem. Em 2022, representam 22,3%.
Segundo o instituto, o aquecimento do mercado de trabalho e o aumento do número de jovens nas escolas no período pós-pandemia ajudam a explicar boa parte do resultado. Há também efeito de mudanças demográficas. Diminuiu a parcela de jovens na composição da população brasileira.
– Aqueles que têm oportunidade tanto de trabalhar quanto de acessar o sistema de ensino não ficam sem estudar – explica Denise Freire, analista da pesquisa.
O mecânico Kauã Nascimento, de 21 anos, morador da comunidade Dois Irmãos, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, voltou a trabalhar com carteira assinada há dois meses após ficar três meses somente fazendo trabalhos temporários como entregas de moto e ajudante de pedreiro:
– Voltei a trabalhar de carteira assinada há dois meses, numa mecânica em Jardim Gramacho. Estou mais tranquilo agora. (Consertar automóveis) foi o que aprendi a fazer desde os meus 15 anos e estava difícil viver de bicos.
Alta entre os mais pobres
Nos domicílios mais pobres, ou seja, entre os 10% com as menores rendas, quase metade dos jovens (49,3%) ainda estava fora do mercado de trabalho e de instituições de ensino no ano passado. O número é 7,5 vezes o observado nos lares do topo da distribuição de renda. Entre os 10% mais ricos, a taxa é de apenas 6,6%. Essa desigualdade aumentou em relação a 2022, quando a diferença era de sete vezes.
O estudo aponta que as taxas de nem-nem aumentaram entre os mais pobres enquanto houve redução entre jovens das classes médias. Se comparar com 2012, a taxa de nem-nem aumentou entre os mais pobres de 42,1% para 49,3%.
Naercio Menezes Filho, do Insper, diz que a situação só vai melhorar para esses jovens de forma significativa quando houver uma melhoria na qualidade da educação, com aumento da produtividade:
– Esse é um problema estrutural entre os mais jovens, especialmente os menos escolarizados. Eles não têm perspectiva de trabalho formal, de concluir os estudos e ir para faculdade. A qualidade do ensino público é muito baixa, não houve investimento na primeira infância. Vão para o emprego informal, entregando alimentação, depois caem no desemprego e na inatividade. Numa conjuntura pior, esse número de nem-nem volta a aumentar.
Mais telefone, menos geladeira
A Síntese dos Indicadores Sociais, do IBGE, avaliou a presença de bens nos lares. O telefone fixo ou celular é encontrado em 98,2% dos domicílios, um sinal de que o item está quase universalizado. Nas famílias pobres e extremamente pobres, o telefone já tem prevalência maior do que a geladeira.
Cerca de 97,1% das pessoas em situação de pobreza (com renda por pessoa abaixo de US$ 6,85 por dia) moravam em domicílios com ao menos um telefone em casa. Nesses lares, 96,5% tinham geladeira. Entre a população extremamente pobre (com renda per capita abaixo de US$ 2,15 por dia), o percentual era de 94,2%. Nestes lares, 92,9% tinham geladeira.
– O celular acabou se tornando um bem essencial para a comunicação e as pessoas priorizam, em algum sentido, a sua propriedade. Para algumas pessoas, é até diretamente um instrumento de trabalho. E para outras, é essencial para que se busque um trabalho – diz Bruno Perez, analista do IBGE.
O analista acrescenta que, mesmo que o celular não tenha acesso direto à internet, permite que a pessoa se conecte às redes sociais ao usar um Wi-Fi público, por exemplo.
Perez diz, por outro lado, que a proporção de lares com telefone pode levar a uma interpretação equivocada, já que, para se enquadrar na pesquisa, basta que haja um dispositivo do tipo em casa. Ou seja, várias pessoas podem compartilhar um aparelho.
Internet chega a mais de 90%, mas também é desigual
Nove em cada dez brasileiros (92,9%) têm acesso à internet em casa. Os números representam avanço de 24,3 pontos percentuais em sete anos. Em 2016, eram sete em cada dez (68,9%).
A evolução do acesso à internet em casa foi maior entre a população de menor renda. O percentual de acesso passou de 34,7% em 2016 para 81,8% em 2023 na população extremamente pobre (com renda per capita abaixo de R$ 209 por mês). Entre os pobres (que vivem com renda mensal de até R$ 665), o acesso domiciliar à internet saltou de 50,7% para 81,8%.
Apesar da ampliação do acesso à internet, os mais pobres ainda estão menos conectados. Quase um quinto (18,2%) da população extremamente pobre não tem condições de acessar a internet em casa – mais do que o dobro do verificado no conjunto da população brasileira (7,1%).
Em termos absolutos, eram 15,2 milhões de brasileiros que viviam desconectados no ano passado. Desse total, 1,7 milhão (11,3%) estava abaixo da linha de extrema pobreza. Outros 4,9 milhões (32,3%) estavam abaixo da linha de pobreza, mas fora da faixa de extrema pobreza.
Fonte: https://oglobo.globo.com – Por: Carolina Nalin, Cássia Almeida e Henrique Barbi – Rio de Janeiro
Blog do Florisvaldo – Informação Com Imparcialidade
1 comentário
Em 2023, o Brasil registrou os menores índices de pobreza e extrema pobreza desde o início da série histórica, destacando-se a redução da miséria para 4,4%, beneficiando cerca de 3,1 milhões de pessoas. Esse resultado foi impulsionado por um conjunto de fatores, incluindo o aquecimento do mercado de trabalho e, principalmente, o fortalecimento dos programas sociais, como o Bolsa Família. Vale destacar que o valor do auxílio social foi elevado durante o governo de Jair Bolsonaro, que, no fim de 2022, implementou o aumento do Auxílio Brasil para R$ 600,00, um patamar significativamente superior ao valor anterior, que era bem mais baixo. Esse aumento foi fundamental para o movimento de queda da pobreza extrema, que começou em 2022, mas também se beneficiou de uma expansão considerável nos meses finais daquele ano.
Apesar da redução nos índices de pobreza, a desigualdade de renda, medida pelo índice de Gini, manteve-se elevada e estável, refletindo uma estrutura de distribuição de renda que favoreceu os grupos de maior rendimento. A elevação da renda do trabalho beneficiou principalmente as classes mais altas, o que não foi suficiente para reduzir as disparidades entre as diferentes camadas da população.
Embora o aumento do valor do auxílio social tenha sido um fator relevante para a redução da pobreza extrema, a desigualdade no Brasil permanece uma questão estrutural, exigindo mais do que programas assistenciais. A sustentabilidade desses avanços dependerá de políticas públicas que promovam a redistribuição da renda e investimentos em áreas como a educação, que é fundamental para combater as desigualdades de forma duradoura.
Portanto, a queda na pobreza é uma conquista importante, mas a verdadeira mudança para uma sociedade mais equitativa dependerá de uma abordagem mais abrangente que, além de fortalecer os programas sociais, invista no empoderamento dos mais vulneráveis e na melhoria da qualidade de vida para todos.