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Cristy estava no início dos seus 50 anos quando conseguiu um emprego em uma empresa terceirizada de limpeza em um projeto de construção, trabalhando em turnos de 12 horas aspirando, esfregando pisos e limpando banheiros. Apesar da exposição à poeira e outros detritos, na maioria dos dias ela não recebia luvas, máscaras faciais ou outros equipamentos de proteção individual e tinha acesso limitado à água.
Os turnos incluíam dois intervalos de 15 minutos e uma pausa para o almoço de meia hora, com os gerentes controlando rigidamente o tempo. Os trabalhadores que cogitavam reclamar precisavam lidar com a ameaça de deportação.
Condições como essas são comuns para trabalhadores em situação irregular no país, que sustentam pilares da economia americana – construção civil, agropecuária e indústria.
O que tornou o período de Cristy como faxineira notável foi a figura no topo da operação onde ela trabalhava: o homem mais rico do mundo, Elon Musk, que, no último ano, inflamou e explorou o sentimento anti-imigrante para se alavancar politicamente ao lado do presidente Donald Trump.
Em seu primeiro discurso logo após ser empossado, Trump declarou emergência nacional nas fronteiras do sul para “impedir as entradas ilegais” no país.
Cristy foi uma das muitas trabalhadoras sem documentos que impulsionaram a rápida expansão do império empresarial de Musk nos arredores de Austin, de acordo com entrevistas com defensores dos direitos trabalhistas, gerentes de construção terceirizados e os próprios trabalhadores não autorizados.
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Cristy foi uma das muitas trabalhadoras sem documentos que impulsionaram a rápida expansão do império empresarial de Musk nos arredores de Austin, de acordo com entrevistas com defensores dos direitos trabalhistas, gerentes de construção terceirizados e os próprios trabalhadores não autorizados.
A Bloomberg Businessweek conversou com dez imigrantes ilegais que afirmaram ter sido empregados por empresas terceirizadas para trabalhar em instalações da Tesla e da SpaceX na região de Austin, no Texas. (Cristy pediu que a Businessweek não divulgasse seu sobrenome, enquanto outros trabalhadores não legalizados citados nesta reportagem foram identificados apenas por pseudônimos para protegê-los de represálias. Várias outras fontes ficaram anônimas para preservar relações profissionais).
Para verificar a ligação dos trabalhadores com a Tesla, a Businessweek analisou fotos e vídeos que alguns deles tiraram no trabalho; algumas pessoas deram seus depoimentos ao lado de amigos e familiares, que confirmaram os detalhes de suas histórias. Nove das fontes trabalharam no gigantesco complexo da Tesla em Austin. Outra ajudou a construir um posto avançado da SpaceX.
Removendo entulhos, instalando encanamentos e despejando concreto, esses trabalhadores ergueram instalações que ajudaram a construir a fortuna de aproximadamente US$ 400 bilhões de Musk – muitas vezes, a um custo pessoal altíssimo.
A Tesla passou por um crescimento sem precedentes em Austin nos últimos quatro anos e meio, tendo como peça central uma “gigafábrica” de 10 milhões de pés quadrados -segundo algumas medições, o segundo maior prédio do mundo. Trabalhadores indocumentados têm sido uma presença constante no local desde pouco depois do início das obras, em 2020, quando Musk ainda era uma figura amplamente apolítica.
Eles continuaram lá em 2023, o ano em que o dono da Tesla viajou para Eagle Pass, no Texas, e inspecionou a fronteira entre os EUA e o México usando um chapéu de cowboy preto. Em 2024, eles ainda se apresentavam para trabalhar enquanto Musk apoiava com força total a campanha de reeleição de Donald Trump, incluindo quase US$ 300 milhões em doações.
Alguns trabalhadores não autorizados entrevistados pela Businessweek disseram ter começado no projeto nos últimos meses, enquanto Musk traçava planos para o Departamento de Eficiência Governamental (DOGE), que agora lidera em Washington, D.C.
Cristy, que agora tem 55 anos, começou a trabalhar para um subcontratado da Tesla no fim de 2021, pouco depois de chegar aos EUA vinda de sua terra natal, Honduras. Ela ganhava US$ 16 por hora, percorrendo até 30.000 passos por dia enquanto atravessava o canteiro de obras para cumprir suas funções sob um calor que chegava a 37°C.
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Segundo ela, seus gerentes desencorajavam a equipe de usar os bebedouros para minimizar as pausas para o banheiro. Cristy bebia água às escondidas quando podia, mas, um dia, enquanto aspirava uma escada mal ventilada, sofreu insolação por causa do calor e desmaiou. Depois disso, teve uma discussão com seu supervisor sobre o incidente – e foi demitida.
– Você vem para este país desejando trabalhar para poder ajudar sua família. Então, às vezes, você abaixa a cabeça e aceita situações que não deveria aceitar – diz Cristy.
Mas, com o tempo, “você começa a perceber que tem direitos.” Ela acabou decidindo registrar queixas na Administração de Segurança e Saúde Ocupacional (OSHA), acusando seu empregador de condições de trabalho inseguras e retaliação. Ela está sendo representada pelo Workers Defense Project, uma organização sem fins lucrativos do Texas que defende os trabalhadores imigrantes.
Trabalhadores irregulares são a espinha dorsal da construção civil, especialmente em estados fronteiriços como o Texas, onde quase um quarto dos trabalhadores da construção civil do estado não tem autorização para trabalhar, segundo o American Immigration Council.
Um trabalhador sem autorização diz que acessou o site da Tesla apresentando uma identificação falsa, que está facilmente disponível on-line e em mercados de pulgas, enquanto outro apresentou a documentação de um membro da família. Outros dizem que simplesmente mostraram passaportes de seus países de origem.
Sean Forkner, que representou membros da United Brotherhood of Carpenters & Joiners of America no projeto da Tesla nos primeiros dias, pensou que a proporção de trabalhadores sem documentação lá era típica da indústria – nem melhor nem pior. Ele ia ao site pelo menos uma vez por mês, e membros de sua equipe visitavam pelo menos semanalmente.
– Não havia nada de único acontecendo lá, era apenas a escala do projeto, – disse Forkner. – Era apenas uma lupa das práticas da indústria.
Em suas muitas postagens nas redes sociais sobre imigração no ano passado, Musk criticou autoridades locais e federais por não fazerem o suficiente para verificar os migrantes que recebem. Ele próprio trabalhou sem autorização nos EUA enquanto lançava suas primeiras empresas após imigrar da África do Sul, segundo ex-colegas e documentos citados em uma reportagem do Washington Post. Musk, no entanto, negou no X que tenha trabalhado ilegalmente nos EUA.
Nos últimos meses, Musk tem defendido a importância de conceder vistos a trabalhadores estrangeiros altamente qualificados, dos quais ele depende para preencher suas equipes de engenharia.
Seus ‘funcionários’ irregulares dizem que seu trabalho também ajudou muito suas empresas. A gigafábrica de Austin está agora ocupada produzindo os Cybertrucks, e a construção nunca realmente parou: a Tesla recentemente iniciou uma expansão.
A vizinha Bastrop está rapidamente se tornando uma cidade do império de Musk, com a Boring Company testando sua tecnologia de tunelamento – técnica que permite que dados sejam transportados de uma rede para outra usando protocolos incompatíveis entre si – e instalações para o X e SpaceX em andamento ou em expansão.
Tesla e SpaceX não responderam aos pedidos de entrevista ou a perguntas detalhadas para esta matéria. Musk não respondeu aos pedidos de comentário enviados a ele e ao seu advogado antes da publicação.
À medida que Musk intensificava sua retórica anti-imigrante no ano passado, Samuel, um trabalhador indocumentado que ajudou a construir a fábrica da SpaceX em Bastrop, se viu voltando repetidamente à mesma pergunta:
– Por que estamos aqui se ele não nos quer?.
Samuel faz uma pausa e então responde à sua própria pergunta. – Ele aceita porque paga menos pelo trabalho.
Em 2020, após anos de crescente tensão com autoridades da Califórnia, Musk começou a expandir suas operações no Texas. Sua presença lá inclui instalações da SpaceX nos arredores de Austin e ao norte da fronteira com o México, uma planta de lítio na Costa do Golfo e a imensa gigafábrica nos arredores da capital do estado.
Com 2.500 acres (10.118 metros quadrados) às margens do rio Colorado, a planta é muito maior que o Pentágono. Sob os cronogramas de construção normais, a planta poderia ter levado sete anos para ser concluída, segundo um ex-funcionário da Tesla, mas a empresa começou a produção limitada de veículos em 2021, apenas um ano após o início das obras.
Para manter esse ritmo, a Tesla recrutou trabalhadores de onde conseguisse encontrá-los, utilizando contratados que coordenavam com filiais locais de sindicatos de encanamento, carpintaria e elétrica, entre outros. Isso apesar das disputas passadas que Musk teve com a National Labor Relations Board (NLRB) sobre alegações de demissão ilegal de um ativista sindical e o uso do Twitter para ameaçar empregados. Uma decisão inicial favorável à NLRB foi, por fim, revertida pela Corte de Apelações dos EUA para o 5º Circuito.
A necessidade era tão grande que os contratados da empresa também recorreram a corretores de mão de obra que transportavam trabalhadores do Vale do Rio Grande, um conjunto de condados ao longo da fronteira onde trabalhadores indocumentados e cidadãos americanos recebem salários mais baixos, segundo Forkner e Joseph Hernandez, um dos principais organizadores da International Brotherhood of Electrical Workers.
Logo ficou claro que trabalhadores não autorizados estavam desempenhando um papel crucial no projeto.
Condições de trabalho variadas
As condições de trabalho variaram muito entre os dezenas de contratados e subcontratados no local da Tesla. Alguns, como o principal contratante para estruturas e drywall, MK Marlow Co., verificavam as credenciais de seus empregados através do E-Verify, um sistema federal que os empregadores podem usar para checar a elegibilidade. Mas esse requisito não se aplicava aos subcontratados, segundo Forkner e dois gerentes de construção contratados que trabalharam no local nos últimos anos.
Forkner lembra-se de ser abordado por equipes de 20 a 30 pessoas de cada vez, que trabalhavam para outros subcontratados da Tesla, mas queriam entrar no sindicato, cujos membros recebiam pagamento de horas extras e tinham fortes proteções de segurança incluídas em seus contratos. Ele teve que dispensar muitos deles, porque não tinham documentação mostrando que estavam autorizados a trabalhar nos EUA.
Alguns apresentaram documentos obviamente falsos; outros não tinham nada. Forkner estima que ele e sua equipe interagiram com centenas de trabalhadores nessa situação.
Hernandez lembra-se de ser abordado em seu escritório sindical por trabalhadores que apresentaram contracheques mostrando que estavam trabalhando para um subcontratado afiliado ao local da Tesla. Ele estima que eram 20 no total. Eles expressaram interesse em entrar para o sindicato, mas recuaram ao saber que o contratante do sindicato verificaria seus registros no E-Verify.
A indústria da construção tem enfrentado um mercado de trabalho apertado por anos, com uma estimativa de déficit de mais de meio milhão de trabalhadores em 2024, segundo o Associated Builders and Contractors, um grupo comercial. Isso deixa as empresas cada vez mais dependentes de trabalhadores imigrantes.
Em projetos da escala da expansão da Tesla em Austin, três ou quatro camadas de contratados distanciam o proprietário da propriedade dos trabalhadores no local. Esse arranjo pode expandir o pool de trabalhadores potenciais, trazer expertise em ofícios específicos e isolar o proprietário de riscos em caso de negligência.
Mas também pode ajudar a proteger os proprietários de responsabilidades, dando-lhes uma negação plausível sobre problemas no local, segundo vários especialistas da indústria.
– A construção é sobre terceirizar o risco – diz Cristina Tzintzún Ramirez, que fundou o Workers Defense Project e agora é diretora executiva da organização de votação juvenil NextGen America.
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Os proprietários de empresas que desejam garantir que um projeto seja construído com mão de obra autorizada podem insistir para que contratados e subcontratados verifiquem todos os trabalhadores através do E-Verify. Em alguns projetos com requisitos de segurança rigorosos, como instalações militares, os construtores fazem exatamente isso, ou até mesmo insistem que apenas cidadãos dos EUA façam o trabalho.
O E-Verify não é infalível; ele não necessariamente detecta um trabalhador usando o número de Seguro Social de outra pessoa. Mas uma política rigorosa de E-Verify não seria prática em um trabalho do tamanho da fábrica da Tesla, dizem Forkner e outros.
A Tesla instruiu seus contratados de construção a verificar a autorização e realizar testes de drogas, segundo um ex-funcionário do local. Mas a montadora não monitorou para garantir que os contratados cumprissem suas instruções, o que o ex-funcionário diz refletir uma cultura da indústria da construção na qual os proprietários evitam interferir nos assuntos das empresas que trabalham no local.
Manter uma oferta adequada de mão de obra já era difícil o suficiente; se apenas alguns trabalhadores se machucassem ou faltassem devido a doenças, as equipes corriam o risco de atrasar o cronograma.
– Isso era sempre um desafio – diz o ex-funcionário. – Muitas vezes estávamos com falta de pessoal.
Para receber um crachá de identificação do local, os trabalhadores visitavam uma cabine onde os seguranças verificavam seus documentos de identidade. Um deles era conhecido por rejeitar papéis falsificados – um ex-gerente de contratos no local diz que o segurança “talvez levasse isso um pouco a sério demais”, enquanto era relativamente fácil passar na verificação com outros seguranças.
Outro gerente de contratos que trabalhou no local da Tesla nos últimos anos diz que os membros indocumentados simplesmente apresentavam passaportes de seus países de origem.
– Sinceramente, se você tivesse um passaporte mexicano, você poderia pegar esse crachá. Esse era o único requisito – diz o gerente.
Na unidade da SpaceX em Bastrop, no meio do ano passado, Samuel viu uma placa que o fez hesitar: em breve, os trabalhadores seriam obrigados a apresentar IDs emitidos pelo estado do Texas para entrar. A notícia o preocupou; as únicas pessoas em sua equipe que poderiam atender a essa exigência eram três que nasceram nos EUA. No fim do ano passado, a SpaceX ainda não havia cumprido com essa exigência.
Em suas negociações com os contratados, a Tesla enfatizou que a rapidez era fundamental. As equipes de construção trabalhavam 24 horas por dia, divididas em dois turnos de 12 horas. Algumas melhores práticas foram deixadas de lado, segundo oito trabalhadores de construção atuais e ex-funcionários ou representantes sindicais no trabalho, incluindo o ex-funcionário da Tesla.
Três dos ex-trabalhadores dizem que áreas perigosas do local foram deixadas sem barricadas, aumentando o risco de lesões. Um que é cidadão dos EUA lembra que, uma vez, após chuvas fortes, um operário caiu em uma vala e ficou até o pescoço em água lamacenta. Para evitar que outros caíssem, o ex-trabalhador acabou guiando os outros pelo local com um tubo metálico para testar o solo instável.
Matthew Gonzales, gerente de negócios do Sindicato dos Trabalhadores Locais 1095, diz que seus membros descreveram o local como uma “bagunça caótica”, com materiais fora de lugar, forçando os trabalhadores a “subir, atravessar ou contornar a desordem” para desempenharem suas funções. Andrew Fortin, um ex-eletricista do projeto, chama o local de “uma grande fábrica de quase-acidentes”.
Em 2021, após receber uma série de dicas preocupantes, a Workers Defense lançou uma campanha internamente conhecida como Red Apple para iluminar as condições de trabalho no projeto de construção da Tesla. A organização conversou com cerca de 40 pessoas que haviam trabalhado no local, descobrindo que os trabalhadores da construção lidavam com a falta de equipamentos de proteção individual, calor extremo e uma alta taxa de lesões.
O grupo também recebeu relatos de que os contratados estavam circulando cartões falsos da OSHA, que certificam que os trabalhadores receberam o treinamento necessário de conformidade. Aproximadamente metade dos trabalhadores pesquisados afirmou ter sofrido roubo de salários, seja não sendo pagos por algum trabalho ou não recebendo o que lhes foi prometido, de acordo com Sean Goldhammer, diretor de serviços jurídicos de emprego da Workers Defense.
À medida que a campanha se intensificava, a organização descobriu que Antelmo Ramirez, um cidadão americano de 57 anos empregado pelo contratado Belcan Services Group, havia morrido de hipertermia, ou temperatura corporal anormalmente alta, na Tesla.
O Texas Observer posteriormente relatou que a Tesla não havia informado as autoridades locais sobre a fatalidade, em violação aos termos do acordo de incentivos fiscais assinado com o condado de Travis quando concordaram em construir a unidade em Austin.
A Workers Defense registrou uma queixa na OSHA em nome de um trabalhador sobre a alegada fraude no cartão de treinamento de segurança, além das queixas contra o empregador de Cristy em seu nome. O grupo também encaminhou casos ao Departamento de Trabalho dos EUA sobre a alegada falha dos contratados em pagar aos trabalhadores os salários que lhes eram devidos. A Workers Defense afirma que não pode comentar sobre o desfecho final das referências.
As preocupações com a segurança persistiram no local após esses fatos: um eletricista contratado, também empregado pela Belcan, morreu na planta em agosto passado. Um porta-voz da Cognizant Technology Solutions, que recentemente adquiriu a Belcan, disse que os incidentes ocorreram antes da compra da empresa. A Belcan negou as alegações feitas pela família do eletricista em uma ação após sua morte, de acordo com documentos judiciais.
Após deixar seu trabalho com o subcontratado da Tesla, Cristy às vezes acordava à noite assustada, tendo sonhado que estava de volta à fábrica. O episódio de insolação a deixou ainda com dificuldades para respirar em clima quente. Seus gerentes na empresa de limpeza, que ela diz zombarem dela e de seus colegas por não saberem falar inglês, não pareciam reconhecer o impacto do trabalho.
– Eles não viam o dano emocional, mental e físico. Eu não importava para eles, porque eles demitiam uma pessoa e contratavam cinco mais – disse Cristy.
Em 2020, quando as notícias sobre os planos de Musk de tornar Austin a sede da próxima fábrica de automóveis da Tesla começaram a circular, a Workers Defense e outros grupos trabalhistas temiam que casos como o de Cristy pudessem ser o resultado. A equipe de Musk fez questão de deixar claro que ele também estava em conversas com outras cidades, o que levou o condado a selar o acordo com o incentivo fiscal.
As preocupações levantadas por defensores e políticos impulsionaram as proteções de segurança do acordo, incluindo a exigência de que uma afiliada da Tesla enviasse relatórios detalhando lesões e mortes no local de trabalho. O acordo também exigia que a afiliada da Tesla se inscrevesse no Programa de Proteção Voluntária da OSHA e garantisse que os empregados e trabalhadores contratados recebessem treinamento da OSHA.
Mas não havia disposições para monitoramento independente, deixando a conformidade amplamente sob a responsabilidade da empresa.
A fiscalização de terceiros provavelmente teria melhorado algumas das condições de trabalho mais preocupantes no local, segundo Goldhammer.
– Esses problemas de roubo de salários, condições de trabalho inseguras e falta geral de fiscalização são algo prevalente na indústria da construção, e não havia razão para pensar que isso não ocorreria neste projeto de desenvolvimento – afirma ele.
Pessoas que trabalharam no local afirmam que as condições de segurança melhoraram após a morte de Ramirez ser divulgada na imprensa. E o ex-funcionário da Tesla diz que cortar custos com segurança deixou de ser tratado como um “erro perdoável” para se tornar uma “ofensa passível de demissão” durante seu tempo na empresa.
Mas ele acrescenta que, mesmo quando a segurança se tornou uma prioridade, isso estava em tensão com a necessidade de se mover rapidamente. Ele às vezes sentia que seus contratados estavam pressionando seus trabalhadores mais do que normalmente fariam para causar uma boa impressão:
-Todo mundo estava, de certa forma, agradecido ou admirado por estar lá, apenas por estar na Tesla. As pessoas criavam essas expectativas para si mesmas para tentar impressionar a empresa, e acabavam colocando a situação em risco.
Construção da fábrica interrompida nas visitas de Musk
A construção na fábrica da Tesla às vezes era interrompida por visitas do próprio Musk. As equipes eram informadas para se afastarem das áreas de trabalho. As interrupções eram breves, e um gerente de contrato diz que acredita que eram principalmente devido a considerações de segurança e barulho enquanto Musk recebia visitantes. Mas Fortin, o eletricista que passou um tempo no local, teve a impressão de que Musk não queria ver as equipes:
– Ele nunca queria ouvir ferramentas elétricas, ele nunca queria ver ninguém com EPI de construção.
Ao longo de centenas de postagens no X no ano passado, Musk avançou uma série de narrativas nativistas sobre a fronteira, alegando, com pouca ou nenhuma evidência, que os democratas estavam armando a imigração para importar eleitores, que os migrantes representam um perigo para a segurança pública e que os recém-chegados recebem tratamento especial.
Em uma postagem de fevereiro, que foi repostada cerca de 86.000 vezes, ele reclamou sobre os serviços financeiros e governamentais que os “ilegais” supostamente poderiam acessar.
“Qual é o sentido de ser cidadão se um ilegal recebe todos os benefícios, mas não paga impostos nem faz serviço de júri?” ele perguntou. (Muitos imigrantes sem documentação, de fato, pagam alguns tipos de impostos sem receber benefícios reservados para cidadãos, de acordo com o Bipartisan Policy Center.)
É difícil, senão impossível, encontrar exemplos nas postagens de Musk em que ele fale sobre a importância da mão de obra imigrante na fabricação e construção, ou sobre as forças que levam muitos migrantes a abandonar suas casas em primeiro lugar.
Os atuais e ex-trabalhadores da construção da Tesla entrevistados pela Businessweek eram predominantemente pais que vieram para os EUA para sustentar seus filhos. O objetivo único deles era manter a cabeça baixa e trabalhar. Dois deles descreveram como contribuíam para a Previdência Social, apesar de terem poucas esperanças de poder receber algum benefício.
Questão de sobrevivência
Após um turno, numa tarde de novembro, meia dúzia de trabalhadores de projetos de construção locais se reuniram ao redor da caçamba de uma caminhonete no estacionamento de um posto de gasolina na área de Austin, abrindo Coronas e passando um saco de chicharrónes.
Reuniões como essa permitiam que os homens saboreassem um raro gosto de comunidade em um lugar que, segundo eles, estava se tornando inseguro recentemente. Enquanto o sol se aproximava do horizonte, falaram sobre a experiência angustiante de atravessar a fronteira EUA-México e a dor de não poder voltar.
– Ninguém está aqui por prazer – é pura necessidade – disse um homem, enquanto seus companheiros assentiam em concordância. Um disse que sentia que “não existiam.”
O grupo incluía um ex-trabalhador de uma instalação de Musk: Joaquin, que passou grande parte de 2023 trabalhando na instalação da montadora, ganhando US$ 30 por hora como soldador contratado. Ele aproveitou a oportunidade para trabalhar na unidade da Tesla, porque era um dos empregos de construção melhor remunerados da área.
Ele teve poucas reclamações sobre suas condições de trabalho, embora tenha dito que ganhava menos do que seus colegas. Ele suspeitava que isso fosse “simplesmente por causa dos documentos.”
Os amigos de Joaquin o consideravam o mais trabalhador entre eles. Ele estava economizando para ajudar a pagar a festa de quinze anos de sua filha, embora provavelmente não pudesse comparecer. Ele não via sua filha, sua única filha, desde que deixou o México quase uma década atrás.
– É o preço que se paga por estar neste país – disse ele.
Outros trabalhadores em situação irregular que passaram um tempo no local da Tesla disseram que, além do salário superior, isso lhes abriu portas. Um deles, Ricardo, diz que não conseguiu obter uma licença especializada de encanador que lhe permitiria conseguir trabalhos comerciais bem remunerados, porque já havia sido deportado uma vez antes.
Isso não o impediu de conseguir um trabalho no local, porém, e enquanto ganhava US$ 20 por hora lá, ele adquiriu habilidades que usou em projetos posteriores. Ele diz que recebeu de dois a três mensagens por mês no ano passado, convidando-o a retornar.
Ricardo é um pai solteiro com duas filhas adolescentes, ambas cidadãs americanas, para sustentar. Ele diz estar preocupado com as tentativas de Trump de acabar com a cidadania por direito de nascimento, o que as privaria dessa proteção, mas ele é cético quanto à realização de deportações em massa. Os que estão no poder – incluindo Musk – simplesmente dependem demais da mão de obra imigrante.
– Essas pessoas que vêm investir, como é que vão ganhar dinheiro? – ele pergunta. -Eles precisam de alguém que dobre isso, redobre isso. Isso é o que cada um de nós, migrantes, faz.
Juan, que é da Colômbia, passou quase um ano trabalhando para um subcontratado no projeto da Tesla. Como solicitante de asilo, ele tinha direito a uma permissão de trabalho. Mas os solicitantes devem esperar meses para que seus documentos cheguem, então ele começou a trabalhar na Tesla com documentos falsos.
Depois de ir a grandes extentes para começar a vida nos EUA da maneira certa, esperando meses no México para solicitar asilo e documentando meticulosamente as ameaças que enfrentava em casa, ele diz que lhe doeu quebrar as regras. Ele sentiu que não tinha escolha:
– Eu não queria fazer isso ilegalmente. Mas se eu não trabalhar, morro de fome.
Fonte: https://oglobo.globo.com – Por Julia Love, Polly Mosendz e Kara Carlson, Em Bloomberg – São Francisco, Califórnia
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