LÚCIO JOSÉ DA SILVA, nasceu em 15 de abril de 1888, no Caetano, zona rural de Cansanção/Ba, filho de Ana Maria Rosa e de Anacleto José da Silva, este assinou em abaixo assinado, juntamente a outros 100 Cansançãoenses, em 1893, solicitando licença e benção do cemitério de Cansanção.
Estatura mediana, homem forte e cheio de vigor sabia fazer selas, arreios, perneira, jaleco de couro para vaqueiros, e tinha como sapateiro a sua profissão principal, porém cuidava da sua fazenda Parelha, derrubava um boi pelo rabo, tirava o leite das vacas, trazia mel de abelha e umbu da roça pra sua “Nega” (era assim que chamava Joana, carinhosamente), fazer umbuzada.
No quintal daquela casa simples e rústica tinha plantas cheias de flores perfumadas, e tinha também plantas medicinais para chás como erva cidreira, capim santo, mastruz, hortelã graúdo. Era com hortelã graúdo e mel que nossa vó Joana (mãezinha, como gostava de ser chamada), curava nossas tosses e com uma colher de banha de galinha que curava, inflamação da garganta. Na cozinha fazia a comida mais gostosa que alguém pode imaginar … era o que todos diziam, como eu era chata pra comer… também não sabia apreciar, lembro bem que eu só gostava de tixite e nada mais. O que não faltava na mesa era pimenta, porque ao lado do prato de Lúcio, ele queria sempre um pires cheio delas, eu disse cheio, era uma garfada de comida e uma dentada na pimenta… a criançada achava graça pensando que ia arder… hora do almoço a gente ali sentada como gente grande, querendo tagarelar, mas vovô Lúcio dizia que hora de comer, não era hora de conversa de menino; ele era o detentor da palavra, e contava histórias sobre Lampião, era fascinante, porque ele sabia muito sobre isto, já que Lampião e 17 cabras, estiveram duas vezes naquela casa, bem ali onde nós estávamos. Nas duas vezes Lúcio o acompanhou como guia.
Uma das histórias foi que dá primeira vez que os cangaceiros, entraram ali na sua casa, viram que Florência, sua primeira esposa, estava usando um par de brincos de brilhante, um dos cara lhe pegou pela grande poupa de cabelos, e outro quis arrancá-lo a força, enquanto ela tentava se defender, Lúcio na sua coragem peculiar, disse: vocês podem pegar qualquer coisa que quiserem, também os brincos, não precisa arrancar a força…Como por milagre, Lampião imediatamente deu ordem para deixarem sua mulher em paz, e a deixaram inclusive com os brincos. Clélia e Zenaide, suas filhas, que estavam escondidas atrás da porta … (com a ponta dos dedos pra fora), presenciaram apavoradas esta cena, um dos cabras as viu e mandou que elas saíssem.. elas sairam … mas ganharam a caatinga.
Contou também que na segunda visita, estava ele com Lampião, na sala, quando entra um cabra puxando Tete, sua filha mais velha pela orelha… chegou reclamando que a menina cortou o cabelo e ela chorando pois os cabras tinham dado-lhe palmadas com palmatória. Lúcio vendo aquela situação, adiantou em informar, que a menina era sua filha e ele mesmo autorizou o corte de cabelo, pois ela estava com piolho… foi a resposta correta, pois Lampião odiava que mulheres cortassem os cabelos … e naquele tempo, poucos eram os pais que deixavam as filhas cortá-los, mas Lúcio não tinha estes “preconceitos” não, além do mais era destemido, não tinha medo de nada, também não tinha papas na língua, disse o que precisava dizer e Lampião prontamente mandou os cabras soltarem Tete. Nasceu entre eles uma certa cumplicidade.
Não teve medo de Lampião, e este até pensou que Lúcio fosse seu amigo, acatou suas orientações o que evitou eventos bem piores nas suas duas visitas à Vila de Cansanção.
Lúcio era o melhor jogador de damas da região, convidava a todos para jogar com ele, adultos, velhos, crianças e os netos principalmente, mas não deixava ninguém ganhar, não fazia este favor nem mesmo para os netos mais chegados: Carlinhos de Zenaide e Evandro, filho de Arquias…
Quando na Vila, entrava em cada bodega, pois era chegado numa jurubeba, e numa pinga de boa qualidade, o que o deixava falador e animado, tinha senso de humor e com expressão filosófica, sempre dizia frases engraçadas e originais que só ele entendia o verdadeiro sentido, entre elas:
“Ôh ferro, pra que tanto aço?
É Deus por cima, os urubus no meio e nós por baixo”.
Não perdia o equilíbrio, botava seu chapéu de couro, por ele mesmo feito, montava no seu cavalo bem selado e seguia seu caminho.
Com fama de namorador, casou-se a primeira vez com Florência, sobrinha de Domingos Manoel de Jesus (um dos fundadores de Cansanção), com quem teve 7 filhos :
Teté (Tereza?), Arquias, Romualdo, Otávio, Nelson, Zenaide, Clélia.
Depois se apaixonou por Joana Xavier Pinheiro, filha do Cel Deocleciano José Pinheiro e neta do Cel Felizberto José Pinheiro.
com quem ficou até o último dia dos seus 93 anos, ela também já tinha 4 filhos, Maria Pinheiro Damasceno, Alice, Adélia, Cosme…por último apareceu Julieta, talvez desta união. As boas e as más línguas se preocuparam em saber… de quem era a menina Julieta, a caçula de Joana… se do marido ou do amante …ninguem jamais ficou sabendo, porém uma coisa é certa, o velho Lúcio era um durão, mas se desmanchava de amores por Julieta.
Lúcio e Joana nunca se casaram, ele deixou Florência e ela deixou José, que era irmão de Florência.
Tanta dor causou esta união que os irmãos Florência e José entraram em depressão e morreram jovens, Minha mãe , Maria Pinheiro, nos disse que os dois morreram de tristeza, ela foi definhando, ele parou de comer e se entregou à bebida, contraiu uma tuberculose e não se tratou… tempos difíceis aqueles…
Lúcio e Joana era como se tivessem nascido um para o outro, ela linda, sábia, equilibrada, serena, porém enérgica, ele cheio de histórias e vigor e aceitando Joana como ela era. Tinham uma carreira de casas na rua Senhora Santana, mas moravam na Parelha, às segundas-feiras despontavam os dois, cada qual no seu cavalo, ela usava selim, uma sela feminina, me encantava muito ver minha vó montar e desmontar com tanta desenvoltura e elegância. Vinham para fazer a feira e visitar os filhos de um de outro, que aos poucos foram partindo para o mundo: Salvador, Ilhéus, Colatina, Rio de Janeiro… restaram Nazinha (Maria Pinheiro) e Julieta…
Quando os dois já estavam com idade avançada, passaram a ficar mais na cidade.
Lúcio morreu com 93 anos, Joana nasceu em 1900, morreu com 97 anos, ainda costurava, enfiava agulha, fazia os jogos da loto, acompanhava o resultado pela TV, ainda queria ganhar um bom dinheiro… ainda pergunto a mim mesma, qual seria a razão daquela vontade de ganhar na Loto.
No quintal da casa que foi deles e que hoje é minha, e a mantenho com muito carinho, tenho um Juazeirinho (primavera), uma moita de hortelã graúdo, outra de babosa, uma erva cidreira… tudo por ela plantado.
Uma doce emoção toma conta de mim, cada vez que sento ali na varanda do quintal, e fico quietinha recebendo uma bênção que vem do céu, deles e do bem. – IDD.
Fonte: Cansanção – Espaço Cultural – Iolanda Damasceno Dreschers – Mantido a Gramática e a Grafia originalmente utilizada.
Blog do Florisvaldo – Informação Com Imparcialidade – 01/11//2018
1 comentário
Olá Florisvaldo,
Parabéns por postar textos ligados à cultura, embora saiba que os temas que trazem seguidores, sejam as novelas, os assaltos, as mortes violentas e a politicagem barata do “puxa saco”.
Obrigada por tentar divulgar os benefícios que Cansanção terá se todos plantarem uma árvore. Que seja um Ipê, que seja uma mangueira … mas que não seja o Neen.
Obrigada.
Iolanda Damasceno Dreschers.