João Cunegundes da Silva “Joaozinho das Cacimbas”, começou a trabalhar na Vila em 1945, comprando mercadoria que vinha da roça, para seu patrão, que revendia em outras praças; comprava sisal, mamona, licuri, feijão, farinha… e assim levava a vida.
Conheço seu Joãozinho desde criança, ele frequentava nossa casa porque trabalhava em depósitos de meu pai, agora, sempre que venho a Cansanção, se ele fica sabendo, vem me visitar, eu também, às vezes arrumo um tempo para ir até a casa dele, para um dedo de prosa. Conhecido como Joãozinho das Cacimbas, seu nome de batismo é João Cunegundes da Silva, o antigo Joãozinho da Lió.
É daqueles de boa memória e com muitas histórias e “causos” prá contar, coisas que já ouviu e vivenciou ao longo dos seus quase 94 anos. Começa lembrando que nasceu na Lage do Prato em 17 de junho 1925.
Seu Joãozinho, eu também, gosta de sentar na porta de casa pra tomar uma fresca nas tardes mornas de verão e nas amenas do inverno.
Um dia, em 1949, estava ali sentado quando viu um papel levado pelo vento, passar em sua frente. Levantou-se e foi pega-lo, estavam escritas palavras que lhe impressionaram, leu e releu até decorar. A partir daquela data, não perdeu mais um enterro. Fica sabendo com familiares ou amigos o nome, sobrenome, data de nascimento, seja o falecido conhecido ou desconhecido, anota no seu caderno já gasto pelo tempo e se prepara: chapéu de abas, paletó azul marinho, caneta no bolso da camisa e sapatos fechados rumo à sentilena. Acompanha o cortejo ao cemitério, e lá aquelas palavras que decorou são proferidas. É uma despedida diante de todos que partem, lá pro outro lado. Entendeu que aquele papel era um bilhete para ele, um aviso vindo de Deus, e desde então aguarda o momento até que os familiares peguem na alça do caixão para coloca-lo na cova, e levanta o braço, quase sempre, pede licença e repete as palavras que decorou:
“Meus senhores e minhas senhoras, a morte está entre os homens e as mulheres, a morte é a chave que abre a porta da nossa felicidade, todos nós sabemos que (cita o nome do morto) deu o primeiro passo a caminho da eternidade e entrou na história, ele vai encontrar amigos e amigas que amou na terra e poderá vir nos visitar, aguardamos esta ocasião. Saudade eterna de familiares padrinhos e amigos”.
– “Deus que o leve e muito obrigado!”
– “todos batem palmas… vixe meu Deus!”
– “Ave Maria!”.
– “Trabalhei muito tempo com seu Marinho, um dia ele chegou de Salvador, com os maços de dinheiro, tinha ido receber na SAMBRA, foi deixando em cima do cofre, na casa dele, deve ter esquecido de guardar, porque no outro dia me perguntou pelo dinheiro… – Ave Maria!” – “Eram vinte e sete mil, muito dinheiro naquele tempo”.
-“Não dormir, passei a noite em claro, de tão preocupado… e fiquei atento, na rua e vi um camarada, velho conhecido, jogando apostado, gastando fácil … fiquei desconfiado e fui falar com seu pai” (meu pai).
-” ele então mandou chamar o delegado, pra levar o homem na delegacia e foi assistir o interrogatório.”
– “antes da meia dúzia de bolos, o camarada já disse que o dinheiro estava embaixo do colchão”.
“Poucos dias depois, compadre Marinho, me entregou uma chave nas mãos. “tome, comprei uma casinha pra você lá no Beco da Faca”. – “Ave Maria!”.
– “Em 07 de abril de 1963, na gestão de Thomaz Araújo Damasceno, fui nomeado fiscal da Prefeitura, cobrava IPTU, de porta em porta, nem todos pagavam … desenhava o projeto das casas, traçava os loteamentos e dava nomes às ruas”.
Trabalhou para o Município desde então, como servidor e aposentou-se em 19 de abril de 1995
Teve 16 filhos, 4 ou 5 morreram durante o parto, outros 10 já morreram também.
Seu Joãozinho sempre me conta que ele mesmo também já morreu 3 vezes, todas elas, no mês de dezembro, e que morrerá pela última vez também em dezembro. A primeira vez foi em 1949, estava sentado na porta de sua casa e de repente a cumieira desabou, a rua se encheu de poeira, Justino seu filho de 4 anos e Lió, sua esposa na época, estavam ali com ele sentados na porta da rua tomando a costumeira fresca, por isto ninguém foi atingido; – “Ave Maria!” Foi um poeirão danado.
A segunda vez morreu em dezembro de 1957, quando o compadre Marinho, (Thomaz Araújo Damasceno), lhe mandou pegar uma mercadoria na Pedra Vermelha, ia na carroceria do Caminhão de Pai Velho, era irmão de seu Agripino, tinha unhas enormes, iguais as de Zé do Caixão, marido de dona Jardilina, e dono de daquele caminhão com cabine de madeira, o único que já se viu por aqui.
Pois bem, contou que já no meio da estrada, uma mulher apareceu e deu com a mão, queria subir! O motorista, era o Jaime, ele parou. A mulher subiu e logo a carroceria se encheu de um fedor de Cangambá e enxofre. Ele ficou totalmente atordoado e rapidamente avançou encostou-se no “gigante” do carro, pra respirar melhor, não conseguiu prestar atenção em nada, um colega que vinha também na carroceria gritou: – ” olha o pau Joãozinho!”, Joãozinho se abaixou rápido, o cabelo chega arrepiou.
– “Ave Maria!”
A terceira vez morreu em dezembro 2015, adoeceu estava muito mal, sua mulher atual, que é 42 anos mais jovem, o levou ao hospital,
– “Dominga, da Umbelina da Giboia, chegou pra me visitar… fez uma prece a Deus, pediu para eu buli, a perna ou o braço, pra eu reviver, mexi com a perna e acordei! morri e voltei! …Ave Maria !”
1928, quando Lampião passou pela primeira vez na Vila de Cansanção, passou também em algumas fazendas. Seu Joãozinho era ainda muito pequeno, mas ouviu, por muito tempo, muitas histórias sobre ele, na verdade cresceu ouvindo histórias sobre Lampião. Estas histórias ninguém esquece, às vezes se aumenta um ponto e em outras, escapam detalhes…
Foi ele quem me contou que o barracão sem paredes que tinha na antiga praça da feira, hoje, Domingos Manoel de Jesus, local onde se fazia comércio da carne, que abastecia a vila, tinha umas colunas de madeira e as telhas eram de olaria, os comerciantes gostavam de sentar ali no decorrer da semana, pra pegar um vento, ficar na sombra ou “esquentar o sol”.
Certa feita estavam ali proseando quando, chegou Lúcio da Parelha, pela vereda que ligava a praça ao cemitério, vinha para saber se a volante estava ou estivera por ali, pois Lampião estava chegando, tudo limpo, os jagunços entraram logo atrás, Martiniano da Mata Guimarães, que estava com os amigos “esquentando o sol” já tinha descambado lá pros lado da saída de Monte Santo, por cima de pau, pedra e cansanção, quando ouviu um bode “bodejar numa cabra”, gritou: “eu me rendo Capitão!”.
Passada a correria, viu-se que os jagunços esqueceram, pendurado no Barracão, um alforje cheio de dinheiro e prata,
Domingos Manoel de Jesus, José Ambrósio Modesto, Miguel Salvador, João Coelho, depois da saída dos jagunços, foram para ver o objeto esquecido, ficaram ali imóveis “assuntando”, sem coragem de toca-lo.
Sabiam que os cangaceiros estavam indo para o Cajueiro, (hoje Nordestina), tinham a intenção de assaltar Tertulialo Pereira de Morais, pai de dona Olga, esposa de seu João Andrade. Conversa vai, conversa vem, de repente, apareceu um vaqueiro, – “era o finado Pequeno, a mando de Lampião, vinha montado numa égua, estava incumbido de pegar o alforje, que ainda estava no mesmo lugar,… tudo do mesmo jeito que foi deixado. Pegou e voltou “na toda”. – “Ave Maria!”.
Fonte e Fotos: Cansanção – Iolanda Damasceno Dreschers – Espaço Cultural – O Texto foi mantido fielmente como escrito.
Blog do Florisvaldo – Informação Com Imparcialidade – 30/03/2019