Entrevista com o economista Rodolfo da Rocha Miranda, filho de Celso da Rocha Miranda, empresário perseguido durante o regime militar (1964-1985), fato reconhecido através dos relatórios da Comissão Nacional da Verdade e Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro.
Celso da Rocha Miranda, foi um grande empreendedor, que atualmente, tornou-se uma figura desconhecida no meio empresarial. Recentemente, o senhor levou o caso dele, como o primeiro caso de perseguição a empresários contrários ao regime ditatorial, que vigorou no Brasil, para a Comissão Nacional da Verdade e para a Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro, tendo sido reconhecida essa perseguição. O senhor acredita que esse desconhecimento público da figura de Celso da Rocha Miranda tenha sido parte das sanções ao qual Celso foi submetido pelo regime?
Rodolfo da Rocha Miranda: O grande fato que foi abafado é de que houve, realmente, perseguição e aniquilação patrimonial de grupos econômicos que não se alinharam com os objetivos do Golpe Civil-Militar de 1964. Como os atos praticados, contra esse grupo, pautavam-se em procedimentos ilegais ou leis inconstitucionais, houve uma perseguição continuada para que não houvesse divulgação pública dos massacres cometidos. Como os beneficiários dos nichos de negócio que foram destruídos eram eminentes empresários e apoiadores incondicionais, do regime militar, também esses, não tinham nenhum interesse que as verdades dos fatos fossem divulgadas. Tudo conspirava para o esquecimento, forçado, das verdades. Celso, juntamente com outros empresários, se enquadra nessa categoria que agora, munidos de nova documentação, (depois da promulgação da Lei Nº 12.527 de 11/2011 que Regula o Acesso às informações e da criação da Comissão da Verdade) temos a oportunidade de relatar.
Qual as consequências que o senhor acredita que o relatório das Comissões da Verdade, tanto nacional, quanto a do Estado do Rio de Janeiro poderão trazer para os perseguidos políticos e seus herdeiros?
Rodolfo da Rocha Miranda: O primeiro benefício é a divulgação para a sociedade, como um todo, das atitudes e ferramentas usadas pelo regime, contra aqueles que eram considerados seus inimigos. É importante destacar que não só torturas, prisões, devassas fiscais foram utilizadas contra os que eram considerados inimigos do regime, mas o Judiciário foi cooptado para encobrir e dar legitimidade aos fatos arbitrários. Claro, sem falar nas leis inconstitucionais, fabricadas com fim específico de perseguição. Para todos que trabalhavam nas organizações que foram fechadas por atos do governo, foi dado a conhecer a verdadeira “causa mortis” de suas empresas. Cito como exemplo a “Família Panair”, um grupo de ex-funcionários que se reúnem até hoje (50 anos após fechamento da empresa) e se perguntavam, “Por que fecharam a minha Panair? ”. Hoje, graças à Comissões da Verdade, todos sabem da realidade dos fatos.
O senhor poderia descrever o perfil do empresário e empreendedor Celso da Rocha Miranda?
Rodolfo da Rocha Miranda: Meu pai aprendeu muito cedo, com a falência do pai dele, a realidade da vida e cunhou dessa dolorosa experiência, seu caráter profissional. Grande vendedor de ideias, visionário, destemido, participante das discussões dos problemas globais, dedicou sua vida para o desenvolvimento de seu país, com inserção na economia internacional.
O senhor trabalhou diretamente com o seu pai? Como foi a experiência e por quanto tempo? Quais os ensinamentos que o senhor pode adquirir?
Rodolfo da Rocha Miranda: Até hoje, lendo suas memórias e lutando por alguns de seus legados, ainda aprendo e me surpreendo com sua grandeza. Trabalhei com meu pai por 25 anos. De uma forma geral não é fácil trabalhar com o pai, especialmente um do calibre dele. Sabiamente, ele nomeou um tutor (Vice-Presidente Executivo) que seria a pessoa que coordenaria minha instrução profissional e só depois desse estágio, que deve ter demorado uns 5 anos, é que pude a começar a participar de reuniões com ele presente. Sou formado em economia, mas minha base profissional foi construída no mercado segurador, de onde carrego as minhas mais felizes recordações. Ser justo, trabalhar muito, não reclamar da vida, dar a volta por cima e começar de novo sempre que for preciso, não ter mágoas, amar o país… Foram muitos os bons exemplos, como retidão de caráter. Costumava me dizer que dinheiro só servia para criar novos empregos. Meu pai tinha um sempre um sorriso estampado no rosto, não falava palavrão e não levantava a voz, nem para dar bronca…
Quais os principais empreendimentos desenvolvidos por Celso? Poderia descrevê-los?
Rodolfo da Rocha Miranda: Mercado segurador (Ajax Corretora Nacional de Seguros S. A.), prospecção e produção mineral, fotogrametria (Prospec – Geologia, Prospecções e Aerofotogrametria S. A.), recursos naturais, petroquímica (Cobrafi – Companhia Bahiana de Fibras, Nitrocarbono S. A.), imobiliário, comércio exterior, aviação comercial (Panair do Brasil S. A., Celma – Revisão de Motores S. A.), cultura e educação, entre outras.
Quais as principais conquistas de Celso da Rocha Miranda?
Rodolfo da Rocha Miranda: As principais foram a família e os amigos. Mas obteve importantes reconhecimentos, foi laureado com Grã-Cruz da Ordem Civil de Afonso X da Republica Espanhola, Comendador da Ordem Militar de Cristo da República Portuguesa, Oficial da Ordem Couronne da Bélgica, Comendador da Ordem ao Mérito por Serviços Relevantes da República do Peru, KBA – Knight Commander of The British Empire – Cavalheiro do Império Britânico, Medalha Militar da Campanha do Atlântico e Medalha Rui Barbosa.
Quais as principais contribuições que Celso da Rocha Miranda agregou ao país?
Rodolfo da Rocha Miranda: Como postulador de ideias para os programas de Governo, como exemplo, nas áreas de telecomunicação, petróleo, energia nuclear. Como líder empresarial, nos segmentos que atuou. No intercâmbio internacional, comércio exterior. No apoio nos planos de desenvolvimento com a criação do polo petroquímico de Camaçari, na Bahia. Como empresário atuante no atendimento das necessidades básicas nacionais, como foi o caso do carvão metalúrgico. Nacionalização de empresas estrangeiras objetivando a criação de políticas nacionais setoriais e setor aéreo. Foi participante de muitas iniciativas filantrópicas, como Membro Fundador do Instituto de Cultura Brasil Noruega, Fundador da Casa do Brasil na Grã-Bretanha, auxiliando na criação do curso Cultura Inglesa do Rio de Janeiro e da ABBR – Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação, assim como da Fundação Dom Manoel Cintra – Petrópolis, atualmente, Fundação Celso da Rocha Miranda.
Sendo um grande nacionalista, quais os fatores que, essencialmente, levaram Celso da Rocha Miranda a se tornar um perseguido pelo regime militar brasileiro?
Rodolfo da Rocha Miranda: Essencialmente o apoio, explicitamente dado ao Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira. Os militares viam em Juscelino, a possibilidade da volta ao regime democrático, o que não lhes interessavam e viam em CRM e outros empresários, a possibilidade de apoia-lo, política e financeiramente. Secundariamente, por forças econômicas que financiaram a Ditadura e que viram a possibilidade de entrarem nos segmentos controlados por ele, principalmente nos ramos de seguros e aviação civil.
O senhor poderia descrever a relação entre o presidente JK e Celso da Rocha Miranda?
Rodolfo da Rocha Miranda: Admiração e respeito mútuo. CRM acreditou nos planos de metas, 50 anos em 5 e o ajudou sua campanha, principalmente junto ao empresariado paulista.
Qual o principal legado de Celso da Rocha Miranda?
Rodolfo da Rocha Miranda: Deixa um exemplo de crença e amor ao seu País. Talvez o único empresário que se tenha conhecimento e comprovação documental de que mesmo abatido pelas forças militares de 1964, transpassa um período de perseguição política que se estende por quase 20 anos e, sem mágoas ou ressentimento, retoma seus investimentos no Brasil como se tudo que ocorreu fosse um acaso que só serviu para engrandecê-lo. No Governo do Presidente Gal. João Figueiredo, foi oferecido um acordo amigável, para o fechamento da questão da Panair do Brasil S. A., com uma condicionante, “sine quo non“, de que o assunto nunca mais fosse mencionado. CRM, entendendo que a história pertencia, também, a mais de 5 mil famílias, recusou o acordo por não aceitar o “perpétuo silêncio” imposto, para sua realização. A falência da Panair foi levantada em 1995, portanto, cerca 10 anos após o seu falecimento.
Entrevista concedida a Valéria Gravino em 18.02.2016 – Valéria Gravino – Advogada, MBA em Direito Tributário, MBA em Gestão e Business Law, pela FGV -RJ, professora de cursos de treinamento nas áreas tributária e empresarial. Colunista e articulista de diversos periódicos.
Blog do Florisvaldo – Informação Com Imparcialidade- 23/02/2016