Numa época em que se recorria muito a falas estereotipadas, o humorista Max Nunes afirmou que “o casamento é como a pessoa que quer tomar um copo de leite e compra uma vaca”. E o cartunista, escritor e dramaturgo Millôr Fernandes completou: “se, de vez em quando, o leite azeda por aí, não tenho nada com isso; a vaca não é minha. Escolham melhor na próxima vez”.
Mais tarde, o cineasta e jornalista Arnaldo Jabor contradisse seus velhos amigos. “Para todos os homens que perguntam ‘por que comprar a vaca se você pode beber o leite de graça?’, aqui está a novidade: hoje em dia, 80% das mulheres são contra o casamento e sabem por quê? Porque perceberam que não vale a pena comprar um porco inteiro só para ter uma linguiça!”.
Sobre vacas, aliás, você sabia que uma startup gaúcha (a CowMed) conseguiu decodificar, com Inteligência Artificial (IA), o que elas falam, pensam, querem ou sentem? Uma coleira tecnológica que interpreta o comportamento bovino foi apresentada ao mercado como uma ferramenta poderosa para ajudar os pecuaristas a se comunicarem melhor com seus rebanhos.
É uma peça de nylon, com autonomia de cinco anos, capaz de monitorar os animais por 24 horas, em tempo real, enquanto o criador recebe, no celular, notebook ou tablet, uma espécie de tradução. Ajuda-o a descobrir com antecedência as necessidades mais prementes das vacas. O aparelho analisa cada movimento ou som e informa o que pode ser: cansaço, cio, dor, fome, sede etc. Ansiedade, bullying, compulsão por redes sociais ou transtorno obsessivo-compulsivo, ainda não.
Também monitora variáveis como tempo que leva se alimentando, tempo de ruminação, de descanso, de caminhada, qualidade da respiração etc. Com esses dados, utiliza-se a IA para interpretar a “alma” da vaca.
Tenho para mim que essa ferramenta terá uso adicional bastante útil noutro tipo de rebanho, mas isso seria assunto para outra crônica.
A peça identifica ainda, com até cinco dias de antecedência, se a vaca vai ficar doente. “Existem sinais clínicos imperceptíveis, porque o bovino, por ser uma presa, tem a característica de esconder a doença. Com o sistema, é possível analisar os sinais e fazer um diagnóstico precoce”, pontuou um dos acionistas da CowMed.
Em resumo: após o pagamento da primeira parcela, o produtor recebe o kit de instalação com colares, antenas, material de treinamento, acesso à plataforma web e o aplicativo. Precisa apenas ligar o equipamento na tomada e colocar uma coleira em cada animal. A comunicação se dá por radiofrequência e Wi-Fi. A partir daí, só Deus sabe o que vai rolar na “conversa de pé-de-orelha”.
Foi-se o tempo das vacas magras, ainda que os ossos nos ofereçam as melhores sopas.
Essa “humanização” me fez recordar da célebre crônica “Por vários motivos principais”, de Stanislaw Ponte Preta, acerca de um jantar envolvendo a fina flor do high society da capital da República, quando uma provecta senhora declarou que adorava a sua obra. E mais: que estava ansiosa para ler o próximo livro, cujo título, se possível, gostaria muito de saber em primeira mão.
“Fiquei meio chateado de revelar o nome… Ela podia me interpretar mal. Como ela insistisse, porém, eu disse: Vaca, Porém Honesta” – escreveu o genial cronista.
Segundo ele, “a madame deu um sorriso amarelo mas acabou concordando que o nome era muito engraçado, muito original”. Vai ver ponderou que por aqui vaca é sinônimo de concubina, devassa, galinha, oferecida, marafona, meretriz, piranha, promíscua, prostituta, puta, quenga, rameira, rapariga, tolerada, vadia, vagabunda, dentre outros.
Quase sempre, o uso desses sinônimos não passa de exagero em relação à vizinha ou à amiga do marido. Se bem que já testemunhei machão brincando que “nunca viu gato de botas, mas já viu vaca de salto alto”. Só depois do divórcio, admitiu outra pesada sentença: “Duro não é suportar o peso dos chifres, é continuar sustentando a vaca”.
Essa visão distorcida sobre a gloriosa fêmea do gado bovino, mãe de leite de quase todos nós, talvez tenha sido ampliada quando Gal Costa, no Rock in Rio, em 1994, subiu ao palco com os seios à mostra para cantar “Brasil”, de Cazuza.
“(…) Brasil, mostra a tua cara.
Quero ver quem paga
Pra gente ficar assim!
Brasil, qual é o teu negócio?
O nome do teu sócio?
Confia em mim! (…)”
Aos mugidos, a plateia delirava, por certo desejando ouvi-la (em vão, registre-se!) cantando “Vaca Profana”, que Caetano Veloso escrevera para ela 10 anos antes:
“(…) Dona das divinas tetas,
Derrama o leite bom na minha cara
E o leite mau na cara dos caretas! (…)
Com a criação da CowMed, nossas vacas nunca foram tão bem tratadas e se distanciam do indesejável caminho do brejo. Se vamos descobrir que são mentirosas, só o futuro dirá.
Quem sabe os caretas pendurados nas tetas orçamentárias da Pátria-mãe se animam a fazer algo parecido pela massa que passa fome, nutrindo-se da esperança de levar, pelo menos, uma vida de gado.
Fonte: Hayton Rocha – Colaboração Agenor Santos
Blog do Florsivaldo Informação Com Imparcialidade – 25/07/2023