Muito me agrada percorrer um pouco o passado e revisitar meus textos políticos e não políticos da época, principalmente aqueles que retrataram casos e causos que me foram contados. Assim, é que voltei aos tempos de outubro de 2011, quando essa história me foi contada por um grande amigo, pessoa querida e tradicional da região de Canal, então Distrito de Irecê e hoje Município de João Dourado: Sr. FRANCISCO NUNES DOURADO, Sr. Tico, in memoriam! Gostei do caso e dei o título: TROCA-SE UMA NOIVA!
Como seria a vida sem os encantos da ingenuidade que povoa as histórias de tanta gente, tanto no mundo real como nas histórias dos personagens das ficções romanescas?! Os cronistas do cotidiano captam pelas esquinas da vida e, também, nas conversas com os mais antigos, com peculiar satisfação, narrativas que ressaltam essa qualidade do caráter humano: a simplicidade.
Identifico-me, com velada paixão, por casos e histórias que me contam. Assim, registro este singelo caso ouvido dos mais antigos, extraído de fatos narrados da vida real e ocorrida nos idos de 1865:
Chiquinha (Francisca da Silva Dourado) e Mariquinha (Maria da Silva Dourado) eram duas irmãs gêmeas. A Mariquinha teve mais sorte e já estava noiva do Zeferino Rodrigues Dourado. Este, interessado em apressar o casamento, procurou o Sr. Manoel Lopes, padrasto da Mariquinha e disse-lhe:
– O nosso noivado está muito longo e eu quero que seja logo realizado!
– Ficando a Francisca sem casar-se, não pode. Você procura um noivo para
casar-se com a Chiquinha! – retrucou o sogro com ares de autoridade patriarcal.
Preocupado com a condição estabelecida o Zeferino passou a pensar numa solução e se lembrou do seu primo Marciano Pereira Nunes. Procurou-o e explicou o seu problema pessoal, que se tratava de irmãs gêmeas e que o padrasto queria que se casassem as duas no mesmo dia. Talvez para socorrer o primo daquela constrangedora situação, o Marciano topou o desafio e solidariamente disse que casaria com a Chiquinha. Zeferino voltou alegre e deu a boa notícia ao sogro. Não demorou muitos dias veio Marciano ao encontro combinado. Logo ao chegar viu a Chiquinha e não a achou bonita, mas aceitou casar-se, cumprindo a honra do compromisso assumido com o primo.
Naquele dia o noivado e o encontro de todos foram comemorados festivamente com um farto jantar. Ao se recolherem para dormir, a noite muito quente sugeria que os noivos Zeferino e Marciano dormissem nas redes. Procuraram uma mangueira fora da casa e armaram as redes; assim que se acomodaram e caiu o silêncio da noite, começou a prosa dos dois:
Eu sei Zeferino, a bonita é a sua noiva; você, primo, é familiarizado na casa faz a escolha! – Disse o Marciano. Aí as pilhérias continuaram.
Vamos trocar as noivas? Quanto quer de volta? – Propôs malandramente o Marciano.
No outro dia acertaram a data do casamento, que se realizou em 05 de outubro de 1865, conforme certidão extraída pelo Padre Domingos, na comarca de Caetité-BA.
A Mariquinha morreu logo no parto do primeiro filho. Marciano e Chiquinha são exatamente os avós do Sr. Francisco Nunes Dourado, “Seu” Tico, da Fazenda Sabino, Município de João Dourado, Região de Irecê, de quem ouvi muitas e belas histórias.
Quando atuava na região como Fiscal da Carteira Agrícola do BB, Agência de Irecê, nos idos de 1967, visitava o Sr. Tico com muita frequência, uma vez que era nosso cliente da Carteira Rural. O pitoresco dessa história é que ela revela o romantismo já existente naquele tempo.
Autor: Adm. Agenor Santos, Pós-Graduação Lato Sensu em Controle, Monitoramento e Avaliação no Setor Público – Salvador-BA.
Blog do Florisvaldo – Informação Com Imparcialidade – 30/04/2023
4 Comentários
Esses causos e estórias dos mais antigos, como chamamos, tem um cunho pitoresco mesmo quando tudo sendo plena realidade. O Autor Sr. Agenor, segundo o próprio, ouviu muitos, e com certeza aprendeu com esse senhor que atualmente sentimos falta de pessoas assim! Belo conto das antigas!!! Aplausos…!!! Oportunamente conte mais.
Bom dia Caro Agenor!
Inegável (é de fazer inveja – no bom sentido), a sensibilidade que você absorveu na sua caminhada (não apenas dos assuntos atuais).
Recordo com saudades dos causos que meu saudoso (Tio Izalto) contava nas bocas da noite (preferencialmente de Lua Cheia) no terreiro da nossa casa, lá na roça. As “historias” iam de Lampião, Caipora, Lobisomem ou Almas Penadas.
Quantas noite (eu que dormia na sala) tive que ir para o quarto dos meus pais, tanto era o medo provocado pelo que ele contava.
Eram um sertanejo culto (para a época), trazia tantas riquezas nos detalhes que me impressiono até hoje.
Como disse o leitor Acordadinho, “sentimos falta de pessoas assim!”.
Muito boa e divertida, gostei bastante. (Salvador-BA)
Caro Agenor. Não está muito longe o tempo em que o noivo se arranjava com o sogro sem a pretensa noiva saber. Muitas só conheceram seus maridos no altar. Algumas senhoras, mais antigas, que a minha esposa conheceu (esposa de colegas do BB mais antigos) só vieram a conhecer os maridos no altar. Tudo foi arranjado pelos pais, ela foi apenas comunicada, e pronto. Até os reis, por motivos dinásticos e de nobreza (?) se casavam com pessoas da mesma casta, que eles não conheciam. Um nobre, diplomata, foi à Europa procurar uma esposa para D. Pedro I, tinha que ser de uma descendência coroada. Conseguiu convencer o Imperador da Áustria e a escolhida foi a Leopoldina, filha do Imperador e irmã da esposa de Napoleão. D. Pedro só a conheceu aqui, quando já estava tudo acertado, inclusive o casamento. Não poderia haver amor nesse contrato. Você sabia que até recentemente alguns países não consideravam crime o estupro da esposa pelo marido, pois ela era propriedade dele. Seria o mesmo que ele roubar a própria carteira. Parabéns pelas reminiscências. O livro que te mandei, um amontoado de estorinhas desse tipo sem muita pretensão, narra alguns episódios. São colegas como você, não os de gabinete como eu, que fizeram a grandeza do BB, firmando a sua presença nos locais mais distantes do território nacional. Grande e fraternal abraço. (Brasília-DF).