
Durante muito tempo, João Pessoa foi uma espécie de patinho feio do litoral nordestino. Agora, a capital paraibana exibe plumagem renovada como um polo de crescimento econômico, atraindo empresas e pessoas em busca de novas oportunidades.
O turismo aquecido atrai empreendimentos ambiciosos no setor que estimulam outros investimentos, como os do mercado imobiliário e em outras regiões do estado. O Banco do Brasil estimou crescimento para o PIB da Paraíba de 6,9% no ano passado, bem acima da média nacional de 3,4% apurada pelo IBGE.
Além dos negócios, a cidade atrai cada vez mais gente como uma alternativa às metrópoles mais caras. Segundo o Censo 2022, do IBGE, João Pessoa foi a cidade que mais cresceu em número de habitantes entre as 20 mais populosas do país: 15,26% em pouco mais de uma década.
Boa infraestrutura e geografia privilegiada

A capital sempre combinou boa infraestrutura, custo de vida baixo e a geografia privilegiada do extremo oriental do Brasil com suas praias de águas mornas que logo caem nas graças dos turistas em busca de experiências mais rústicas. Mas o crescimento acelerado já altera a paisagem e o cotidiano, com mais trânsito, violência e imóveis mais caros.
O Grupo Tauá Hotéis e Resorts é uma das empresas que investem no Polo Turístico Cabo Branco, projeto do governo da Paraíba que usa incentivos fiscais para tirar do papel o que pretende ser o maior complexo de turismo do Nordeste, voltado para lazer e negócios.
A proximidade dos aeroportos internacionais de Recife (PE) e Natal (RN) e boas rodovias foram importantes na escolha de Cabo Branco, que já conta com um centro de convenções, segundo a CEO do Grupo Tauá, Lizete Ribeiro:
– Desconheço outro centro de convenções com aquela beleza e infraestrutura. Estava pronto e sem hotel em volta. Há dois anos não se falava em João Pessoa, mas agora vejo muito interesse das empresas. É uma cidade que quer que os negócios aconteçam.
Resorts estão para ser inaugurados

O resort do Tauá abre em março de 2026 com 500 quartos e pretende dobrar a capacidade até 2027. O empreendimento deve gerar mil empregos diretos até 2028, com aporte de R$ 650 milhões.
– Queremos tudo num só lugar. Teremos uma cidade para crianças, parque aquático interno, restaurantes, várias piscinas externas, áreas de lazer, quadra de tênis. Vai ser nosso empreendimento mais completo – diz a executiva.
Com investimento perto de R$ 500 milhões, a WAM Experience também desenvolve um complexo turístico no polo, incluindo hotel com 480 apartamentos, um shopping Outlet Open Mall, roda-gigante, espaço para eventos, trilhas e um parque temático. A iniciativa deve gerar mais de 1,6 mil empregos diretos e 2,5 mil indiretos na construção.
Na semana passada, representantes da Companhia de Desenvolvimento da Paraíba (Cinep) e o governador do estado, João Azevedo (PSB), apresentaram o polo de Cabo Branco para investidores em um evento em Portugal. Segundo a Cinep, os projetos hoteleiros somam R$ 2,5 bilhões, com 13 mil leitos no total. O estado se encarrega da infraestrutura.
– O estado tem capacidade de investimento. Lançamos mais um pacote de investimentos de R$ 11,5 bilhões, dos quais R$ 9 bilhões são recursos próprios e isso faz a economia rodar – diz o governador.
Mais voos
Com a perspectiva de crescimento do turismo e dos negócios, as companhias aéreas reforçam os voos para o aeroporto de João Pessoa.
A Latam, que operava de 8 a 20 voos semanais para a cidade, de Brasília ou Guarulhos, em 2023, elevou a média para 11 a 21 frequências.
A Azul, que faz mais de 200 viagens mensais para a capital paraibana, pretende aumentar o número de voos para abrir 3 mil novos assentos para a cidade, elevando para nove as conexões com outros aeroportos, incluindo o de Congonhas, em São Paulo, disse ao GLOBO Vitor Silva, gerente-geral de Malha, Planejamento e Alianças da Azul:
– João Pessoa já é um dos principais destinos turísticos do Nordeste.
Praias, resorts e… data centers
Outro tipo de projeto na região é o da Hostdime, que opera ali, desde 2017, um data center com capacidade de 3 megawatts. Agora, com a demanda de processamento da inteligência artificial (IA), a empresa vai iniciar em janeiro de 2026 a construção de uma nova unidade, que vai custar R$ 250 milhões e começa a operar em 2027 com até 15 megawatts.
Segundo o CEO da Hostdime, Filipe Mendes, a região tem chamado a atenção de empresas internacionais por não estar na rota de choques climáticos e ter vocação para a geração de energia limpa e barata:
– O Nordeste, em especial, tem terras em maioria áridas, de mais baixo valor. É possível criar data centers em terrenos mais baratos e ainda usar energia de fontes renováveis.
Maior complexo de energia solar da AL
A Rio Alto Renováveis opera desde 2017 uma usina solar no interior da Paraíba e agora constrói no estado o maior complexo do gênero da América Latina, que já recebeu R$ 1,4 bilhão e está perto de concluir sua primeira fase.
Rafael Brandão, diretor financeiro e sócio da empresa, diz que tem aumentado a demanda de data centers na região, como os que consomem muita energia para a mineração de criptomoedas.
As empresas de energia limpa têm a expectativa de alta na demanda com o crescimento do polo de Cabo Branco. É o caso do Ecoparque João Pessoa, um centro de produção de biogás a partir do lixo, que tem capacidade instalada de 5,7 MW e abastece cerca de 21 mil residências com energia a partir do processamento de 60 mil toneladas de resíduos sólidos.
– Planejamos novos investimentos, especialmente na produção de biometano e de combustível derivado de resíduos e na triagem de reciclados – diz Milton Pilão, CEO da Orizon Valorização de Resíduos, que gere o ecoparque.
Imóveis mais caros

Com mais oportunidades de trabalho, João Pessoa atrai mais moradores e aquece o mercado imobiliário. Os muitos terrenos ainda disponíveis dão lugar a arranha-céus aceleradamente. Ainda assim, a oferta é menor que a demanda.
Segundo o Índice FipeZAP, os preços dos imóveis subiram 15,54% só em 2024, a terceira maior taxa entre as capitais.
– A alta dos imóveis é assustadora. Um apartamento que custava R$ 180 mil em 2020 já custa mais de R$ 500 mil. A infraestrutura urbana básica de saneamento, em especial, esgotamento e drenagem, e a estrutura viária não têm mais capacidade — diz Andréa Porto Sales, professora do Departamento de Geociências da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e pesquisadora do Observatório das Metrópoles.
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Para ela, João Pessoa se encaixa no perfil de cidades que combinam incentivos governamentais, qualidade de vida e mercado consumidor promissor e por isso atraem tantos investimentos.
Ela destaca que o processo demorado de ocupação de “terras livres” contribuiu para a manutenção da qualidade de vida, o que atraiu muita gente e agora muda essa realidade.
Ao mesmo tempo em que encareceu, o estoque de imóveis ficou mais completo em João Pessoa, diz Cida Medeiros, CEO do Grupo Delta. A construtora entregou 498 unidades na cidade em 2023, 970 no ano passado e deve finalizar 1.350 neste ano.
Em 2025, a empresa percebeu um novo nicho e começou a investir em imóveis de classe média, o que não era muito comum na capital, segundo a executiva:
– A cidade passou a ter um volume de classe média. Antigamente, você vendia uma torre com apartamentos, salão de festas e piscina. Agora, todos os imóveis, do econômico ao alto padrão, precisam ter área de lazer com paisagismo. Automação também é importante, da caixa de som da área de lazer até o controle de iluminação na guarita da portaria.
‘Boom’ em 2024
Em 2021, a professora carioca Cleide Jeane, de 53 anos, foi passar alguns meses em João Pessoa, mas acabou ficando um ano. Ela sempre quis viver na cidade por causa das raízes paraibanas e, depois de anos tentando convencer o marido, trocou de vez o Rio pela capital paraibana em 2022.
Para ela, o interesse crescente pela cidade está ligado ao envelhecimento da população, que busca uma vida mais tranquila.
– É uma cidade grande que parece pacata. É isso que está atraindo as pessoas – resume.
No entanto, Cleide diz sentir mudanças mais intensas desde o ano passado. Ela vê com bons olhos o surgimento de pequenos negócios com mais moradores e turistas, mas avalia que os preços nos supermercados aumentaram. E vê que serviços públicos não acompanham o crescimento:
– Houve um boom na cidade no início de 2024. Vejo mais prédios sendo construídos, aumento do preço de casas de apartamentos. As UPAs (unidades de saúde) também estão cheias. As reportagens não falavam tanto de violência e agora falam muito mais.
Dados do Ministério da Justiça mostram alta de 3% no número de roubos de carro entre 2019 e 2024 no estado, por exemplo, enquanto o número de homicídios dolosos subiu 14,7% apenas na capital.
Fonte: https://oglobo.globo.com – Por Ana Flávia Pilar – São Paulo
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