Para fazer referência, mesmo que superficialmente, à religiosidade do povo de Cansanção, é necessário lembrar que éramos munícipes de Monte Santo, até 12 de agosto 1958, que tem vocação religiosa (entenda-se leiga), voltada para a Igreja Católica Apostólica Romana, amparada pela situação geográfica, que foi vista por Frei Apolônio de Todi, capuchinho italiano, pregador de missões, como semelhante ao Monte Sião, sendo assim, no alto do monte fincou a Santa Cruz, construiu a capela e para chegar até ela, construiu as estações que representam a Via Sacra. A Via Sacra de Monte Santo conduz os fiéis, turistas e peregrinos à Capela da Santa Cruz de Monte Santo e reúne, principalmente nas datas religiosas festivas, milhares de pessoas do próprio munícipio, dos municípios vizinhos e distantes, assim como de outros estados.
Temos registros da permanência no Arraial de Cansanção de padres franciscanos, por alguns dias durante a Guerra de Canudos, eles faziam parte do Comitê Patriótico e se instalaram nas poucas casas que ai encontraram, fazendo delas hospital, “residência”, igreja…
Por aqui passaram certamente, muitos missionários capuchinhos e franciscanos, algumas famílias, a exemplo de minha vó Joana PINHEIRO Xavier, era tataraneta de padre.
Durante as primeiras décadas do século XX, religiosos franciscanos vinham para catequizar a pequena população que aos poucos foi crescendo. Meus pais recebiam na nossa casa, padres que vinham para missões, e eu adorava porque ganhava uns presentinhos, a casa ganhava mais vida, minha mãe arrumava mais uma cozinheira para caprichar nas refeições e a casa se transformava.
A vida religiosa fazia, como ainda faz parte do nosso calendário, e a maior festa religiosa e profana de Cansanção, é a festa de julho, que é marcada por missas, festas, a quermesse em frente a Igreja, festas na praça com enorme palco onde se apresentam cantores e DJs tão animados, que deste ponto levam seu som a todos os recantos da cidade.
Não tinha padre em nossa Vila, eles costumavam vir uma vez por ano, quando muito, duas, então as ruas se enchiam de gente, o pessoal da zona rural vinha em peso, na carroceria de caminhão, de jegue, de burro, de cavalo ou a pé. Os freis e padres vinham para batizar, casar, celebrar missa, ensinar o evangelho e sobretudo ensinar a obedecer os 10 mandamentos da lei de Deus, para aqueles que temiam o fogo do inferno. Os padres traziam lindos terços (lembro que ganhei um pequenino, e minha Mãe um grande). Para vender, sobre uma mesa, na sala de visitas, uma variedade de terços, escapulários, medalhas, livros religiosos, o novo, o velho, testamento, missal, etc.
Eram as filhas de José Ambrósio Modesto, as senhoras mais religiosas de Cansanção, pertenciam ao Apostolado do Sagrado Coração de Jesus, que fora implantado pelo padre Berenguer, e conseguiu reunir fiéis, que zelavam pela igreja e recebiam medalhas para que eram usadas durante os eventos religiosos.
As irmãs modesto pertenciam portanto ao Apostolado da Oração, movimento criado por leigos católicos, com especial devoção ao Sagrado Coração de Jesus, a evangelização da família e fidelidade à igreja. Elas cuidavam da Capela de Nossa Senhora Santana, nossa Padroeira, usavam véu na cabeça, terço, missal, organizavam festas religiosas, novenas, procissões. Ainda lembro, nunca vou esquecer de dona Bela, indo à nossa casa pedir a minha mãe para arrumar minha irmã, Eleine, para sair vestida de anjo, em uma procissão… acho que foi a primeira e única vez que eu também quis ser anjo… mas não fui convidada… fiquei achando que era porque eu era já grandinha… mas depois eu vi que tinha outras grandinhas … entendi que talvez não existissem anjos negros…
Muitos eram os cidadãos da Vila de Cansanção que pertenciam às IRMANDADES, associações compostas de leigos com índole religiosa, que se uniam, com objetivo de prestar caridade, e sobretudo de cuidar para ter um funeral digno. Os irmãos eram organizados, tinham seus estatutos, com regras claras e construíam suas próprias igrejas, o estatuto era confirmado por autoridades da Igreja Católica e até monárquica.
Pesquisando um Livro de Receitas da Paróquia de Monte Santo encontrei nomes conhecidos de Cansanção que faziam parte das irmandades.
N°. 60 e 91: Domingos Manoel de Jesus (meu tio avô) família de minha mãe.
N°. 126: Juvêncio Cardoso da Costa
N°.71: Antônio Lopes de Souza
N°. 13: João Neves do Amarante
N°. 37: Cel. Joaquim José de Oliveira Cosme
N°.185: Lúcio José da Silva, (meu avô de “adoção”).
Estes e certamente muitos outros, pertenciam à irmandade da Santa Cruz e a do Santíssimo Sacramento de Monte Santo, todos eles tinham um número, e pagavam a joia anualmente ou mensalmente, quantia em dinheiro que lhes garantia, como seguidores dos preceitos e normas estabelecidas pelas Irmandades, o prestígio (dependia do valor que era pago), tendo eles o direito de ter o funeral pago pelas Irmandades quando seus pagamentos estivessem em dia, como consta nos livros da Paróquia.
No Livro de Receitas, dos anos 1907 a 1947, da casa Paroquial de Monte Santo, consta despesas relativas a compra de velas para a Capela da Vila de Cansanção.
Ainda alcancei padre Francisco Cesar Berenguer, certamente foi ele quem me batizou, vigário que chegou a Monte Santo para tornar-se pároco e monsenhor, em 1933, e como tal permaneceu por mais de 30 anos, (estas e outras informações foram pesquisadas no livro Raimundo Pinheiro Venâncio Filho).
A nossa capela branquinha, simples e linda, com seu cruzeiro em frente, como que abençoava a então pequena Vila, depois transformada em Cidade. O padre Berenguer vinha de Monte Santo a Cansanção para celebração de missas, batizados, casamentos, mas lembro sobretudo que ele vinha para celebrar a missa da festa de julho e para celebrar a missa do galo, e nesta ocasião, a luz que era gerada numa pequena usina e que costumava apagar às 22 horas, depois da novela do rádio, só viria a apagar depois da missa da meia noite, depois que ele entrava no seu carro para retornar a Monte Santo. Seu Macário, pai do Mundinho, o usineiro, o Leonor e o Hubert certamente também fizeram isto, então eram eles quem tinham o poder de acender e apagar a luz, naqueles idos anos de Padre Berenguer, que nunca vi, mas muito ouvi falar. (Farei depois algumas correções, já de praxe).
VEJAM OUTRAS FOTOS QUE ILUSTRAM ESTE REGISTRO
Fonte: Iolanda Damasceno Dreschers – O Texto foi mantido fielmente como escrito.
Blog do Florisvaldo – Informação Com Imparcialidade – 08/03/2019