Vivemos um tempo de incertezas e inquietações no Brasil. Muitos se perguntam sobre os rumos da República, sobre a eficácia do sistema presidencialista, a qualidade do voto popular e os reflexos dos inúmeros processos judiciais envolvendo ex-presidentes da República. Vendo a sociologia, enquanto ciência que estuda a sociedade em sua complexidade, pode ajudar a compreender melhor esses fenômenos.
O que se passa na República Brasileira?
A República brasileira atravessa uma crise de legitimidade. Instituições políticas, partidos e lideranças sofrem com um profundo desgaste de credibilidade. Esse cenário é alimentado por escândalos de corrupção, polarização extrema e pela dificuldade em transformar as promessas da democracia em benefícios concretos para a maioria da população. O que se passa, em termos sociológicos, é uma disputa constante por hegemonia entre grupos políticos e econômicos que se apresentam como representantes do “povo”, mas que frequentemente reproduzem as desigualdades históricas do país.
O sistema presidencialista está errado no Brasil?
Não se trata de o sistema estar “errado”, mas sim de como ele é operacionalizado no contexto brasileiro. O presidencialismo, em tese, garante estabilidade e concentração de liderança no chefe do Executivo. No entanto, no Brasil, essa forma de governo é atravessada pelo chamado presidencialismo de coalizão, em que o presidente depende de múltiplos partidos no Congresso para governar. Esse arranjo, somado ao grande número de siglas sem identidade programática clara, gera barganhas políticas que fragilizam a governabilidade. O problema, portanto, não está apenas no sistema, mas na cultura política marcada pelo personalismo e pelo clientelismo.
O brasileiro não está sabendo votar?
A ideia de que “o povo não sabe votar” é, em parte, uma simplificação injusta. O voto é sempre um reflexo das condições sociais, econômicas e culturais da sociedade. Em um país marcado por desigualdade educacional, desinformação, fake news e baixa formação política, a escolha eleitoral é frequentemente moldada mais pela emoção e pela identificação com líderes carismáticos do que por projetos de nação. Portanto, não é que o brasileiro não saiba votar, mas que vota dentro dos limites impostos pelo contexto em que vive.
Presidentes condenados e impeachments: o que isso revela?
Nos últimos 40 anos, quatro presidentes da República enfrentaram condenações ou processos de grande impacto: Fernando Collor, Michel Temer, Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro. Além disso, dois presidentes eleitos sofreram impeachment:
Fernando Collor (1992), acusado de corrupção, renunciou antes do julgamento final, mas teve seus direitos políticos suspensos.
Dilma Rousseff (2016), afastada por manobras fiscais conhecidas como “pedaladas”, em um processo altamente politizado que dividiu o país.
Esses episódios expõem tanto a fragilidade da governabilidade quanto a intensa judicialização da política no Brasil. Por um lado, pode-se interpretar como sinal de que a democracia brasileira não é conivente com abusos de poder. Por outro, também há a percepção de que instrumentos como o impeachment ou a ação penal se tornam armas políticas em disputas partidárias.
Esse fenômeno reforça uma questão sociológica central: a instabilidade política no Brasil não decorre apenas de crimes ou falhas individuais de governantes, mas de um sistema que combina fragilidade institucional, polarização social e práticas históricas de poder que dificultam a consolidação de uma democracia estável.
O que esperar após o julgamento da Ação Penal nº 2668? DF
O julgamento da Ação Penal nº 2668, que envolve diretamente a responsabilização de agentes políticos e decisões de grande repercussão, será mais um capítulo dessa longa novela em que política e justiça se entrelaçam. O futuro do Brasil dependerá de como a sociedade reagirá: se com apatia, resignação ou com mobilização crítica por instituições mais transparentes e democráticas. Esperar apenas do Judiciário uma “solução” é ilusório. A transformação depende de uma cidadania mais consciente, de reformas estruturais no sistema político e de um pacto social que recoloque o interesse público acima das disputas de poder.
Considerações finais
Isto nos nos mostra que a crise atual não é apenas conjuntural, mas estrutural. Ela está enraizada em nossa história de desigualdade, patrimonialismo e fragilidade institucional. O Brasil não está condenado ao fracasso, mas precisa de um processo profundo de amadurecimento democrático. O futuro dependerá menos de julgamentos isolados e mais da capacidade coletiva de reinventar a política, fortalecer a cidadania e construir um projeto de país que vá além de líderes carismáticos ou de disputas momentâneas.
Blog do Florisvaldo – Informação Com Imparcialidade
7 Comentários
Na verdade, a hipocrisia da política brasileira é ser alimentada por pessoas corruptivas e de baixa competência ligada a falta de compromisso com os seus eleitores. A pior farsa de todos os tempos é saber que quem entra em qualquer esfera legislativa, seu caráter é voltado a interesse pessoal e não coletivo.
BELA REFLEXÃO . PONTUOU CADA SITUAÇÃO COM PROPRIEDADE. BELO ARTIGO QUE PASSA POR TODAS AS SITUAÇÕES DEMONSTRANDO QUE TEM ALGO FORA DO LUGAR… É PRECISO CORRIGIR O ERRADO, E AS DISTORÇÕES Politicamente INCORRETAS.
Artigo de opinião, “navegou” na República do café com leite, até os dias de hoje. O Brasil hoje já tem o seu 11 de setembro. O Brasil atravessa 2025, em um momento político marcado por alta polarização, forte tensões institucionais, e mobilizações sociais. Acredito que isso vai mudar com a justiça sendo feita a partir desse julgamento. Viva a democracia, viva o STF!
Belíssimo texto, amigo! Além da análise corretíssima das diversas situações, você ilustrou tudo isso citando exemplos que hoje fazem parte da história brasileira. Meus cumprimentos! (Salvador-BA).
Florisvaldo, o seu Blog tem trazido reflexões essenciais sobre a realidade que enfrentamos no país.
Na minha longa trajetória, tanto na militância política quanto como cidadão, confesso que fico estarrecido ao ver uma nação da dimensão do Brasil ter sido governada, ao longo dos últimos 40 anos, por pessoas cujas intenções e objetivos a própria história já desmascarou — e isso está comprovado pelos atos e ações que praticaram, sempre sob a complacência daqueles que deveriam ser os guardiões da nossa Constituição.
O que sinto, como parte deste povo, é que vivemos coagidos, reféns de um “sistema democrático” que parece funcionar de forma desigual, sempre favorecendo apenas um lado. Diante disso, não posso deixar de me questionar: que país é este?
E mais: até quando vamos continuar assistindo de camarote, em silêncio, sem reagir?
Florisvaldo, o artigo faz com que o leitor reflita sobre o momento.
No meu caso, me senti inserido no contexto do seu pensamento quando escreveu: “A transformação depende de uma cidadania mais consciente, de reformas estruturais no sistema político e de um pacto social que recoloque o interesse público acima das disputas de poder.”
Fala, Mestre Florisvaldo!.
Seu seu raciocinio, na minha opinião e totalmente válido os tópicos abordados no seu artigo, sobretudo no que se refere a duas questões, que pra mim são norteadoras para se discutir e tentar entender os limites da nossa democracia liberal burguesa, são elas: a estrutura política, raiz máxima dos nossos problemas e a expressão máxima da democracia que é a questão eleitoral. Se por um lado a democracia nos permite uma alternância de poder, por outro lado o modo como os poderes se estruturam não permitem que haja de fato uma reforma que possa possibilitar maior participação popular e mudanças reais que mudem a vida da população. De José Sarney até o atual governo Lula o que temos é um sistema econômico político norteado pelo neoliberalismo que colocam os interesses econômicos da burguesia acima dos interesses sociais. Do ponto de vista técnico entra governo e sai governo e a lógica, de maneira proposital, continua a mesma, com algumas ressalvas, mas nada de uma reforma política de fato. Outro ponto é que o sistema eleitoral é capitaneado e financiado pelas grandes corporações, o que nos leva o questionamento se existe de fato uma liberdade de voto, uma vez que quem tem mais dinheiro compra os meios de comunicações e, portanto, influência o voto das pessoas.
Sobre a Ação Penal nº 2668, eu gostaria de enfatizar que se tratando de Brasil foi um dia histórico pelo seguinte motivo.
O Brasil é o único país da américa do sul que não puniu NENHUM dos militares torturadores da época da ditadura civil empresarial militar, ou seja, anistiou todos os militares envolvidos num dos maiores crimes da nossa república. Pela primeira vez tivemos militares condenados por tentativa de golpe de estado, o que para nossa democracia, com os todos os problemas que podemos discutir e apontar, é um avanço.
Caike – São Paulo