Sinforosa Lírio de Souza trouxe ao mundo, mais precisamente a Bahia, 4.279 crianças desde que se lançou ao ofício de parteira, aos 45 anos de idade. O número de crianças que aparou equivale a 17% da população atual de Queimadas, sua cidade natal, localizada a 328 km de Salvador. Graças a esta façanha, Sinforosa deu seu nome a um largo, uma praça e ao posto de saúde da sede do município. Ao morrer, aos 80 anos, sua filha Raimunda que já seguia seus passos, fazendo partos. Depois, teve a mesma trajetória na política, elegendo-se vereadora. A diferença entre as duas é que a filha nunca fez a contagem de quantas pessoas ajudou a nascer.
A carreira de Sinforosa começou aos 45 anos, em 1933, quando a parteira Joana morreu e sua comadre Maria não tinha com quem se socorrer. As primeiras cinco crianças que “pegou” foi escondido do marido. Foi o médico Benjamim Sampaio de Mendonça, que viera de Itiúba para trabalhar na cidade, que a chamou para trabalhar como “enfermeira”. Viúva, com nove de seus 14 filhos vivos, ela resistiu. A insistência de Mendonça lhe dobrou. E Sinforosa ganhou um livro sobre parto, comprado em Salvador, para se aperfeiçoar.
– Ela olhava uma barriga e sabia se a criança vinha de cabeça, de nádegas. Mandavam chamar ela em Santa Luz, Itiúba e Juazeiro. Para aqueles que precisavam, ela levava fraldas. Além disso, aplicava injeção como ninguém –, conta Raimunda.
Ao ser derrubada e pisada por um boi quando ia para missa, Sinforosa, começou a definhar. Aos poucos, a filha foi ocupando seu lugar.
– Era um ofício que eu detestava. Peguei o primeiro quando eu tinha 33 anos. Depois passei a adorar fazer partos. Tinha época que eu ficava doida para fazer um. Cheguei a fazer cinco em uma só noite -, diz.
Em toda sua trajetória, ela nunca perdeu uma criança, mas três mulheres morreram de complicação pós-parto. Raimunda ressalta que todas tiveram assistência médica:
– Uma tinha problema no pulmão. A outra teve parada cardíaca horas depois de parir. A terceira, eu não sei o que houve.
A casa da família Lírio, no centro de Queimadas, ficava ao lado de um imóvel que foi transformado em uma espécie de maternidade, com a ajuda da igreja. Com o passar do tempo, Raimunda soube que por não ter diploma, seu ambulatório, tachado como clandestino, seria fechado. Foi aí que resolveu fechar o local e parar de ser aparadeira.
– Se aparecessem 10 médicos, se fizessem uma junta médica, eu fazia um parto sozinha na frente deles para mostrar que sabia. Mas como queriam fechar, resolvi fechar antes deles. Um dia, quando parei, o pessoal da igreja me fez uma visita. Falaram que eu estava diferente. E eu respondi que minha missão tinha sido interrompida.
Raimunda passou a cuidar de idosos em sua própria casa. Se antes ajudava as pessoas a entrar na vida, passou a acompanhá-las na travessia para a morte. Quatro delas morreram em seus braços.
Hoje, aos 80 anos, solteira e sofrendo de catarata no olho esquerdo, “mãe” Raimunda vive e cuida de uma idosa diabética. Também cria 20 gatos e um cachorro. Ela se define como uma pessoa alegre, que gosta de dançar e brincar com os jovens. Gosta de beber qualquer coisa, incluindo cachaça e vodca. Se fosse possível, gostaria de voltar a ter 50 anos.
Toda alegria, no entanto, vai embora ao lembra-se do assassinato de seu filho de criação:
– Criei um menino e aos 31 anos tiraram a vida dele. Diziam que ele era errado. Mataram ele numa blitz. E eu entreguei tudo na mão de Deus. Se não fosse isto, o senhor não me achava triste. Adoro a vida -, diz ela, chorando.
Fonte: Paulo Oliveira
Blog do Florisvaldo – Informação Com Imparcialidade – 15/05/2016