Ave típica da Bahia e que estava extinta da natureza, ararinha-azul volta à Caatinga após 20 anos – Há mais de duas décadas extintas da natureza, ararinhas-azuis nascidas em viveiros são soltas no sertão baiano – Espécie é endêmica da cidade baiana de Curaçá. Soltura deste sábado faz parte do projeto de reintrodução da espécie na natureza.
Há mais de duas décadas extintas da natureza, ararinhas-azuis nascidas em viveiros são soltas no sertão baiano
Espécie é endêmica da cidade baiana de Curaçá. Soltura deste sábado faz parte do projeto de reintrodução da espécie na natureza.
Oito ararinhas-azuis (Cyanopsitta spixii) ganharam vida livre neste sábado (11), em Curaçá, no sertão baiano. A cidade que fica no norte do estado é o habitat natural da espécie, que foi considerada extinta da natureza há 22 anos.
A soltura é uma das etapas do Plano de ação Ararinha-Azul, coordenado pelo Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), e parceria com a ONG ACTP e instituições privadas que apoiaram o projeto.
A ação de soltura foi restrita a pesquisadores envolvidos no projeto e representantes do Ministério do Meio Ambiente, Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) e da Prefeitura de Curaçá.
As ararinhas soltas neste sábado são cinco fêmeas e três machos que nasceram e foram criadas em um viveiro mantido pela ONG alemã Association for the Conservation of Threatend Parrots (ACTP), especializada em cuidar de papagaios ameaçados.
Com elas, foram soltas oito araras maracanãs, que também ocorrem caatinga baiana, e que tiveram a missão de “treinar” as ararinhas-azuis dentro do viveiro para ensiná-las como sobreviver em vida livre. A interação entre as aves das duas espécies animou os pesquisadores.
“As maracanãs ensinaram às ararinhas como faz a apreensão dos alimentos e essa interação do ambiente que elas estão ao redor. Por exemplo, as maracanãs de fora começaram a habitar o recinto onde as ararinhas estavam em grupo e isso ajudou bastante na readaptação delas. Inclusive, a se adaptar com os itens alimentares que elas vão encontrar aqui na caatinga”, explicou Camile Lugarine, analista ambiental e coordenadora executiva do Plano de Ação Nacional Para a Conservação da Ararinha-Azul.
Os pesquisadores vão acompanhar a adaptação das ararinhas em vida livre por meio de um rádio colar que foi instalado em todas que foram soltas. Além disso, vai ser feito o monitoramento constante área em que elas devem circular, que tem muitas árvores caraibeiras, as preferidas das ararinhas-azuis para dormir.
Uma outra soltura está programada para dezembro desse ano, quando outras 12 ararinhas-azuis que vivem na Unidade de Conservação em Curaçá devem ganhar vida livre. Até lá, os pesquisadores esperam já ter bons resultados da soltura experimental, feita neste sábado.
O projeto prevê que ararinhas sejam soltas na natureza em Curaçá nos próximos 20 anos. Para isso, elas vão continuar a reprodução em viveiros na Alemanha e no Brasil, e espera-se que logo estejam se reproduzindo no habitat natural.
Da extinção à soltura
Endêmica de Curaçá, a última ararinha-azul foi vista na zona rural da cidade há mais de 20 anos, na companhia de uma fêmea de outra espécie, a arara Maracanã, e depois sumiu.
Até hoje não se sabe ao certo o que aconteceu com a última ararinha-azul vista em Curaçá, no sertão baiano, único lugar de ocorrência da espécie em vida livre.
Os pesquisadores atribuem a extinção da espécie principalmente ao tráfico de animais e à destruição de parte do bioma da Caatinga.
Ambientalistas e pesquisadores trabalham juntos desde 2009 no projeto de reintrodução das ararinhas na natureza. Em 2012, foi criado o Plano de Ação para Conservação da Ararinha-Azul (PAN), que inclui a reintrodução dessa rara ave brasileira no território de origem.
“É um ato simbólico que representa muita coisa. Representa um progresso muito grande de conservação, que a gente acredita que a gente pode recuperar as espécies em extinção e a ararinha-azul ela representa isso. Esse projeto representa o que a gente biólogo e os amantes da natureza fazem em prol da conservação, que a gente faz isso com paixão, isso é o mais gratificante”, disse Eduardo Araújo Barbosa, coordenador do PAN Ararinha-Azul (ICMBio).
O trabalho do plano de ação começou com o rastreamento das últimas ararinhas-azuis que existiam no mundo, todas em cativeiros. A maior parte dela, segundo os pesquisadores, foi encontrada no Catar.
Mais de 100 foram resgatadas e levadas para o viveiro da ONG alemã ACTP, no país europeu. Na instituição, as ararinhas passaram por um processo de reprodução natural e também reprodução artificial, para então alguns exemplares serem trazidos para o Brasil. Hoje, existem pouco mais de 200 ararinhas-azuis no mundo, a maior parte delas na Alemanha.
“Foi desafiadora a questão genética. Pelo baixo número de indivíduos, normalmente, eles são parentes, e a população precisa de variabilidade genética, e os casais, às vezes, não têm afinidade. Então, a gente precisou lançar muito de um recurso que é a inseminação artificial, que permitiu para a gente parear animais, do ponto de vista artificialmente falando, para reprodução. E foi o que permitiu prosperar essa população em cativeiro”, explicou Eduardo Araújo.
Depois de um acordo de Cooperação Técnica entre ICMBio, do Ministério do Meio Ambiente (MMA), e a ONG alemã ACTP, mais de 50 ararinhas-azuis foram repatriadas e trazidas para o Brasil em 2020.
Elas foram levadas direto para um centro de reprodução foi construído em uma área isolada na zona rural de Curaçá para receber as ararinhas. No recinto, nasceram filhotes da espécie em março do ano passado.
O acesso ao local é restrito a pesquisadores da ONG alemã ACTP e do ICMBio. No entorno, foi criada a uma Área de Proteção Ambiental (APA) de 90 mil hectares e um Refúgio de Vida Silvestre da ararinha-azul, com 30 mil hectares.
Antes da soltura, uma força-tarefa na região preparou o perímetro que deve ser ocupado pelas ararinhas. Árvores com possíveis riscos de predadores receberam marcações, outras foram escolhidas para receber alimentadores que vão ser abastecidos pelos pesquisadores para garantir a nutrição das ararinhas fora do viveiro.
A soltura deste sábado foi feita no esquema soft release ou soltura branda. As portas do recinto aonde as ararinhas estavam foram abertas e elas podem voltar e sair novamente quando quiserem.
Os pesquisadores e ambientalistas também instalaram alimentadores na área em que as ararinhas devem ficar inicialmente, que vão ser abastecidos diariamente nessa primeira etapa de soltura.
“Os alimentadores ficam bem perto da onde elas vão ser soltas porque a nossa intenção é que elas ocupem aquele sítio porque é mais fácil de monitorá-las, e, além disso, a independência delas do ser humano ela vai ser gradual. Quanto mais longe elas for, mais fácil de ser predada ou pega por alguém. Então, quanto mais perto do recinto de soltura ela ficar, melhor”, detalhou Camile Lugarine.
Como sempre viveram em cativeiro, a adaptação delas ao habitat natural deve durar de 6 meses a um ano, elas vão se tornar independentes da ajuda humana aos poucos.
“Por isso que a gente está usando a maracanã, que é uma espécie que já conhecem o ambiente e a gente vai suplementar com o alimento ao longo dos anos, pra que elas aos poucos se acostumem com aquele ambiente e possam sair daqui propriamente, que elas não saiam de vez e não consigam se adaptar. É uma adaptação longa mesmo”, explicou Cromwell Purchase, diretor da ONG alemã ACTP.
A torcida é para que ararinhas se reproduzam naturalmente ao longo dos anos. “Que as gerações futuras elas possam vir já mais independentes dos ser humano, mas essa geração, essa eu a gente tá soltando a gente quer que fique perto, porque é mais fácil da gente monitorar, é mais seguro pra elas e mais seguro contra predadores também”, afirmou Camille.
As ararinhas-azuis são símbolo da caatinga baiana e trazem e, além de fazerem parte do rico bioma, também geram renda para a população através do turismo, pesquisa e artesanato. Por isso, o trabalho de conscientização da população para a importância da reintrodução da espécie e preservação delas também foi reforçado.
“A volta da ararinha-azul ao céu do sertão baiano é um sinal de esperança e recomeço para os pesquisadores e toda a comunidade da região, pois a conservação da espécie ajuda a proteger a fauna e flora da caatinga, além de todos os outros serviços ambientais associados”, afirmou Ugo Vercilo, biólogo que participou das etapas do projeto de reintrodução e, hoje, diretor-técnico da BlueSky Caatinga, empresa parceria da ação.
Os moradores da região estão animados para ver a beleza das ararinhas no céu do sertão. Uma delas é a brigadista Damilys Oliveira. “Toda essa história da ararinha eu cresci vendo meu avô contar, ele acompanhou tudo: desde quando tinha bastante ararinha até quando ficou um exemplar e a espécie sumiu. Ele sempre foi um defensor da natureza e ensinou aos filhos e netos a preservarem a natureza”, contou.
Antes do avô morrer doou parte do terreno da família da fazenda para um projeto voltado para trabalhos de preservação das aves da região. O sonho de Damilys, agora, é ver as ararinhas livres.
“Brevemente eu vou tá em casa e vou ver o céu mais azul do que já é, com as ararinhas-azuis novamente livres na natureza”, disse, emocionada.
Emoção também para Marcos Freitas, zoólogo e fiscal do ICMBio que fez o lendário registro do último macho da ararinha-azul voando livre no sertão de Curaçá.
“Hoje é um dia histórico para conservação mundial das espécies ameaçadas de extinção e das extintas. Quando a espécie é extinta da natureza, ela deixa de fazer parte do ecossistema, deixa de contribuir com o equilíbrio ecológico. Hoje eu volto aqui, 23 anos depois, ao Riacho da melancia, onde eu trabalhei num estágio de férias com o último macho da ararinha-azul que era pareado com uma maracanã. Era um desespero, uma espécie que estava beirando a extinção, como chegou a ocorrer”, disse Marcos, em vídeo enviado ao g1.
Ele atua no país inteiro, mas, neste sábado conferiu a soltura de aves da espécie, na Bahia, em uma área próxima ao recinto.
“Vinte e três anos depois, mesmo não podendo ver o momento da soltura, eu posso me emocionar um pouco. Eu consegui ver alguns indivíduos que estão marcados com rádio telemetria, que são alguns indivíduos da maracanã que estavam colocados juntos com a ararinha”.
Curiosidades
F 9– A Ararinha-Azul é a menor das araras (em comparação com a Arara-Azul grande e a Arara-Azul-de-Lear), tem apenas 55 cm e pesa, em média, 350g;
– O nome científico Spixi dá uma pista da cor das penas dessa ave, que tem um azul mais claro, quase acinzentado;
– As ararinhas-azuis podem viver por 30 anos. Elas entram em fase de reprodução aos 4 e só param aos 24;
– As ararinhas são bastante barulhentas, principalmente quando ficam assustadas. As que foram soltas em Curaçá, como estavam em um cativeiro, não são muito “amigas” do homem;
– Elas gostam de viver em grupo, principalmente fora do período de reprodução.
– As ararinhas costumam se alimentar no início da manhã e no final da tarde;
– Elas têm 14 itens alimentares, gostam muito de sementes, principalmente do pinhão e fruto de favela;
– Os predadores das ararinhas são os saruês, morcegos, abelhas europeias, africanizadas, serpentes e aves de rapina, como o gavião;
– As ararinhas acasalam no período reprodutivo, produzem os ovos. Em seguida, tem a incubação, que ocorre em média durante 26 dias. Os filhotes levam aproximadamente 90 dias para sair do ninho;
– O período reprodutivo das ararinhas-azuis acontece normalmente entre novembro e maio, quando Curaçá registra chuva;
– As ararinhas-azuis tem um comportamento afetuoso e de proteção com os filhotes, enquanto eles estão nos ovos. A fêmea incuba os ovos durante a maior parte do tempo e o macho fica próximo ao ninho, de olho na família;
– Os filhotes são incentivados pelos pais a caçar o próprio alimento. Com a chegada da maturidade, se tornam ainda mais independentes. As ararinhas querem que os filhos aprendam logo a deixar o ninho, porque enquanto estão no local, é o momento que eles mais sofrem riscos de predações;
– As ararinhas-azuis podem viver por 30 anos. Elas entram em fase de reprodução aos 4 e só param aos 24;
– As ararinhas são bastante barulhentas, principalmente quando ficam assustadas. As que foram soltas em Curaçá, como estavam em um cativeiro, não são muito “amigas” do homem;
– Elas gostam de viver em grupo, principalmente fora do período de reprodução.
Fonte: https://g1.globo.com – Por Lílian Marques, Mauro Anchieta e João Souza, g1 BA e TV Bahia
Blog do Florisvaldo – Informação Com Imparcialidade – 12/06/2022