Por: Florisvaldo F. dos Santos
No coração do sertão baiano, localizada na Rua São Miguel s/n, popularmente conhecida como “Beco da Faca”, onde o tempo insiste em caminhar devagar e a poeira da estrada ainda se mistura ao cheiro de café torrado, resistiu, por mais de cinquenta anos, um pedaço da história: a Venda do Seu Jonas.
Poderiam chamar de bodega, armazém ou simplesmente “a venda”. Para muitos, era mais que um ponto de comércio; era ponto de encontro, era pouso de conversas, era porto seguro dos sertanejos que ali chegavam, vindos da roça, chapéu de couro na cabeça e a confiança no coração.
Seu Jonas, homem de palavra e olhar firme, nunca precisou de computador, máquina de cartão ou boletos programados. Negócio ali se fazia no “fio do bigode”, na confiança que não se compra em prateleira. E se, por acaso, houvesse um fiado, ficava registrado na ponta de um lápis, num caderno gasto ou até num pedaço de papel pregado na parede. Nada de senha, aplicativo ou senha de banco. Era olho no olho.
E o que se encontrava naquela venda? Entre “secos e molhados”, tudo o que o sertanejo precisava para sua lida. Não havia espaço para as novidades reluzentes da modernidade, mas sim para a força bruta e necessária dos objetos que sustentavam a vida no campo: enxadas, facões, cangalhas, cabrestos, esporas, candeeiros e pavios. Na prateleira, ao lado, o cheiro forte do fumo de corda dividia espaço com o rapé, o café, o feijão e a farinha. Panela de barro, mel de abelha e até o badogue, companheiro da meninada, completavam o estoque que parecia infinito.
Era simples, rústico e verdadeiro. Talvez por isso tenha atravessado as décadas sem se curvar à palavra “crise” que tanto atormenta o comércio moderno. Na venda do Seu Jonas, fornecedor recebia na hora, em dinheiro vivo, sem atraso, sem enrolação.
Mas neste setembro de 2025, o sertão ficou mais silencioso. Partiu Jonas Barbosa de Jesus, levando com ele não apenas a história de uma bodega, mas o símbolo de um tempo em que a vida era mais direta, menos cheia de números e burocracias. Ficaram as prateleiras, a caderneta e, sobretudo, a lembrança de um homem que construiu seu nome na honestidade e no respeito.
Agora, os olhos da clientela – homens e mulheres de mãos calejadas e fé inabalável – se voltam para Leonardo (o Brizola como os fregueses o chamam), herdeiro desse legado. Espera-se dele não apenas a continuidade do comércio, mas a preservação de um jeito de viver que já não se fabrica mais.
Porque, no fundo, a Venda do Seu Jonas não era apenas um lugar de compra e venda. Era memória viva de um sertão que resiste, feito sisal no sol quente: firme, forte e cheio de dignidade.

Vejam alguns dos produtos comercializados na Venda do Seu Jonas:
Fotos – Crédito: Laureni Gomes e Val Acavam – Arquivo pessoal
Blog do Florisvaldo – Informação Com Imparcialidade
6 Comentários
Boa noite seu Florisvaldo! O Sr. me deixou sem palavras, já meio abalada e o senhor mim envia um texto tão comovente como este que mim proporciona boas lembranças mim levou no túnel do tempo, agradeço por tamanha amizade, consideração, reconhecimento dos seus princípios . Lendo aqui e muito emocionada. Parabenizo pelo talento que o senhor tem pra desenvolver um texto tão lindo e memorável como este, não é atoa que o senhor é um cronista, muito bom. Tudo indica que o senhor deve ter tido boas notas em suas disciplinas Só tenho que agradecer pelo seus relatos considerações com meu pai, realmente ele deixou um legado de amor, amizade, humildade, honestidade , extrovertido acima tudo de um ser humano exemplar que se importava com o próximo sempre querendo ajudar, era o que ele tinha de mais bonito era a seu caráter e humildade. Encerro minhas palavras COM MEU MUITO OBRIGADO MEU PAI, VOCÊ MIM FEZ A PESSOA MAIS FELIZ. Autorizo super -autorizo pois a família ficou lisonjeada por seu gesto de carinho, solidariedade, e condolências. GRATIDÃO!
Uma homenagem mais que justa pelas qualidades aqui descritas. Como sempre digo: os bons indo embora.
Florisvaldo, ao ler sua crônica me veio à memória um “causo” daqueles que só o sertão sabe contar, envolvendo o famoso Cacú — homem sabido, inventador de tudo quanto é engenhoca para tirar uns trocados — e o velho e querido Seu Jonas.
Diz o povo que, certa feita, Cacú apareceu na venda carregando uns berimbaus que tinha fabricado com suas próprias mãos. Chegou oferecendo ao Seu Jonas:
— O senhor não quer comprar uns berimbaus, não?
Seu Jonas, homem prático, olhou, coçou o queixo e respondeu de pronto:
— Quero nada, meu filho! Isso aí não vende a ninguém, não.
Mas Cacú não era de desistir fácil. Malandro que só ele, arrumou um bando de meninos da rua e combinou: cada um ia entrar na venda, de tempos em tempos, e perguntar se tinha berimbau pra vender.
Não deu outra. Dez minutos depois, lá chegou o primeiro garoto:
— Seu Jonas, tem berimbau?
— Tem não, meu filho.
Pouco depois apareceu o segundo, com a mesma pergunta, e a mesma resposta. Mais adiante o terceiro, e depois o quarto… e assim foi quase o dia todo.
Seu Jonas, vendo aquela procura danada, começou a pensar: “Rapaz, parece que esse tal de berimbau é coisa boa de se vender!”. E não deu tempo a pensar muito, foi logo atrás de Cacú:
— E aqueles berimbaus que tu tinha?
— Estão aqui, seu Jonas!
— Pois então, me venda todos!
Comprou, pagou, e encheu a prateleira da venda com os tais instrumentos. Só que a procura sumiu de repente, como vento que passa. E dizem que até hoje, se procurar bem nos cantos da venda, ainda se encontra um berimbau encostado, testemunha da esperteza de Cacú e da boa-fé de Seu Jonas.
História que o povo conta e que nunca se apaga da memória.
José Reinaldo – Cócó
Historia linda de se ler.
Deixou um grande legado.
Seu Jonas, homem integro, honesto e cheio de qualidades que atualmente falta nessa geração de agora.
Vai deixar saudade eterna.
Eu creio que esta sinceridade e poucas pessoas que acredita ainda numa palavras pela um aperto de mão era olho nu olho era tempo bom.
Bom dia Florisvaldo!
Muito bonito esse relato do bom amigo Jonas, homem que acreditava nas pessoas, como foi no causo dos berimbaus, relatado por José Reinaldo (Cócó).
Agradeço a sua presença a través do seu Blog.