Desde que começou a mais recente crise social, política e econômica brasileira, tenho tido certa dificuldade em manter uma conversa amigável com as pessoas sobre… política. Sentindo, no entanto, que a tendência das pessoas de partidarizar a questão, e de polarizá-la, era tamanha, tomei uma atitude bem drástica: saí de todos os grupos de discussão que participava e deixei de seguir dezenas de colegas e pessoas conhecidas nas redes sociais.
Percebi que muitas pessoas, sem obviamente generalizar, além de nivelar as questões políticas mais importantes por baixo, pelo que ouviu dizer, suas constantes tentativas de distorcer completamente as informações, sempre que podiam, descambavam para um festival de achismos e… bem, é melhor deixar pra lá. Vamos ao que realmente importante.
Felizmente, de vez em quando, me aparecia uma mensagem interessante entre um monte de lixo tóxico, de ódio constante. E foi inspirado em umas dessas mensagens, recebida nesses aplicativos de mensagens instantâneas, pena não saber a origem, que encontrei inspiração para criar esse texto. Bem no dia 24 de Janeiro de 2018. Um dia, sem sombra de dúvidas, emblemático na recente história do nosso país.
Quando houve o processo de impeachment contra a ex-Presidenta Dilma Roussef (PT), embora eu sentisse manter minha posição política sólida a respeito do assunto, confesso que tive dificuldade de me expressar. Como dito, as pessoas nas redes sociais tem a mania de partidarizar nossas opiniões, elas pensam que se nós pensamos assim, ou assado, então temos que ser etiquetados. Mas, com o julgamento do recurso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, junto ao TRF-4, o mimimi sobre o assunto vocês todos já sabem, creio me sentir mais seguro para escrever a respeito do que penso sobre a recente linha do tempo da incipiente e frágil democracia brasileira.
Constituições sob demanda
Em um intervalo de aproximadamente apenas 120 anos, o Brasil teve sete constituições federais: iniciando em 1824, durante o Brasil Império; 1891 (Brasil República); 1934 (Segunda República); 1937 (Estado Novo); 1946, 1967 (Regimes Militares); e 1988. É como se tivéssemos uma nova constituição a cada duas décadas. Ou seja, passam-se vinte anos e lá vamos nós escrever uma nova Constituição que caiba nos nossos sonhos. Creio que, após tantas redações tentando constituir uma base sólida em nosso país, em um intervalo tão curto de tempo, mesmo com todas as transformações sociais, já deveríamos ter aprendido algo sobre como fazer e manter uma Constituição. Só que não. As constituições brasileiras são reescritas ao sabor dos tempos. Talvez seja por isso que o poeta tenha afirmado que “ninguém respeita a Constituição”.
Em um intervalo de aproximadamente 80 anos, nós tivemos em nosso também frágil sistema econômico ao menos nove, nove moedas oficiais: Réis (até 1941); Cruzeiro (1942); Cruzeiro Novo (1967); Cruzeiro (1970); Cruzado (1986); Cruzado Novo (1989); Cruzeiro (1990); Cruzeiro Real (1993) e o Real (1994). É como se a cada oito anos e meio nós tivéssemos uma nova moeda. Parece que nenhum indexador interno, como foi o caso da Unidade Real de Valor (URV), que foi base para a institucionalização do Plano Real, antes e durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, foi suficiente para fazer frente ao nosso verdadeiro indexador financeiro: o dólar.
E esses são os vários lados de uma mesma moeda
Mas não é só de escrever constituições, e imprimir novas moedas, a cada uma ou duas décadas, que vive o Brasil. O poder legislativo brasileiro também se mostra frágil frente às intempéries tupiniquins. O nosso tão aclamado Congresso Nacional, por exemplo, foi fechado, em um intervalo de aproximadamente 120 anos, seis vezes: em 1891; de 1930 a 1934; de 1937 a 1946; em 1966; e, de novo, de 1968 a 1969; e, finalmente, em 1977. Recentemente ouvimos rumores da ala mais conservadora do país de que haveria um novo projeto em andamento para fechar mais uma vez a casa que deveria ser o alicerce da democracia, mas que se tornou a vergonha do nosso país.
Tudo isso sem falar nos seis golpes de estados que a nossa tão jovem República sofreu. Na verdade, se pararmos para pensar, a república brasileira nasceu de um Golpe de Estado, em 1889. E nos intervalos de 1930 a 1934; e de 1937 a 1945; em 1945; 1955; nos intervalos de 1964 a 1985. E, finalmente, embora muitos discordem, um Golpe Civil, ou Parlamentar, como queiram, em 2016.
E parece sofrer tanto de uma esquizofrenia latente que teve até plebiscito, aquele de 2005, o das armas, literalmente ignorado. E estão querendo institucionalizar no Brasil o Parlamentarismo, ignorando solenemente o plebiscito já realizado sobre este tema. Mas vamos para a próxima lista, porque parece haver um acordo velado, um governo oculto que mantém uma instabilidade, constante, para obter lucros em cima desse ciclo interminável de involuções.
O Brasil está deitado sob uma placa tectônica de movimentos políticos intermitentes
Com tudo isso, nossa timeline não poderia ficar pior, pois, no intervalo de apenas doze décadas, nós tivemos não menos que treze presidentes que simplesmente não concluíram seus mandatos. Fazendo uma conta rápida, uma “conta de padeiro”, como dizem nós os paulistanos, é como se a cada dez anos um Presidente fosse impedido de governar. Se não, vejamos: Deodoro (1891); Afonso Penha (1909); Rodrigues Alves (1918); Washington Luís (1930); Júlio Prestes (1930); Vargas (1945 e 1954); Carlos Luz (1955); Jânio Quadros (1961); João Goulart (1964); Costa e Silva (1969); Tancredo Neves (1985); Collor (1992) e Dilma Roussef (2016).
Por falar em presidentes, ao menos trinta e um, e deixa-me repetir, 31 presidentes, não foram eleitos pelo voto direto, considerando a posse de interinos e os presidentes do período da velha república, marcado pelas fraudes eleitorais e pelo coronelismo. A lista é extensa e nos dá a média de um presidente para cada quatro anos desde o primeiro: Deodoro (1889); Floriano Peixoto (1891); Prudente (1894); Campos Sales (1898); Rodrigues Alves (1902); Afonso Penha (1906); Nilo Peçanha (1909); Fonseca (1910); Venceslau (1914); Rodrigues Alves (1918); Delfim Moreira (1918); Epitácio (1919); Arthur (1922); Washington Luis (1926);
Pausa para um café
Júlio Prestes (1930); Vargas (1930); José Linhares (1945); Café Filho (1954); Carlos Luz (1955); Nereu Ramos (1955); Ranieri Mazilli (1961); João Goulart (1961); Castelo Branco (1964); Costa e Silva (1967); Médici (1969); Geisel (1974); Figueiredo (1979); Tancredo Neves (1985); José Sarney (1985); Itamar Franco (1992) e Michel Temer (2016).
E, para terminar a nossa lista de listas, vale relembrar trinta e uma revoltas, ou guerrilhas, que vem historicamente usurpando a paz do nosso povo desde 1889 com o Golpe Republicano; a Primeira Revolta de Boa Vista (1892-1894); Revolta da Armada (1892-1894); Revolução Federalista (1893-1895); Revolta de Canudos (1893-1897); República de Curani (1895-1900); Revolução Acreana (1898-1903); Revolta da Vacina (1904); Segunda Revolta de Boa Vista (1907-1909); Revolta da Chibata (1910); Guerra do Contestado (1912-1916); Sedição de Juazeiro (1914); Greves Operárias (1917-1919); Levante Sertanejo (1919-1930); Revolta dos Dezoito do Forte (1922); Revolução Libertadora (1923); Coluna Prestes (1923-1925); Revolta Paulista (1924).
Se pesquisar com mais afinco acho que encontramos alguns levantes não catalogados. E a lista segue: Revolta de Princesa (1930); Revolução de 1930 (1930); Revolução Constitucionalista (1932); Revolta Mineira (1935-1936); Intentona Comunista (1935); Caldeirão de Santa Cruz do Deserto (1937); Revolta das Barcas (1959); Regime Militar (1964); Luta Armada (1965-1972); Guerrilha de Três Passos (1965); Guerrilha do Caparaó (1967); Guerrilha do Araguaia (1967-1974) e Revolta dos Perdidos (1976).
Revoluções por minutos
Façamos as contas: em média, a cada dez anos nós temos uma nova revolta, uma nova Constituição, uma nova moeda, um novo governo deposto, um novo governo posto pelo voto indireto ou por um golpe eleitoral qualquer. Não importa, é um padrão, é um sistema, é histórico e segue uma lógica.
Desde que foi proclamada a República, inaugurou-se no Brasil o que chamamos hoje de democracia. E, assim, chegamos ao dia 24 de janeiro de 2018. Um dia, sem sombra de dúvidas, emblemático na história recente do nosso país. O dia em que essa democracia, cheia de governos provisórios, moedas indexadas por interesses escusos, constituições escritas sob demanda, ganhará sua nova institucionalização: o da justiça seletiva.
Mas não se iluda, essa justiça seletiva não começou com a condenação de Lula; você pode, por exemplo, juntar a ela Zumbi dos Palmares, Tiradentes, Antônio Conselheiro e tantos outros personagens que fizeram e fazem parte dessa pobre nação brasileira. Você pode fazer sua própria lista, inclusive.
Uma questão, no entanto, me escapa aos sentidos: todos esses movimentos tectônicos cíciclos, da velha política brasileira, a quem servem?
Ednei Procópio – Escritor e Editor – Especialista em livros digitais.
Blog do Florisvaldo – Informação Com Imparcialidade – 28/01/2018