– Alô, é Inocência? – perguntei.
– Não, não é Inocência, é Clara, sua amiga.
– Gostaria de falar com Inocência.
Por um instante a voz do outro lado silenciou. Silêncio duro, de quem não consegue expressar o que está sentindo.
– Quem gostaria de falar com inocência? – perguntou a voz um tanto embargada.
– É Júlio, amigo dela.
– Inocência… Inocência partiu.
– Mas partiu como? – perguntei com um certo receio.
– Já estava fraquinha, sem vontade de viver, de fazer as pazes consigo mesma… Trancou-se no quarto, malmente falava. Comia pouco, não sabe? Parecia um passarinho.
– A senhora quer me dizer que Inocência morreu? É isso?
– Sim, infelizmente.
– Mas ela não podia… Não podia partir assim sem ao menos um adeus.
– A morte não permite que nos despeçamos, meu filho. Nem de mim, ela se despediu. Quando percebi já estava ausente. Ela cansou-se.
– Cansou-se de que?
– De ser Inocência. De ser ela mesma. Chega um dia que a gente não dá conta… E ela que era a felicidade em pessoa, de riso solto, de contentamento pelas coisas simples, foi e não voltou.
– Foi e não voltou? – Era muita abstração na fala daquela mulher, e eu limitado na minha parca filosofia, desejava que ela de fato me dissesse o motivo concreto da morte de Inocência.
– Meu filho, a gente tem uma zona que não deve ser acessada. Quem vai lá nem sempre consegue voltar. E Inocência foi lá e não voltou mais. Ausentou-se do mundo, das pessoas, dos amigos, das coisas simples de que ela tanto gostava, e emudeceu-se.
– Como fico agora sem Inocência? Durante muito tempo tentei contato com ela, e só agora, por meio de um conhecido, consegui o telefone da senhora. Nunca imaginei que Inocência pudesse estar assim. Eu poderia ter ido aí, fazer-lhe companhia. Talvez minha aproximação tivesse tirado ela dessa zona da qual se refere a senhora.
– Não é fácil assim, meu filho. Eu tentei. Tentei muito, mas ela não quis, ou não conseguiu.
– Inocência… Como eu gostava dela. Que desencontro terrível, esse. Inocência era tão cândida, tão amorosa…
– Sim, era mesmo a inocência em pessoa. Escrevia tanta poesia, gostava tanto de viver. Mas sentia uma falta que só ela sabia de que. Não se abria, não dizia. Depois que terminou de escrever o seu primeiro livro de poesia, parecia esgotada, sem forças.
– Ela deixou um livro escrito?
– Sim. Deixou dentro de um envelope para que eu o enviasse a uma pessoa, que agora não me lembro o nome. Ainda hoje postarei no correio.
– Queria tanto ler os seus versos…
– Ainda tem algumas poesias espalhadas pelas gavetas. Se o senhor um dia aparecer aqui, eu lhe mostro.
– Sim, assim que eu entrar de férias, posso combinar com a senhora de ir aí. Até logo! Foi um prazer conversar com a senhora. Lamento não ouvir mais a voz de Inocência.
– Adeus, meu filho. Quando quiser aparecer, as portas estarão sempre abertas.
E assim despediu-se de mim aquela voz doce, com um sotaque interiorano.
Durante muito tempo sofri a perda de Inocência. Foi um desses amores que a gente não esquece nunca.
Pelo correio me chegou um envelope que tinha como remetente Inocência. Era o seu livro: “Versos Para Um Amor Ausente”. Na dedicatória, lia-se: “Para Júlio, de quem nunca esqueci”.
Minhas mãos tremeram e temi acessar uma zona sem retorno.
Autor: IVAN SANTTANA – 22-06-2014.
Blog do Florisvaldo – Informação Com Imparcialidade – 22/06/2019