A interpretação das regras que definem o pagamento de indenização ao beneficiário sempre gerou muitas discussões. O tema não é pacífico no meio securitário, mas Bárbara Bassani de Souza, advogada especializada em seguros e resseguros, aceitou a missão de esclarecer algumas controvérsias no livro “Seguros: Beneficiários e suas Implicações”, lançado pela Editora Roncarati no ano passado. Em entrevista à revista APTS Notícias, ela comenta algumas das situações tratadas na obra.
É imprescindível que o segurado indique seus beneficiários?
Não é imprescindível, tanto que a legislação civil traz regra para o pagamento do capital segurado na falta de indicação de beneficiário (art. 792 c/c 1.829, do Código Civil). A questão é que referida regra não é clara, suscitando diversas dúvidas, razão pela qual é recomendável que seja feita a indicação do beneficiário para evitar dúvidas.
O segurado pode substituir o beneficiário ou indicar terceiros?
A indicação do beneficiário é livre. Portanto, o segurado pode indicar um terceiro que não tenha relação de parentesco, mesmo porque o capital segurado não é herança. Tal como a indicação, a substituição do beneficiário é igualmente livre. Exceto quando houver sido renunciada a faculdade de substituição ou se o seguro tiver como causa declarada a garantia de uma obrigação, como é o caso dos seguros prestamistas, por exemplo. É de suma importância que a seguradora tenha ciência da substituição, sob pena de efetuar o pagamento ao antigo beneficiário.
Na falta de herdeiros legítimos, quem recebe a indenização?
Pela letra da lei, serão considerados beneficiários os que provarem que a morte do segurado os privou dos meios necessários à subsistência. Todavia, entendo que se não existirem pessoas cuja morte do segurado os privou dos meios necessários à subsistência, o pagamento poderá ser feito aos herdeiros testamentários. Muito embora nossa legislação seja silente a esse respeito. Em última instância, não havendo ninguém, poderia ser possível que o pagamento fosse destinado ao Estado.
Como ocorre a perda da condição de beneficiário?
A perda pode ocorrer, por exemplo, se forem verificadas as hipóteses de exclusão por indignidade ou deserdação, tendo como efeito a nulidade da cláusula beneficiária e a aplicação do artigo 792, do Código Civil. O capital segurado será pago como se aquele beneficiário, herdeiro (declarado indigno ou deserdado), morto fosse.
Qual o prazo atual da prescrição em seguro de vida? E se a família descobrir que havia seguro depois do prazo de prescrição?
O entendimento majoritário da jurisprudência é que se aplica o prazo decenal para o beneficiário de seguros, com o qual discordo. Entendo que o prazo para o exercício da pretensão do beneficiário, em face da seguradora, é de três anos, independentemente de ser seguro obrigatório ou facultativo, contados a partir da data em que ocorrer o sinistro. Para mim, esta é a interpretação correta do artigo 206, § 3º, IX (primeira parte). Se a família descobrir que havia seguro após o prazo, a pretensão em face da seguradora estará prescrita, sem prejuízo da possibilidade de a seguradora renunciar à prescrição.
Em caso de comoriência para quem é paga a indenização?
O capital segurado será pago aos demais beneficiários indicados ou, inexistindo outros beneficiários indicados, na forma prevista no artigo 792, do Código Civil, como se não tivesse sido indicado beneficiário. Tendo em vista que é condição para o recebimento do capital segurado, a existência do beneficiário quando do sinistro (isto é, quando do óbito do segurado).
Em seu livro, você cita a renúncia do beneficiário ao capital segurado. Você já viu casos assim? Neste caso, para quem a indenização é destinada?
Já vi casos de renúncia do capital segurado feita por um beneficiário que também era herdeiro do segurado. A renúncia foi feita em prol do outro herdeiro e a seguradora aceitou realizar o pagamento ao novo beneficiário. A questão da renúncia não é tão simples porque altera, na prática, a própria vontade do segurado que foi quem indicou o beneficiário. Por outro lado, o beneficiário adquire um direito próprio, independentemente de sua aceitação. Por isso, a destinação do capital segurado irá depender de alguns fatores pontuais e das especificidades de cada situação concreta em caso de renúncia, de forma a verificar se ela terá ou não efeito.
Se o segurado é casado, mas não divorciado, e vive uma união estável, para quem é paga a indenização?
O pagamento sempre será feito ao beneficiário indicado, prevalecendo a regra de que é livre a indicação. Inexistindo beneficiário indicado e em uma situação como foi colocada, deve-se ter em mente que o legislador espera que o pagamento seja feito àquele que está na constância da relação. Todavia, se há mais de uma relação, devem-se preservar os direitos daquele que está de boa-fé, com o rateio por igual da metade a que alude à primeira parte do artigo 792, do Código Civil, a ambas as pessoas que mantiveram união com o segurado, cabendo a outra metade aos demais herdeiros do segurado.
Em outras palavras, se a cônjuge e a companheira estiverem de boa-fé, isto é, se ambas acreditavam ser únicas e mantinham relação com o segurado, ao tempo de seu óbito, metade do capital segurado será dividido entre elas e a outra metade aos demais herdeiros (ex: filhos de ambas as relações – sendo filhos, o pagamento é feito por igual já que não existe mais a divisão entre filhos legítimos e ilegítimos).
Nos casos de suicídio dentro do período de carência de dois anos, qual a posição da Justiça atualmente?
A questão do suicídio sempre causou polêmica e merece atenção caso a caso. O entendimento mais recente foi manifestado no julgamento do Recurso Especial 1334005/GO, pela Segunda Seção do STJ em abril de 2015, no qual ficou válida a letra da lei.
A redação atual do Código Civil não distingue o suicídio premeditado daquele não premeditado. A presunção é de que não houve premeditação quando da contratação do seguro se o suicídio ocorrer após os dois anos.
Entendo que melhor seria se o legislador tivesse previsto o prazo de carência de dois anos no qual a prova não seria necessária para embasar a negativa ao pagamento da indenização ao beneficiário (isto é, critério objetivo, independentemente de avaliação da premeditação). E que também não tivesse previsto a possibilidade da prova da premeditação do suicídio, quando da contratação do seguro ou quando da concretização do suicídio, ainda que tenha ocorrido após os dois primeiros anos. Isso porque, não se pode admitir que o pagamento seja feito incondicionalmente após o período de dois anos, sob pena de violação ao princípio geral da boa-fé.
Mudanças na legislação poderiam encerrar a polêmica em torno do beneficiário?
No final do livro, mais precisamente no capítulo 6.2, proponho, com toda humildade, uma sugestão de projeto de lei para a alteração de alguns dos artigos do Código Civil e inserção de outros artigos (e não em legislação apartada, tampouco em Lei de Seguros), em relação à figura do beneficiário de seguros. Quiçá, um dia, possamos ter a feliz notícia de que algum deputado tenha se interessado pelo projeto.
Fonte: Revista APTS
Blog do Florisvaldo – Informação Com Imparcialidade – 20/03/2017