Doutor, tem uma menina lá na frente que bebeu demais, tava numa festa, chegou apagada. Vamos ver. Na cadeira de rodas: flácida, boca roxa, mãos pálidas. Boa noite. Não responde. Não respira. Checo o pulso, não tem pulso. Parada. Parada. Sala de emergência. Monitoro nas pás do carrinho. Fibrilação ventricular. Choque, 200 joules. Adrenalina. Adrenalina. Residente pra via aérea. Interno pra massagem. Comprime firme, profundo, ao menos cem por minuto. Dois minutos. Checa o ritmo: fibrilação! Choca. Amiodarona. Massagem. Adrenalina. Intubação. Enfermeira aspira a via aérea. Fixa o tubo. Chegou a ficha. Vinte e três anos. Vinte e três anos! Massagem. Amiodarona. Adrenalina. Adrenalina. Adrenalina. Chegou a mãe dela, quer entrar na sala. Agora não dá, pede pra aguardar no consultório. Massagem. Adrenalina. Massagem. Adrenalina. Assistolia. Linha reta no monitor. Retinha. Checa os cabos, aumenta os ganhos, troca a derivação. Uma hora e quarenta minutos. É dia de finados. Não há mais vida. Vinte e três anos! Com licença, a senhora é dona Helena? Sou eu! O senhor é o doutor de minha filha? Sim senhora. Mãe jovial, quarenta anos. O que aconteceu com minha filha? Dona Helena, a Tatiana chegou ao hospital com o coração parado. Passamos mais de uma hora tentando reanimar. Infelizmente sua filha faleceu, meus pêsames. Doutor, é mentira? Diga pra mim que o senhor está brincando! Ela tem uma filhinha de três anos. Não é possível! Infelizmente, sua filha faleceu. Não dá pra tentar mais nada? Será que quando o senhor voltar na sala ela não vai estar conversando? Infelizmente. Fizemos o possível e mais. Ela chegou sem vida. Quero ver a minha filha. Vou falar com a enfermeira, a senhora já verá sua filha. Minha filha, por que você fez isso com você mesma? Minha bebê. Eu não acredito que ia ver você assim! Pietá nos visita. Eu observo de meu canto. A mãe debruça sobre o corpo envolto em panos verdes. Por que verdes? De que ela morreu? Não sabemos, será necessário fazer uma autópsia, ela chegou aqui sem vida. Ela tem uma filhinha de três anos. Ela tinha uma filhinha de três anos. Doutor, doutor, chegou um baleado!
Gerson Salvador de Oliveira – É médico, Nasceu em Cansanção, Bahia, vive em São Paulo desde os oito anos, cresceu na Vila Carioca, Ipiranga. Vive as artes da medicina e da literatura como práticas de liberdade.
Blog do Florisvaldo – Informação com imparcialidade – 03/11//2014
Florisvaldo Ferreira dos Santos
Consultor de Seguros e Benefícios