Linha de produção da Geely em Tanjung Malim, na Malásia – Fabricantes se comprometeram a investir R$ 140 bi no país e contam com parcerias para agilizar acesso a tecnologias – Foto: Samsul Said / Bloomberg
Gigantes ocidentais da indústria automotiva, como General Motors, Renault e Stellantis, que por décadas dominaram o mercado automotivo brasileiro, anunciaram recentemente cerca de R$ 140 bilhões no país em investimentos para acelerar a transição energética do setor.
No entanto, o caminho escolhido na direção dos veículos elétricos tem sido, cada vez mais, o de parcerias com fabricantes chinesas, que disparam no segmento em todo o mundo e recentemente passaram a fabricar no Brasil. Algumas dessas alianças já existem no mercado asiático há anos e permitiram às fábricas ocidentais o acesso a novas tecnologias automotivas chinesas. Agora, esse movimento começa a se repetir por aqui.
Um dos principais lances aconteceu no início deste mês, quando a chinesa Geely adquiriu 26,4% das ações da Renault do Brasil, este mês. Ambas já têm parceria na China para lançar modelos híbridos sob a marca francesa naquele país.

A Stellantis (que reúne marcas como a italiana Fiat, a americana Chrysler e a francesa Peugeot) está trazendo ao país SUVs eletrificados da Leapmotor International, marca chinesa da qual possui 51% das ações por meio de uma joint venture. A formação desse nova empresa, em 2024, já previa que a Stellantis levasse a marca chinesa para outros mercados, como o Brasil.
Já a General Motors (GM) decidiu montar no Brasil o Spark, carro chinês que é fruto de uma parceria da americana com as chinesas Saic e Wuling. A GM tem presença consolidada na China há quase três décadas, por meio de joint ventures com essas marcas.
Ainda que os automóveis elétricos da Tesla tenham tornado essa tecnologia conhecida no mundo todo, a China está muito à frente no desenvolvimento de tecnologias de eletrificação, observam especialistas do setor.
Domina toda a cadeia de produção dos carros que não precisam mais dos combustíveis de origem fóssil, com fabricação de baterias e de semicondutores e ainda dotada de reservas de terras-raras para fabricar esses componentes cada vez mais decisivos na atual corrida tecnológica, que se reflete nas movimentações do setor no Brasil. As montadoras chinesas BYD e GWM, em voo solo, começaram neste ano a produzir no Brasil.
– Os chineses estão mais avançados nesse tipo de tecnologia e têm domínio da cadeia produtiva, o que as fábricas ocidentais não têm. Para elas, essas parcerias têm a vantagem da transferência de tecnologia. Para as montadoras asiáticas, o acesso ao mercado brasileiro, à rede de revenda, acaba sendo mais rápido, assim como o ganho de escala – explica Cristiano Doria, sócio da área de Indústrias e Operações da consultoria Roland Berger no Brasil, e especializado no setor automotivo.
Interesse complementar
Ele lembra que as montadoras instaladas no Brasil têm capacidade de produzir de 4 milhões a 5 milhões de veículos por ano, mas têm fabricado apenas 2,5 milhões. As alianças com as chinesas permitem que a ociosidade seja preenchida, preservando empregos, além de movimentar a cadeia de fornecedores de componentes e autopeças e oferecer maior número de modelos ao consumidor – inclusive com preços mais competitivos.
Com a utilização de fornecedores locais, as marcas chinesas podem “nacionalizar” mais rapidamente partes de seus veículos, passando a ter acesso aos incentivos fiscais do governo, explica o especialista. Entretanto, ele pondera que há o risco de redução dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento no país, criando uma dependência ainda maior do Brasil de tecnologia estrangeira, agora chinesa.
A despeito do destaque inicial da americana Tesla, de Elon Musk, os chineses viraram os “reis da eletrificação” por algumas razões, entre elas a capacidade de entregar produtos muito mais baratos. Essa dominância foi fruto de uma política estatal que, por mais de uma década, subsidiou as montadoras.
Além disso, a China tem o domínio quase absoluto da cadeia de produção de terras-raras, minerais essenciais para ímãs de motores elétricos e baterias. São 44 milhões de toneladas de reservas, as maiores do mundo, mas o país vai muito além da matéria-prima. Tem ainda uma presença crescente na produção de chips e baterias.
Spark: GM vai importar modelo feito na China para concorrer com Dolphin, da BYD, no mercado brasileiro – Foto: Chevrolet.Larissa Wachholz, coordenadora do núcleo de Ásia do Cebri e sócia da consultoria Vallya, aponta que, com tecnologia, matérias-primas e planejamento, a China ingressou no setor automotivo já produzindo carros eletrificados em escala, com custo baixo.
– Isso mudou muitos paradigmas da manufatura global e continua mudando. Se o mundo de fato quiser progredir na transição energética vai ser muito importante que esse custo de produção caia – diz.
Há alguns anos, para que as montadoras ocidentais tivessem acesso ao gigantesco mercado chinês, produzindo localmente, o governo de Pequim exigiu que elas fizessem parcerias com as marcas locais.
Para as montadoras ocidentais, era também uma forma de se conectar com as novas tecnologias de eletrificação desenvolvidas pelas empresas chinesas e acessar um enorme mercado potencial. Agora, essas parcerias estão sendo “exportadas” para economias como a brasileira e ajudam a acelerar a eletrificação em vários países, como o Brasil, afirmam os especialistas.
Tesla fez aposta distinta
Antônio Jorge Martins, coordenador de cursos de MBA do setor automotivo da FGV, lembra que a Tesla foi uma das pioneiras na popularização do conceito de carro elétrico, mas adotou um caminho diferente do dos chineses e acabou perdendo terreno:
– A Tesla não utilizou a mesma estratégia da BYD, por exemplo, de produzir carros elétricos de entrada, mais baratos. E está apostando pesado no carro autônomo, que é seu diferencial, embora a BYD também tenha avançado nesse capítulo. Quando o negócio dos carros autônomos se fortalecer, a Tesla tem potencial para despontar ainda mais – explica Martins.
Especialistas lembram que o cenário geopolítico, com EUA e China se desafiando no ringue comercial, traz riscos para os países onde as montadoras das duas potências se associam ao mesmo tempo em que competem. Se houver agravamento das tensões comerciais ou se Pequim decidir usar seu domínio tecnológico como ferramenta de política externa, cadeias produtivas do setor podem ser afetadas em países como o Brasil.
Há cerca de três semanas, por exemplo, a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), entidade que representa as montadoras já instaladas no país, alertou sobre o risco de paralisação na produção por conta de desabastecimento de chips fabricados por uma empresa chinesa, a Nexperia.
– Sempre haverá margem para o risco geopolítico associado à tecnologia. Mas o Brasil precisa de uma estratégia. O país não tem uma fábrica de semicondutores, mas tem grandes reservas de terras-raras. É necessário buscar uma negociação em torno desse ativo de forma a mitigar esse risco geopolítico, já que essa matéria-prima interessa tanto aos EUA quando à China – explica Martins.
O presidente da Anfavea, Igor Calvet, observa que há muitos tipos de parcerias sendo feitas entre as montadoras em vários modelos, mas a entidade defende que qualquer parceria que aconteça precisa privilegiar a produção nacional, algo inegociável.
– Em qualquer modelo de parceria, é preciso ter um cronograma de internalização e de produção local, inclusive com fornecedores locais. Com isso, a nossa dependência vai se tornar cada vez menor, independente de país, China, EUA ou países da União Europeia – afirma Calvet.
Chinês ‘made in Ceará’
Em nota, a GM informou que a estratégia da marca combina importação e produção local. O Spark EUV, por exemplo, carro elétrico que nasceu dessa parceria com os chineses, será produzido no Ceará, ainda este ano, marcando o início da industrialização de veículos elétricos de sua marca Chevrolet no país.
“A joint venture tem impacto direto na eletrificação da GM no Brasil. Ela viabiliza a chegada mais rápida de novas tecnologias e produtos ao país. Essa estrutura, permite reduzir o tempo de lançamento e elevar o conteúdo tecnológico dos veículos comercializados no país”, afirmou.
Renault e Geely informaram que a parceria no Brasil é uma continuidade da cooperação entre as marcas. A chinesa terá acesso ao complexo industrial da francesa em São José dos Pinhais, no Paraná, além de ter seus veículos distribuídos na sua rede de concessionárias no país.
“A Geely passa a ter acesso à infraestrutura industrial e comercial da Renault do Brasil, permitindo que ela acelere sua expansão no país. Com a produção de veículos da marca Geely, no Paraná, a Renault poderá aumentar a produção e melhorar ainda mais a competitividade deste complexo industrial. Ao mesmo tempo, a Renault utilizará a expertise da Geely, para ampliar a oferta de carros de zero e baixas emissões (de carbono) no mercado brasileiro”, explicaram as fabricantes.
Os produtos da Leapmotor International, no Brasil desde o início deste mês, são elétricos puros: os SUVs C10 Elétrico (BEV) e o C10 Ultra-Híbrido (REEV). A marca terá concessionárias em 29 cidades do país, com parceiros locais já definidos. Os clientes terão à disposição acessórios homologados pela Mopar, divisão de pós-venda da Stellantis.
Fonte: https://oglobo.globo.com – Por João Sorima Neto – São Paul
Blog do Florisvaldo – Informação Com Imparcialidade


