
O meu avô, com nome de passarinho, cuidava do roçado e conhecia cada mandacaru e cada pedra das veredas do caldeirão de areia. Ele sabia os segredos dos bichos e conversava com eles. Ele sacudia uma bacia com milho olhando para a caatinga e dizia: “Ô cabra, ca-bra, ca-bra, ca-bra, caaa-braaa”. E já se ouvia o tilintar dos sinos antes que elas beijassem suas mãos e recebessem os alimentos. Com as ovelhas, o mesmo ocorria. O mais incrível desta cena era que cada uma esperava sua vez, e quem ficava por derradeiro agradecia do mesmo jeito.

O meu avô, com nome de passarinho, sabia discernir de longe o canto do cardeal, do coleiro e do sabiá. Ele sabia quando a chuva ia chegar e os tempos de se aquietar. A natureza lhe ensinou muita coisa, e ele conviveu em harmonia sem se distinguir do roçado ou do caldeirão de areia, no limite.
Meu avô-passarinho, com setenta e muitos anos, fraturou o fêmur ao cair da tarde, na lida com os bichos. Ele estava sozinho no momento da queda. Sabe o que aconteceu? Ele foi operado e se recuperou completamente. Um idoso forte é completamente funcional. A fratura foi um arranhão mais profundo.
Nos últimos anos, ele teve um mieloma múltiplo, foi bem cuidado e amado, recebeu cuidados paliativos presenciais ou à distância. Absolutamente firme nas suas determinações, viveu até o seu último dia dono de si.
Neste sábado, 26/04/2025, ele faleceu no conforto de seu lar, meu avô-passarinho voou.
Os seus segredos de ler a natureza e conversar com os bichos, isso não aprendemos, mas ter um horizonte de serenidade para conduzir a vida é bem viver até o fim, quem sabe?
Descansa, Pombinho. Obrigado por tudo.
Fonte e Texto: Gerson Salvador
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