A cada 45 segundos, uma pessoa tira a própria vida em algum lugar do mundo. São 780 mil mortes decorrentes de suicídio por ano, sendo 12 mil ocorridas no Brasil, segundo a Organização Mundial de Saúde. A única alternativa terapêutica para frear tal “epidemia silenciosa”, como define o psiquiatra pernambucano Daniel Marques, é a prevenção, objetivo da campanha internacional Setembro Amarelo, cuja adesão no país envolve vários profissionais de saúde e entidades médicas, com a realização de palestras, caminhadas e iluminação de monumentos com a cor amarela. Embora os principais alvos sejam as vítimas de distúrbios psiquiátricos (casos de suicídio correspondem a 15% entre os indivíduos com depressão – cerca de 350 milhões têm a doença – e 10% entre esquizofrênicos), há também outros fatores de risco. Para Daniel Marques, questões relacionadas à adolescência ou idade avançada, à solidão e à ausência de espiritualidade podem ser determinantes. Nesta terça-feira, a partir das 8h30, várias palestras gratuitas promovidas pela secretaria municipal de saúde abordam a prevenção do suicídio e a valorização da vida. Será no Auditório Capiba, 15º andar da sede da Prefeitura do Recife (Avenida Cais do Apolo, 925, Centro).
Como enxerga o suicídio? Por que considera uma “epidemia silenciosa”?
Para a maioria das pessoas, falar sobre a morte não costuma ser agradável. A descoberta da possibilidade da perda da vida e de tudo aquilo que nos circunda é uma das descobertas mais precoces e aterrorizantes do desenvolvimento psíquico. Desde a infância, somos muito ensinados a ter, mas pouco ensinados a perder. Quando fazemos essa descoberta, é o momento em que perdemos uma “pseudo-imortalidade”. Daí a morte passa a ser misteriosa e aterrorizante, enquanto inevitável. Esse conflito viver-morrer, ter-perder, acompanha então o homem por toda a sua existência. O termo “epidemia silenciosa” se deve ao fato do suicídio ser pouco discutido no âmbito das políticas públicas de saúde mental. Além disso, sabemos que os dados, embora alarmantes, são inferiores à realidade.
Por quê?
Muitos casos de mortes por suicídio acabam sendo notificados como acidentais ou por causa desconhecida. Isso se deve, por exemplo, a motivações de ordem religiosa, pois em algumas religiões aqueles que tiram as próprias vidas não podem receber ritos fúnebres ou ter seus restos mortais depositados em locais sagrados. Em outros casos, as famílias preferem omitir o fato por questões de privacidade. Ao se abordar o tema do suicídio para o público geral, seja através de notícias, livros ou filmes, é preciso que se faça de uma forma coerente e ponderada, evitando simplesmente relatar casos de pessoas que tiveram êxito na tentativa.
É um cuidado no sentido de não incentivar outras pessoas?
Sim, quando o ato suicida é simplesmente exposto, sem a contrapartida de demonstrar uma outra opção, como possibilidades de acolhimento e de resolução das situações que provocam a dor psíquica, corre-se o risco de aumentar a incidência de tentativas. Dessa forma, muitas vezes simplesmente não se fala no tema por receio de aumentar as estatísticas.
É conhecida a “onda suicida” ocorrida após a publicação de Os sofrimentos do jovem Werther (1774), de Goethe. A arte pode estimular o suicídio ainda hoje?
Não só a arte, mas outras situações do cotidiano. Ao contrário do século 18, época da publicação deste livro, hoje dispomos de mecanismos de comunicação em massa, com velocidade instantânea. Cabe à sociedade saber usar essas ferramentas em prol da prevenção do suicídio e da saúde em geral. Criar uma “onda pela vida”. É nesse contexto que campanhas de prevenção, como o Setembro Amarelo, têm fundamental importância.
Além de estar presente em narrativas literárias, o suicídio é o desfecho da vida de muitos escritores, assim como de artistas da música, do cinema, das artes plásticas. Que fatores podem contribuir para isso?
Toda forma de expressão artística, seja ela escrita, pintada, esculpida, musicada ou encenada, tem origem nos conteúdos dos pensamentos humanos. A arte é uma forma de expressão dos conteúdos psíquicos, por isso é uma exclusividade humana. Se pensarmos que sentimentos como angústia, tristeza, medo, dor e desesperança estão ocasionalmente presentes na mente humana, é de se esperar que sejam também expressos nas obras. Devemos analisar primordialmente o indivíduo, para depois podermos identificar onde ele está inserido na própria arte. Em geral, artistas que cometem o suicídio têm fatores de risco, sendo muitas vezes pessoas com dificuldades para formar vínculos, com abuso de álcool e de outras drogas, com vivências traumáticas e também aqueles portadores de doenças mentais. Nos casos em que os artistas conseguem direcionar esses conteúdos de sofrimento para a arte, como mecanismo de defesa, geralmente há um bom desfecho. O problema de alguns artistas é quando a arte passa a ser a única peça estruturante da psique. É sempre bom que as pessoas tenham variados pilares de sustentação, pois na ausência de um ou outro, os demais podem suprir esse sustento. Um caso que sempre chama a atenção é o do pintor Van Gogh, que teria se suicidado em 1890. Ele tinha epilepsia e possivelmente transtorno bipolar, fazia abuso de substâncias e tinha poucos vínculos interpessoais, além de diversos casos de doença mental na família. É possível identificar indícios do estado de saúde mental do pintor nas suas telas, inclusive em seus famosos autorretratos com a orelha direita automutilada.
Quais são os principais fatores de risco que podem levar alguém ao suicídio?
As motivações individuais podem ser bastante variadas. Existem pessoas que cometem o suicídio de forma impulsiva, intempestiva e mesmo imprevisível, enquanto outras o fazem após um planejamento prévio. As patologias psiquiátricas são um fator de risco bastante importante; daí a necessidade de tratamento precoce e adequado, o que termina por prevenir a grande maioria dos casos. Com abordagens adequadas, pode-se gradativamente desconstruir mecanismos de resistência e ajudar essas pessoas a recuperar a saúde psíquica. Para o suicídio a prevenção é a chave do sucesso e a única alternativa terapêutica.
Como essa prevenção é feita?
Pela psicoeducação, que tem o objetivo de esclarecer a população sobre o fato, e de forma mais dirigida para aquelas pessoas que são portadoras de transtornos mentais. Ao ofertarmos tratamento viável e de qualidade, podemos reduzir o enorme número de mortes.
Que tipo de investimentos são feitos na prevenção? São satisfatórios?
Os investimentos governamentais são bastante escassos e se baseiam em tentar tratar aquelas pessoas que padecem de transtornos mentais. Contudo, a gestão e o quantitativo dos recursos públicos têm permanecido aquém do mínimo necessário para se poder falar em medidas de prevenção. O que observamos no Brasil é uma rede pública de atendimento à saúde mental que permanece focada exclusivamente no tratamento, quando deveria ter recursos destinados também à prevenção, principalmente na forma de campanhas psicoeducativas. Uma forma interessante de aumentar a abrangência das campanhas seria identificar pessoas formadoras de opinião, com capacidade de interlocução local e de mobilização das pessoas, como líderes comunitários e líderes espirituais, por exemplo. Esses formadores de opinião deveriam ser minimamente esclarecidos, treinados em alguns aspectos de saúde mental e estimulados a realizar atividades comunitárias com o propósito de quebrar preconceitos.
Blog do Florisvaldo – Informação com Imparcialidade – 28/09/2015
Florisvaldo Ferreira dos Santos
Consultor de Seguros e Benefícios