Esse tema foi por mim abordado há quase 10 anos, em 07/06/2014. Mas, como o assunto não logrou qualquer evolução dentro do Sistema Institucional, impõe um retorno ao assunto para nova reflexão, ainda que, obviamente, não tenha o autor qualquer propósito de influenciar um possível processo de mudança.
Sempre me causou inquietação, curiosidade e dúvida, como de resto a milhões de cidadãos brasileiros, distinguir qual a real diferença prática entre os DECRETOS-LEIS, instrumentos utilizados pela ditadura militar por 21 anos, e as MEDIDAS PROVISÓRIAS, amplamente utilizadas durante todo o período democrático, desde a sua criação pela Constituição de 1988, há 36 anos! Será que o disfarce não está só na mudança do nome do dispositivo?
Ora, se os Decretos-Leis davam ao Presidente, no período militar, os poderes amplos para um monte de ações que se tornavam legalizadas pela assinatura do Presidente Militar, a Medida Provisória também outorga ao Presidente, eleito democraticamente pelo povo, poderes para alterar regras existentes ou introduzir novas, com efeito imediato! Mas o leitor mais informado vai lembrar que, em ambos os casos, o artigo 62 da Constituição Federal define e prevê que: “Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)”. Pelo visto, a diferença básica está no uniforme, visto que o Presidente militar usava farda… Ou, como se diz no popular, houve apenas uma troca de seis por meia dúzia!
Não obstante, desde 1988, quando passou a existir a autorização constitucional numa nova versão, já foram editadas, de forma exagerada, mais de 1.200 Medidas Provisórias, numa total descaracterização do papel do Poder Legislativo. Em quantas dessas edições houve, efetivamente, respeito e observância dos pressupostos constitucionais de “relevância e urgência”?
Embora após a edição de uma Medida Provisória o Congresso Nacional tenha até 60 dias para a sua aprovação ou rejeição, prazo este prorrogável por mais 60 dias, o que se presencia, quase sempre, são as vergonhosas batalhas entre os dois poderes, onde a arma mais presente é a moeda de troca ou o velho ditado popular do “toma lá, dá cá” para que o governo conquiste a sua aprovação. Diga-se de passagem, sem a menor cerimônia: Uma vergonha!
É contraditório e chocante ver que os Decretos-Leis fartamente utilizados pelos governos militares, cujo arcabouço de poder discricionário foi objeto de condenação e repúdio por toda essa classe política de esquerda – leia-se Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff! -, mas, quando no exercício do Poder, utilizaram-se e continuam utilizando dos mesmos instrumentos de poder antes contestados em praças públicas! Mudando apenas a embalagem, no modo bem-humorado de falar.
Segundo o grande jurista Celso Bandeira de Melo, “são atos políticos ou de governo […] inobstante, também, sejam controláveis pelo Poder Judiciário, são amplamente discricionários, além de serem expedidos em nível imediatamente infraconstitucional”. Imaginar que continuam sendo editadas MPs desde a eleição de Tancredo/Sarney, em 1985 até hoje, significa que existe uma distância muito grande entre o discurso político-ideológico dessa gente, e a realidade!
Embora esse normativo tenha se inspirado em modelo previsto na Constituição italiana, lá o sistema parlamentarista pune o Primeiro-Ministro com a queda do poder, na hipótese da ocorrência de rejeição da Medida Provisória proposta, o que obriga o governo a ter mais responsabilidade na utilização incorreta desse normativo constitucional. Aqui no Brasil, todavia, além de utilizar abusivamente da faculdade de emitir Medidas Provisórias, a eventual rejeição não repercute em qualquer comprometimento político ao Presidente da República.
A conclusão lógica que repassa ao entendimento do brasileiro, é que os DECRETOS-LEIS utilizados pelos Militares como instrumentos de poder, apenas mudaram de nome para MEDIDAS PROVISÓRIAS pelos governos civis. Diante do quadro político vigente é de se esperar vida longa para as já famosas e até familiarmente conhecidas MPs!
Autor: Adm. Agenor Santos, Pós-Graduação Lato Sensu em Controle, Monitoramento e Avaliação no Setor Público – Salvador-BA.
Blog do Florisvaldo – Informação Com Imparcialidade
5 Comentários
Bem lembrado amigo. É no mínimo vergonhoso!
Ótimo final de semana para você! (Rio de Janeiro-RJ)
Parabéns pela crônica, Agenor. Os governos usam e abusam das medidas provisórias, cujo custo é muito alto. (Salvador-SA)
Realmente é um instrumento que serve ao prazer de fazerem acontecer certos interesses dos senhores governantes, que diga-se de passagem, praticamente todos tem feito uso!
Caro Agenor, boa noite!
Não poderia deixar de cumprimentá-lo pela excelente explanação de um assunto que já foi tratado há 10 anos atrás.
A inquietação, curiosidade e dúvida não é apenas sua e, pelo andar da carruagem, deve perdurar por mais tempo.
A realidade é que não podemos desassociar os DECRETOS-LEIS do passado, das MEDIDAS PROVISÓRIAS atuais. Enquanto isso, vamos nos ater ao ditado popular “Manda quem pode, obedece quem tem juízo”.
Caro Agenor, concordo com a sua analogia. Acho-a pertinente. E o que dizer do chamado “orçamento secreto”? As MPs, ainda que tardiamente, vão a plenário para sua validação ou rejeição, ao passo que esse (OS) é objeto de negociação . A propósito de Poder Legislativo de interdependência de poderes, o que dizer de nós hoje? Fica com Deus. (Salvador-BA).