Quase dois anos depois, nem todo mundo quer largar o home office e voltar ao trabalho presencial, como pretendem algumas empresas que se aproveitam do avanço da vacinação contra a covid-19 para esquentar as turbinas nesse sentido.
Conheço quem foi morar longe para ganhar qualidade de vida e se deu muito bem. Outros, atolados numa mistura de ansiedade, fake news e pânico, com ou sem tarja preta adotaram filho, cachorro, gato, papagaio, coruja etc.
Sim, teve quem adotou até coruja. Talvez porque seja ave adaptada a viver na escuridão com sua cabeçona, rosto achatado, bico forte e curvado, além de olhos enormes e profundos. Mexe com o imaginário daqueles que só conseguem trabalhar sob o olhar de um chefe para chamar de seu.
Tirando as grávidas, que não querem (nem devem) voltar à labuta presencial, o empregador tem o direito de exigir a volta as suas instalações. E se algum empregado insistir em querer trabalhar em casa, pode ser demitido por descumprir norma interna.
Mas querer quase nunca é poder por aqui. A lei admite, porém não significa que as empresas farão isso na marra, pagando para ver o que acontece no pós-confinamento. Nem do dia para a noite ou com todos ao mesmo tempo. Quem sabe a decisão é adiada para a virada do Ano Novo ou depois do Carnaval.
Antes de tudo, será preciso apurar se ainda vale a pena ocupar instalações caras (aluguel e infraestrutura), muitas vezes sem sentido, como se viu em alguns casos no auge da pandemia.
Outro ponto importante, em vários países o retorno vem se dando de forma gradual, na base de três dias de trabalho em casa e dois no escritório. Ou seja, não se fala mais em voltar ao modelo 100% presencial.
Já nem se discute se a produtividade em casa aumenta ou não, principalmente por conta do tempo que se perdia no trânsito das grandes cidades com seus semáforos não sincronizados, filas, buzinas e balizas nos escassos estacionamentos.
É fato que ninguém apurou com lupa o custo do trabalho remoto, sem mesa e cadeira adequadas nem computador na altura ideal, com problemas de conexão à internet e sobrecarga de ruídos. Aliás, liquidificador e aspirador de pó são novos meios de assédio e tortura psicológica no trabalho.
Pelo sim, pelo não, já decidi: não volto nunca mais a trabalhar fora de casa, em ambiente corporativo. E duvido que me demitam!
Nada é melhor que dormir um pouco mais cedo e acordar por volta das quatro da madrugada. Acordo, escovo os dentes, tomo meus remédios e, ainda de pijamas – é bobagem trocar uma roupa confortável por outra –, sigo para o trabalho no quarto ao lado, chova ou tenham estrelas lá fora.
O relógio deixou de ser meu opressor silencioso e nem faço ideia de onde se meteu. E mesmo sem estar trancado no meu local de trabalho, ninguém vai me incomodar, desde que não seja emergência. Ou minha mulher, é claro, que não vou criar caso com a ministra do tribunal superior daqui de casa a esta altura da crise. Tenho juízo!
Posso agora expandir meus conhecimentos na direção que quiser, sem ficar refém da rotina. Gasto boa parte do tempo em reuniões de trabalho com alguns espíritos iluminados (Cony, Nelson, Ruy, Sabino, Ubaldo, Verissimo etc.) que me socorrem a qualquer hora com sábios conselhos. Aprendi, inclusive, que a convivência também é feita de silêncio e distância.
Eu estabeleço minhas metas. E nem discuto se terei de dobrá-las. Se digo que vou terminar uma etapa do trabalho até 10h, consigo. E como sou chefe de mim mesmo, não preciso justificar o porquê atrasei minha chegada à cozinha para lavar pratos ou preparar algo gostoso para comer ao meio-dia. Mais tarde, os ponteiros se acertam em meia hora de cochilo.
Meu trabalho agora não exige contato direto com os clientes na hora de sua execução. Se tanto, em breve troca de mensagens posso definir como entregar, dentro do prazo, o melhor produto. Se não der certo, desligo o computador e procuro outra coisa para fazer. Na madrugada seguinte, volto à caça de palavras e do melhor jeito de misturá-las para dizer o que sinto.
Enfim, toda quarta-feira preparar e oferecer (com carinho e tempero caseiro) uma iguaria leve a meia dúzia de fiéis leitoras e leitores é coisa que faço em casa sem maiores percalços. Não vejo por que mexer numa receita que vem dando certo. Sem contraindicações.
Fonte: https://www.blogdohayton.com – Colaboração de Agenor Santos
Blog do Florisvaldo – Informação Com Imparcialidade – 15/09/2021
2 Comentários
Ao ler este artigo, me senti automaticamente inserido no contexto, exatamente como dizemos lá no sertão da Bahia “em carne e osso”. Pela feliz coincidência, não resistir em plagiar este trecho: “E mesmo sem estar trancado no meu local de trabalho, ninguém vai me incomodar, desde que não seja emergência. Ou minha mulher, é claro, que não vou criar caso com a ministra do tribunal superior daqui de casa a esta altura da crise. Tenho juízo!”.
Parabéns!
Florisvaldo Ferreira dos Santos
Só um cronista especial para gerar um texto igualmente especial e verdadeiro! Cada leitor encontra uma forma de se identificar com o conteúdo da sua mensagem, em que bem retrata os dois momentos da vida ativa das pessoas, agora preenchida, também pelo sistema home office que, parece, veio para ficar.
Parabéns ao Florisvaldo por ter abrilhantado as páginas do seu Blog com tão brilhante texto do cronista alagoano Hayton Rocha, meu colega aposentado do Banco do Brasil, de brilhante carreira funcional.