Ao se valorizar o sistema democrático, obviamente que se tem presente um conjunto de regras e princípios que legitimam a alternância no Poder, principalmente pelo fundamento básico que é o direito ao voto e a opção da livre escolha do candidato preferido. Entre os concorrentes, contudo, deveria existir deveres e direitos iguais, o que não ocorre com o candidato à reeleição, que não se afasta do cargo e mantém o Poder à sua disposição e regularmente usando-o ao seu bel prazer. Como se diz normalmente, tem a máquina administrativa, além de um elenco de fiéis Servidores, comissionados ou não, a serviço de uma campanha eleitoral, devidamente remunerados pelos recursos públicos. E, por favor, não me digam que não é bem assim!
São claros os pressupostos contidos na Lei Complementar 64/90, que definem as condições de Inelegibilidades dos eventuais pretendentes a cargos eletivos, fixando o prazo de quatro meses ou 120 dias para a desincompatibilização dos servidores públicos, estatutários ou não, dos órgãos ou entidades da Administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e dos Territórios. Assim, não há qualquer razão lógica que justifique a permissividade vigente em benefício dos ocupantes de um primeiro mandato. O Congresso Nacional deveria pensar em corrigir essa incoerência tão discrepante na próxima Reforma Política.
O tema é complexo e envolve amplas demandas jurídicas. Mas, permito-me o direito de reproduzir parte de um claro e contundente Parecer do Jurista Herman Benjamin, então Ministro Relator do TSE, hoje no STJ (Acórdão de 18.12.2017, nº 14.142): […] “A desincompatibilização objetiva a coibir a interferência do exercício de cargos e funções na Administração Pública em prol da campanha política de determinado candidato, com vistas a preservar a igualdade de oportunidade entre os players do processo eleitoral, a lisura do pleito, a legitimidade e a normalidade da representação política”.
Invariavelmente, todos os que pretendem a reeleição estão claramente comprometidos com os naturais benefícios decorrentes do não afastamento do cargo, ou seja, estimulados ao abuso do poder.
Impossível falar da reeleição sem recordar que o seu mentor intelectual, o então Presidente Fernando Henrique Cardoso, conquistou a sua aprovação 23 anos atrás (emenda Constitucional promulgada em 1997), mercê de obscuras manobras com Deputados corruptos, conforme amplamente divulgado pela imprensa que, inclusive, à época mencionou até o valor da compra. Mudou a Constituição no interesse pessoal, desfrutou de 8 anos de mandato e, convenientemente, ficou silencioso na reeleição de Lula e Dilma, ou seja, enquanto a esquerda estava no Poder.
Passadas duas décadas e o PSDB em crise, FHC agora confessa através do artigo “Reeleição e crises”, publicado no Estado de S. Paulo e Globo: “Cabe aqui um ‘mea-culpa’. Permiti, e por fim aceitei, o instituto da reeleição (…). Devo reconhecer que historicamente foi um erro. […] Preferível um mandato único com cinco anos de duração. […] Os presidentes acabam governados pela ambição de permanecer no poder”. Se, como diz aquele ditado, “agora é tarde e Inês é morta”, o certo é que ninguém quer voltar atrás para governar um só mandato.
A verdade é que os Prefeitos, Governadores e Presidentes, com pretensões de continuidade no cargo, já começam cedo a trabalhar em função da sua meta política e os problemas da administração deixam de ter a prioridade devida. Nesse ponto concordo com o FHC de que melhor seria um mandato de 5 anos e acabar de vez com a reeleição. Aqueles que fizerem uma boa administração, que retornem para um segundo mandato cinco anos após, e o povo saberá fazer justiça e corresponder ao mérito de cada um.
Não é justo ser eleito para quatro anos e a partir do segundo ano já iniciar o processo eleitoral sucessório. Concluo por concordar com a frase deixada pelo experiente ex-Senador Pedro Simon (PMDB-RS): “reeleição sem referendo é golpe do Congresso, sem militares”.
Autor: Adm. Agenor Santos, Pós-Graduação Lato Sensu em Controle, Monitoramento e Avaliação no Setor Público – de Salvador – BA.
Blog do Florisvaldo – Informação Com Imparcialidade – 13/09/2020
7 Comentários
Mais uma crônica bem apropriada. Parabéns pela lucidez! (Salvador-BA).
Parabéns, bom artigo Agenor. Vou ficando por aqui, até porque – em 90% do seu trabalho semanal – concordo com a sua conclusão (ou do arrependido FHC): melhor seria um mandato de 5 anos e posterior avaliação do povo para recondução ao cargo, ou não, mas 5 anos após. (Salvador-BA).
Antes contrário eu à reeleição, percebo que nem sempre o ELEITO consegue ser REELEITO. E isso é bom! Ou seja, a reeleição, por si só, não garante sucesso! Defendo o prazo de 5 anos, sem reeleição, como já foi no passado. Admito, contudo, sua continuidade, porém com afastamento dos gestores de suas “tentações” políticas e financeiras. Quanto a FHC, agora é tarde.., “Inês é morta”… dispenso suas atuais opiniões… o estrago está feito! (Salvador-BA).
Merece muitos aplausos, perfeito! (Irecê-BA).
Meio tarde esse mea-culpa não acha?? E muito estranho só agora esse mea-culpa…! (Assis Chateaubriand-PR)
Plenamente de acordo amigo. (Camamú-BA).
Realmente. O problema da reeleição é a permanência no poder do candidato. Mas, neste País que vivemos, será que o afastamento do candidato do cargo evitaria que o mesmo usasse a máquina pública? Falo isto pois os que ficarão no poder devem ser da mesma linha, com flagrantes interesses envolvidos. Será que o problema é no processo de reeleição, que acho válido, ou nas pessoas? (Salvador-BA).