A divulgação, na última semana, de um acórdão da 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região reascendeu o debate sobre uma questão polêmica no âmbito do ramo de pessoas: o limite de idade para contratação de seguro de vida. O caso de um idoso, com mais de 70 anos, que recebeu a recusa de uma seguradora para a sua proposta de seguro de vida, foi levado ao Judiciário pelo Ministério Público Federal, que entendeu se tratar de discriminação e ofensa ao Estatuto do Idoso. Mas, ao analisar o caso, o relator, desembargador Manoel de Oliveira Erhardt, deu razão à seguradora, entendendo que não houve ofensa à dignidade do idoso.
“Pessoas acima de 70 anos estão naturalmente expostas a mais riscos do que as de outra faixa etária. Por isso, o critério não configura discriminação nem tratamento vexatório”, registrou o relator no acórdão. O desembargador Erhardt observou, ainda, que “a formulação das cláusulas contratuais nessa espécie de negócio baseia-se em parâmetros atuariais, que estimam a probabilidade da ocorrência dos riscos aos quais o segurado está exposto”. Seu entendimento foi que “só existe discriminação desarrazoada quando não há pertinência lógica entre o critério escolhido e o tratamento díspar”.
O CVG-SP decidiu repercutir a controversa questão por meio das análises de dois advogados especialistas na matéria e de um atuário. O enfoque jurídico coube aos advogados Thyago Klemp, sócio da Prado e Saraiva e instrutor do curso do CVG-SP “Fundamentos Jurídicos aplicados ao Seguro de Pessoas”, e Adilson José Campoy, sócio do escritório Pimentel e Associados e autor do livro “Contrato de Seguro de Vida”. O atuário Dilmo B. Moreira, presidente do CVG-SP, acrescentou ao tema seu ponto de vista técnico.
A liberdade de contratar
Apesar de a lei enquadrar a atividade seguradora como relação de consumo, a possibilidade de seguradoras negarem a contratação de seguro de pessoas com base na idade do proponente sempre rendeu muitas discussões. No caso de menores de 18 anos essa discussão inexiste, em virtude do caráter protecionista. Mas, o mesmo não ocorre em relação aos proponentes acima de 60 anos. Embora o sistema jurídico brasileiro não imponha restrição a esse tipo de contratação, delegando a decisão à manifestação de vontade das partes, Thyago Klemp observa que esta liberdade não é plena ou ilimitada. “Existem princípios de ordem pública que devem ser observados”, alerta.
Segundo ele, uma corrente do Direito entende que o artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor veda ao fornecedor de produtos e serviços a recusa de atendimento às demandas dos consumidores de acordo com usos e costumes. Cumulativamente, o Estatuto do Idoso, em seu artigo 96, tipifica como crime qualquer forma de discriminação, “impedindo ou dificultando seu acesso a operações bancárias, aos meios de transporte, ao direito de contratar ou por qualquer outro meio ou instrumento necessário ao exercício da cidadania, por motivo de idade”.
Surge, então, na visão de Klemp, uma inevitável questão: A seguradora é obrigada a aceitar qualquer risco somente por se tratar de relação de consumo? A resposta requer a análise de vários ordenamentos jurídicos que se relacionam à questão. A começar pelo Código Civil, que determina a obrigação do segurador contra riscos predeterminados (art. 757). “O objeto principal do seguro é a cobertura do risco contratado, ou seja, o evento futuro e incerto que poderá gerar o dever de indenizar por parte do segurador”, diz.
Entretanto, o risco não é o único elemento objetivo do contrato de seguro, que também é composto por prêmio, interesse segurável e capital segurável. O advogado ressalta que todos estes elementos são analiticamente calculados por meio de estudos atuariais, que determinam a probabilidade de ocorrência dos riscos. Ele acrescenta, ainda, que outros estudos definem a estimativa de riscos que a seguradora poderá assumir para determinado perfil de segurados e os respectivos valores. “São critérios objetivos e preestabelecidos, de forma que não se dê margem a arguições de discriminação ou conduta vexatória”, explica.
O atuário Dilmo Bantim Moreira confirma que os produtos de seguros possuem parâmetros baseados em suas notas técnicas e condições contratuais, cujas regras determinam cláusulas, coberturas, capitais, taxas e prêmios. “O critério de aceitação é baseado estritamente em regras que visam o equilíbrio técnico do produto e a garantia da capacidade de solvência das seguradoras, permitindo que o objetivo do seguro seja cumprindo”, diz. Outro fator importante, segundo ele, é o principio da livre concorrência. “As empresas oferecem contratos de acordo com sua capacidade econômica e interesse mercadológico”, diz.
Daí porque Klemp conclui que a restrição à idade não se trata de um limite adotado aleatoriamente. “Naturalmente, pessoas com idade mais avançada apresentam risco maior de morte”, diz. Neste ponto, Adilson Campoy concorda que a seguradora, como gestora do fundo constituído pela mutualidade, deve zelar para o que o risco a ser garantido seja homogêneo, considerando a massa de segurados. “É evidente que, em se tratando de seguro de vida, pessoas mais idosas representam risco maior, que pode sobrepassar o risco médio dos componentes da referida massa segurada”, afirma.
Risco e equilíbrio
Para os que defendem o recálculo de taxas e capitais para absorção dos riscos que fogem ao padrão, Klemp adverte que esta “adaptação” é limitada. “Ultrapassados certos critérios, a absorção destes proponentes torna-se inviável, correndo a seguradora forte risco de não atender à mutualidade e, até mesmo, de tornar-se insolvente”, afirma. Dilmo B. Moreira reforça que a matemática que sustenta o seguro é baseada essencialmente em mutualismo. “São pessoas com características e objetivos comuns que buscam proteção para os seus interesses”, explica.
De acordo com o presidente do CVG-SP, “riscos e prêmios de seguros possuem relação direta”. Um exemplo é o seguro de automóvel, em que o prêmio para um modelo esportivo importado será sempre mais alto do que para um modelo popular nacional. “Também no seguro de vida, uma pessoa de 60 anos, por exemplo, pagará prêmio mais alto do que uma pessoa de 30 anos”, compara. Por isso, ele ressalta que, no limite, alguns riscos podem ser tão elevados, do ponto de vista técnico e atuarial, que tornem o prêmio do seguro proibitivo.
Para Klemp, não se pode olvidar que a seguradora é uma empresa privada e que, como tal, possui regras e limites predeterminados para aceitação de contratação. Dilmo B. Moreira concorda e acrescenta que o seguro de vida não foge à regra do mutualismo, que, na prática, se configura no agrupamento de indivíduos de perfis predeterminados, de acordo com a estrutura do contrato e custos liberados para comercialização.
“Tais agrupamentos compõem a massa segurada necessária para que, mediante o pagamento de prêmios de seguro bastante pequenos em relação ao benefício esperado, aqueles que forem atingidos por sinistros cobertos possam ter acesso ao benefício contratado”, diz. Ele frisa que esta base equivale à quantidade suficiente de riscos similares, que equalizam os interesses de todos, segurados e seguradoras. “Trata-se de uma questão de equilíbrio entre risco e custo”, diz.
“Assim, a idade pode ser um limitador para a contratação, bem como, por exemplo, a profissão, a região e a condição de saúde”, diz Klemp. Em sua análise, uma seguradora jamais aprovará ou deixará de aprovar a contratação por um proponente em razão destes diversos fatores, mas, sim, de sua vulnerabilidade, de sua maior exposição ao risco.
Entre a técnica e a solidariedade
Por outro lado, Campoy destaca que é equivocado imaginar que pessoas idosas não necessitem contratar seguro de vida. “É preciso reconhecer que muitos idosos ainda são provedores de suas famílias e têm interesse legítimo na sua contratação”, diz. Pior ainda, a seu ver, é a majoração de prêmio em virtude da idade do segurado. “Muitos idosos deixam de pagar o prêmio e até são excluídos da apólice exatamente quando, presumidamente, sua capacidade financeira é reduzida – e não há como ser diferente tendo em vista o regime financeiro de repartição simples”, diz.
Campoy lembra que, curiosamente, pouco tempo atrás uma seguradora lançou um seguro de vida com prêmio nivelado – regime pelo qual a taxa de prêmio será a mesma durante todo tempo de duração do contrato –, mas logo desistiu de comercializá-lo. Em sua opinião, não havia mercado para tal produto, porque o alto custo já na fase inicial do contrato superava o valor de seguros estruturados pelo regime de repartição simples. “É preciso que a sociedade reflita sobre isto”, propõe.
O direito de não contratar
Klemp elenca as condições em que a seguradora pode recusar o seguro de vida para idosos. “Se houver uma base de informações que impeça a contratação de apólice por pessoas expostas a determinados riscos, e desde que observados a função social do contrato, o princípio da probidade e boa-fé e a devida publicidade dos limites de contratação, deve restar garantido à seguradora o direito de não contratar”, diz.
Para ele, inibir este direito às seguradoras seria uma afronta ao à Constituição Federal e, principalmente, ao princípio da autonomia da vontade. “Além de garantir a liberdade de criação do contrato, este princípio abrange a liberdade de contratar e não contratar, de escolher com quem contratar e de fixar o quanto disposto no contrato, sempre respeitando a função social do contrato e a publicidade das condições do produto”, diz.
Dilmo B. Moreira reconhece que o seguro, em todas as suas variações tem objetivo social intrínseco. “Mas, para que isto possa ser realizado, as empresas desse segmento econômico devem observar, além de uma série de parâmetros legais, o equilíbrio financeiro de sua atividade e os limites de seus contratos e produtos para que todos possam ser beneficiados”, conclui.
Fonte: http://www.cvg.com.br – Texto: Márcia Alves
Blog do Florisvaldo – Informação com imparcialidade – 06/04/2015
Florisvaldo Ferreira dos Santos
Consultor de Seguros e Benefícios