É possível que 3 anos era a minha idade quando entrei na cozinha levando minha boneca de plástico com o pescoço quebrado… no fogão, um tanto alto para uma menina pequena, estava uma chaleira com água fervendo, à vista, as labaredas do fogo subindo. A idéia era esquentar as duas partes, pescoço e corpo da boneca, para em seguida colar, não me pareceu fácil e depois de tentativas frustradas, que puxei a chaleira pela asa que por ser quente e pesada, não tive nenhum domínio e a entornei sobre mim mesma … coisas de criança. A partir dai só lembro quando meu pai correu comigo nos braços até o caminhão, era o caminhão o meio de transporte que estava disponível em frente à nossa casa da Fazenda Lage Dantas, … ainda posso escutar meu pai aflito repetindo: “oh meu Deus! minha filha vai morrer ” … E foi com as dores de uma queimadura e a promessa da morte que chegamos Vila de Cansanção, lá nos recebeu seu Pedrinho, o farmacêutico da Farmácia Confiança, que era mais que médico, era um mago de mãos milagrosas … minha mãe ao lado, aflita, porém silenciosa, feitos os curativos eu sequer chorava, mas ainda esperava a recompensa (ou seria um castigo?) que até então não tinha recebido … parece que esqueceram, foi o que pensei, por isso perguntei: pai eu morri?
– Não minha filha, você não morreu!
Penso que fiquei um pouco decepcionada, pois não procurei por mais esclarecimentos, e assim fiquei ainda por muito tempo sem tocar no assunto morte.
Até quando, algum tempo depois fui com minha mãe a um velório, pois um amigo dos meus pais “morreu”, foi ai que vi os parentes e amigos chorando copiosamente junto àquele caixote esquisito, que imaginei ser uma caixa embalagem e desconfortável, como se fosse castigo para o homem ali dentro dormindo indiferente aos lamentos e cochichos.
Voltamos para casa e deixamos tudo como estava, o pobre coitado imóvel, e o povo lamentando.
Já no caminho perguntei a – minha mãe quando é que aquele homem vai acordar? minha mãe me disse: ele não vai mais acordar, ele morreu!
Foi então que entendi a morte, ou que seria a morte, e criei meu conceito: a gente dorme e não acorda mais.
Eu já tinha então, 6 ou 7 anos.
Fonte e Foto: Cansanção – Iolanda Damasceno Dreschers (autora) – Espaço Cultural – O Texto foi mantido fielmente como escrito.
Blog do Florisvaldo – Informação Com Imparcialidade – 10/10/2019