Ainda que certos fatos da vida possam parecer surreais e tenham características bastante pitorescas, eles jamais deixam de acontecer, e assim nos passam o convencimento de que é preciso acreditar em todas as possibilidades. O tempo passa com uma celeridade tão intensa, que muitos registros acumulados tendem a ocupar o espaço do esquecimento da memória de cada um e adormecidos por um longo tempo aguardam o despertar que, subitamente, um dia poderá acontecer.
Assim é que o acontecimento incomum que inspira essa crônica, faz parte da história da agência do BB-Mutuípe-BA, no Vale do Jiquiriçá, onde tive a honra de ser o seu Gerente-Adjunto Instalador, em 1979. Os personagens que fizeram parte dessa história de 40 anos se reuniram na última semana na AABB da cidade para festivamente comemorar, com grande entusiasmo e empolgação, a bela trajetória da agência. Foi uma fantástica festa de confraternização. Entre abraços eufóricos e a emoção do reencontro, os participantes tiveram uma rara oportunidade de recordar, entre brincadeiras e sorrisos, muitos casos e causos ricos de humor e cumplicidade.
Antes de ressuscitar aqui o humorado caso ricamente comentado por um dos colegas da época, é importante lembrar aos leitores de mais idade, e contar para os novos da atualidade, como era a rotina diária de uma agência bancária no interior, naquele tempo. À época as agências funcionavam em prédios pré-moldados e padronizados em todo o país. Passados alguns anos de uso, esses espaços, em algumas cidades, foram doados às Prefeituras, ou porque a agência veio a fechar ou por mudança de local, como ocorreu em Mutuípe. Naquele tempo máquinas de Autoatendimento, como hoje, nem pensar. As pessoas já formavam cedo a fila de espera na porta da Agência e quando esta se abria, logo corriam às pressas em direção aos guichês de Caixa ou ao balcão de atendimento do setor Rural.
A tecnologia ainda não tinha chegado às agências e as contas-correntes ou de empréstimo rural tinham a sua movimentação escriturada em fichas gráficas, no princípio feita à mão e com o advento do progresso, lançada em máquina modelo SHARP BA1000, sucessora da velha NCR. Os clientes que mais movimentavam, e bem relacionados na agência, tinham a intimidade de ter acesso manual às fichas de lançamentos, e assim visualizavam o seu saldo na presença do funcionário que os atendiam, pois eram assim os extratos da época! Às vezes andavam pela agência levando a ficha na mão. Os funcionários eram bem integrados com a comunidade, inclusive participando de “babas” conjuntos no campo da cidade ou futebol de salão na quadra do “Casarão”, de Antônio Vaz, na cidade vizinha de Jiquiriçá. O Gerente-Geral de então apreciava participar de Vaquejadas e nos finais de semana se transformava num legítimo vaqueiro.
Feita essa breve preliminar, vamos ao fato ocorrido. A cidade era ainda pequena e por ter morros à sua volta, a movimentação do gado entre fazendas ou levado para o abate, tinha de acontecer pelas ruas do centro. Num desses momentos em que uma vaca era conduzida para o abate, o animal assustado pelo movimento urbano, fugiu do controle dos vaqueiros e penetrou no interior da agência do BB, em pleno expediente, causando um tremendo alvoroço. Gritos de medo e pavor, clientes e funcionários amedrontados a subirem sobre mesas e balcão, enquanto a vaca escorregava sobre o piso liso e, surpreendentemente, deslizou até a porta do Gerente-Geral! Ela berrava tão forte que parecia querer dizer algo ao gerente da agência. Ou estaria a protestar vingativamente pelo fato do gestor ser um praticante de vaquejada e teria jogado ao solo o seu macho? Mas, o vexame foi contornado com a intervenção hábil do Contínuo Vicente, natural da terra e experimentado em atividades rurais, que arrastou a vaca pelo rabo com a ajuda de outros e assim o expediente voltou à normalidade, em meio a divertidos e variados comentários.
Claro que são ilações e questionamentos provocados pelo inusitado episódio. Mas, não tenham dúvidas de que foi um detalhe que enriqueceu essa memorável e brilhante confraternização.
E assim, até hoje, passados tantos anos, ficamos sem saber a intenção daquela vaca: se era vingativa, ou perdida e assustada com tudo aquilo que estava à sua frente, dentro da agencia!
Autor: Adm. Agenor Santos, Pós-Graduação Lato Sensu em Controle, Monitoramento e Avaliação no Setor Público – Salvador-BA.
Blog do Florisvaldo – Informação Com Imparcialidade – 07/07/2019
13 Comentários
Caro Agenor, bom dia!
Se você que vivenciou presencialmente o fato não tem a resposta, imagina o leitor que apenas ouviu a narrativa.
Fico imaginando a reação, caso você pudesse relatar este fato para um “Gestor Virtual”, muito comum nos dias de hoje com a tecnologia existente.
Eu costumo dizer que só conta historia, quem tem historia para contar. Quem tem é porque participou e viveu intensamente a vida. Quem não tem, é como se não tivesse existido.
Florisvaldo F dos Santos
Muito boa sua crônica Agenor, parabéns. Conheci todos os personagens desse episódio, só não tive o prazer de conhecer a Vaca. Kkkkkkkkk (Salvador-BA).
Sensacional! Os mais jovens deveriam ouvir as histórias do passado, como são enriquecedoras, sejam em forma de crônicas, causos, contos, narrativas, etc (Irecê-BA).
Tive duas sensações: Nostalgia e Humor. Parabéns! Velhos tempos de contatos pessoais e não virtuais. (Salvador-BA).
Foi longe, velho companheiro. E essa da vaca, hein?… (Salvador-BA).
Lembranças de desbravamentos por nós funcionários com agências bancárias instaladas em cidades sem a mínima infraestrutura, comunicação, estrada onde tudo era primário!! Em 1973 trabalhei em Nazaré e trabalhei com Contínuo Antônio Vaz e ele era daquela região. Nossa agência atendia a estes municípios como Mutuípe, Aratuípe, Salinas, Muniz Ferreira, Lage, Ubaíra.
Com a chegada do Banco do Brasil as cidades e regiões se desenvolviam e os produtores rurais financiavam suas culturas, casas, currais, pastagens, bovinos. O banco além de financiar tudo ainda pagava o sustento da família até começar a produzir!! Além de ter 8, 10 anos para pagar com carência de 2 ou 3 anos. Assim quem aplicava os recursos podia crescer. (Alagoinhas-BA).
Foi verdade, AGENOR ? (SALVADOR-BA).
Quando leio esta narrativa sinto-me tomado por uma nostalgia dos tempos heroicos de uma instituição como o Banco do Brasil. E pessoas como o cronista são o exemplo da dedicação e coragem dos funcionários que escreveram esta história. Que tanto colaborou para o desenvolvimento do Brasil. E sinto-me gratificado por ter testemunhado uma pequena parte desta era. Que me ensinou a importância do trabalho sério e honesto com respeito ao jeito humilde e sincero do brasileiro. Que podemos sentir nestas recordações escritas que nos enlevam com saudade e uma doce melancolia. FOZ DO IGUAÇU-PR
Esta crônica me faz lembrar que casos inusitados como este e outros que correu em agências do Banco do Brasil por este Brasil afora, em especial, fatos que fiscais da CREAI (CARTEIRA DE CRÉDITO AGRÍCOLA E INDUSTRIAL) foram protagonistas de situações em atendimentos FISCAL DA CREAI X COLONOS, em locais do Setor Rural, pelo Sertão e Interior do nosso Imenso Brasil. Fatos que ficaram gravados nas memórias desses brasileiros que desbravaram o Brasil afora. Funcionários do Banco do Brasil que formaram uma grande Família e que até hoje o respeito, tradição, ética e amor são elementos dessa grande família que jamais pereceram. (Manaus-AM).
Bela crônica! Eu vivi esses momentos aí em Mutuípe! KKKKKKK…. (Itapetinga-BA)
Adoro essas histórias!!! Fico imaginando a cena…kkk. Mas acho que a pobre da vaca não tinha sentimentos vingativos. (Uauá-BA).
Bela crônica! Eu vivi esses momentos em Mutuípe! KKKKKKK…. (Itapetinga-BA)
Crônica saborosa de lembranças daqueles tempos de BB do interior.
Passei três anos em Serrinha(1965-68), de onde guardo lembranças lindas.
Valeu! (Salvador-BA).