Eu estava com a cabeça ensaboada quando aconteceu. Não foi parando. Simplesmente parou. Então era verdade? Era verdade que eu devia ter levado a sério aquelas campanhas quase escolares e deixado de lavar a minha cabeça todos os dias? Talvez, com os litros de ontem, meus olhos não ardessem agora.
Saí do chuveiro ensaboada e fui tateando até a pia atrás de uma gota que me enxaguasse os olhos. Pequenos jatos moribundos me fizeram voltar a enxergar. Me enrolei na toalha e fui até a área de serviço. Encontrei Zezé de panela e esponja na mão.
-Eles nem avisaram!
-Avisaram sim!
-Quando?
-Eles vêm avisando… A gente que não levou a sério.
Ignorei a louça da Zezé e tentei tirar o sabão da minha cabeça no tanque. Não deu pra nada. Voltei pro chuveiro com duas garrafas de água mineral e terminei meu banho como uma princesa.
Então é assim? Vamos ficar mesmo sem água? Acho que a última vez que eu tomei banho de caneca foi junto com meus primos. Lembro da minha avó brigando porque lotamos a banheira de brinquedos sujando a água que também seria usada pra cozinhar.
Era divertido ir tomar banho no vizinho que se dava ao luxo de ter uma cisterna. Acho que não vou mais achar graça em conhecer banheiros alheios. Minha nécessaire ficou pesada demais e cabular um banho é uma delícia que deixei na infância.
No mesmo dia, peguei um avião. A água estava lá. Refletindo nosso Sol que por si só já pouparia milhões de litros se usado em energia. Fui olhando pela janela, atenta aos rios e lagoas. Somos mesmo muito mal acostumados neste nosso país tropical abençoado por Deus. Confiamos no Sol, na ausência de terremoto, de ciclone e delegamos simplesmente às chuvas o nosso abastecimento.
Não choveu. A natureza anda zangada e resolveu deixar o pessoalzinho se virar.
Se eles são tão bons em represar as águas, alterar as curvas dos rios, substituir árvores por postes, não é possível que não saibam pelo menos uma dança da chuva! Não sabemos.
Não aprendemos o essencial. O que poderia ter sido feito há muito mais tempo. Agora, vamos amargar o prejuízo olhando sedentos para as represas. Enquanto isso, pedi perdão à Santa Clara e pus um ovo na varanda com uma oração ao contrário.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/denisefraga/2014/11/1544712-vidas-secas.shtml
Denise Fraga é atriz e autora de ‘Travessuras de Mãe’ (ed. Globo) e ‘Retrato Falado’ (ed. Globo).
Blog do Florisvaldo – Informação com imparcialidade – 21/02/2015
Florisvaldo Ferreira dos Santos