Se você é mineiro irá entender direitinho o texto. Se não é, procure um mineiro fluente em mineirês para te explicar. Até porque, o que aqui escrevo nem é bem para entender, é para ser interpretado.
Depois de anos resolvi sair de Minas para conhecer outros mundos, culturas e povos diferentes. Como bom mineiro levei nas malas fotos, cartas que eu guardava desde adolescente, e claro biscoitos, queijos, doce e água pra beber no caminho. No coração, saudades que eu ainda nem sentia, sem nem entrar ainda no trem, mas sentia. Fui embora, sai de Minas e vivi outras emoções, mas meu coração não saiu de Minas. Minas Gerais é como uma tatuagem, um amor eterno. Esteja onde estiver Minas estará em você.
E depois de uns tempos fora, voltei. E mexendo com uns trem aqui em casa, peguei aquele trem que escreve e aquele trem de escrever e saiu esse trem que você está lendo. Eu gosto de escrever. Sempre mexi com as coisas das letras. Já mexi com rádio, mexi com jornal, já fui té tirador de retrato. Hoje eu mexo com tudo isso e mais um pouco.
O mineiro pode até esconder o seu “ser mineiro”, mas se entrega fácil. Eu me entreguei. Num restaurante chique em São Paulo, lá estava eu sentado na mesa e o garçom me olha e pergunta:
_ Você é mineiro não é?
_ Uai sô! Cumé qui cê sabe? Capais dum trem desses sô!
Assim é o mineiro, seu jeito de ser, falar e características próprias, não passam despercebidas.
O mineiro pode estar no mais fino restaurante, em qualquer lugar do mundo, que vai procurar no menu se tem comida mineira. Quer logo saber se o Feijão Tropeiro é igual ao Mineirão, se o Tutu de Feijão é de Paracatu, o Frango com Ora-pro-nobis de Sabará, o Doce de Leite de Viçosa, a Truta de Marmelópolis, o Queijo da Serra da Canastra, a Goiabada de São Bartolomeu, a Rapadura de Itaguara, o Requeijão de Poços de Caldas, o Catupiry de Lambari, o Vinho de Jabuticaba de Catas Altas, o Licor de Itaipé, o Peixe de Formiga, a Carne de Sol de Mirabela, a Carne na Lata de São João Batista do Glória, a Farinha de Montes Claros, o Pé-de-Moleque de Piranguinho, o morango do Sul de Minas, a mexerica de Belo Vale, a pamonha de Patos de Minas, o fubá de canjica de Bom Despacho, o arroz com pequi e costelinha de porco de Espinosa e aquela Cachacinha de Salinas. E ainda vai querer saber se na cozinha tem fogão à lenha e se a comida é feita em panela de pedra sabão de Ouro Preto. Com certeza vai. Ah, a panela tem que ser curada. Se não for, a comida não presta.
E quando volta pra Minas? Vai direto pra cozinha passar café no coador de pano e procurar pão de queijo. E mineiro adora café e como gosta! Faz café como ninguém e não titumbeia em perguntar:
_ A chaleira tá fervendo no fogão cumpadi?
_ Já tá uai!
_ Então pó pô pó?
_ Pó pô, mas num põe muito não pra num fica grosso por que esse pó que ocê tá pondo é forte padaná!
E por falar em pão de queijo, o que mineiro mais sente falta é de queijo e pão de queijo. O queijo está no sangue do mineiro. Mineiro sem queijo de Minas é mineiro triste. E eu quando vivia fora me entristecia quando olhava aqueles queijos que não falam uai. E o pão de queijo? Que pão de queijo o quê sô? Devia ser proibido chamar o que eles fazem de pão de queijo. Pode ser pão com algum trem, menos com queijo. Nó menino, eu não aguentava comer aqueles trocim não. Pão de queijo é o de Minas, isso mineiro fala com PHD no assunto.
Ah sô mais esse trem de ser mineiro é bão dimais da conta viu! Mineiro é mineiro e temos nossas diferenças sim, no jeito de falar e se expressar. O mineiro não é para entender, é para interpretar.
O que o povo de outro estado não consegue, nós não damos conta. A gente não paquera as moças, damos umas espiadas e nem ficamos perfumados, ficamos é cheiroso. Nós não caçamos briga, aqui a gente arruma é confusão mesmo.
Aliás, se quer caçar confusão com mineiro vai ter. Melhor evitar porque pra entrar numa confusão, mineiro faz o máximo para evitar, mas se entrar, cê tá lascado que nem saco de batata. A confusão vai até o fim. Demoramos pra entrar no meio da confusão, mas pra sair, espera chover canivete no dia de São Nunca.
Seu moço, me diga um trem: qual é a sua graça hein? Óia o jecossô e óia procê vê o jequelé!
E outra coisa, a gente fica meio assim sem jeito de perguntar a idade de alguém, principalmente de mulher. Mas perguntamos. Mineiro é bem sutil. Ele não pergunta a sua idade. Pergunta assim:
_ Me diga uma coisa: cê tá berano quantos anos hein?
Mineiro não gosta de pronunciar palavras inteiras, encurta tudo. Vossamescê reduziu para vosmecê, você, ocê, cê. Deu pra diminuir até aqui. Mas se tiver jeito, fica só o acento circunflexo.
Mineiro não pega ônibus, pega um ons. Não vai longe, vai é logo ali ó. É uai! É que mineiro é bom das pernas, gosta de andar a pé. De tanto costumar em andar, parece que tudo está pertim, chega rapidinho, num tirim de espingarda. Pra mineiro né. Mas pra quem é de fora, pode seguir reto a vida toda que o alí é lá, mas lá longe mesmo. Leva uma garrafa d´água e uma merenda para comer no meio do caminho.
A gente detesta conversa demorada. Quando a conversa está longa e sem graça vai ouvir assim: _ Ataia logo essa conversa sô!
Ataia mesmo porque senão sai confusão. Ninguém aguenta uma lenga lenga uai!
Mineiro bão mesmo é aquele que não sai no escuro. Que dá nó em goteira, não pisa no molhado, que desconfiado, que só acredita vendo mesmo. Não é muito de prosa com estranho não, mas se for com o fucim dele, nó, já é de casa, quase que parente.
Aliás, mineiro não gosta de falar não viu. Gosta é de prosear. Na prosa fala de tudo.
Mineiro é pontual mesmo. Dizem que a diferença de um mineiro para um relógio suíço é que este marca a hora certinha, o mineiro não, chega bem antes da hora marcada. Isso é pra não perder o trem e quando o trem chega, corre com os trem para ser o primeiro a entrar.
Quando eu estava lá pelas bandas do litoral de São Paulo, Rio de Janeiro e Nordeste tem sempre aqueles curiosos que perguntam como que a gente vive sem mar. De tanto me perguntarem e mostrar aquele risinho de bobo perguntei:
_ Cê sente falta da sua Ferrari zerinha? Do seu avião, da sua casa nos alpes suíços?
_ Cê tá loco mineiro, eu não tenho nada disso, como vou sentir falta?
_ Então sô, geograficamente Minas Gerais não tem mar, se não temos mar, porque vamos sentir falta do que não temos? E com tantas cachoeiras, rios, praias de rios, vamos sentir falta de mar, tem dó né sô?
Mas gente, sem mar a gente vive, nem nos faz falta, mas sem queijo, sem pão de queijo, sem biscoito, sem café, sem doce de leite, sem goiabada cascão, sem o nosso franguinho com quiabo, tropeiro, sem os nossos bolos, ai é demais, ai nenhum mineiro aguenta né. Ai não dá pra viver não. Esses trem faz falta demais sô! Só quem está longe disso tudo ai sabe o que eu estou falando.
Mas é isso, ser mineiro é muito mais que isso, tem trem demais pra escrever. Isso porque, como diz o nosso grande Guimarães Rosa “Minas são muitas”. Em cada canto de Minas você encontra um jeito diferente de falar, um jeito diferente de te olhar, um jeito diferente de agir, mas tenha certeza, encontrará um povo caloroso, que gosta de receber bem as visitas, de te se mostrar como mineiro em toda sua simplicidade, simpatia e carisma.
Minas Gerais é montanha, é minério, é ouro, é diamante, é carro de boi, é leite tirado no curral, é artesanato em pedra sabão, barro, argila e cerâmica. É fé, é religiosidade, é tradição, é chapéu e cigarro de palha. É Festa Junina, é Congado, é Reinado, é Semana Santa. É café, é leite, é fogão a lenha, é cavalgada, é queijo, é doce de leite no tacho, é fartura. O mineiro é um povo bão e como dizia alguém, que até hoje não sei quem de fato criou a frase mas é isso, “é junto dos bão que a gente fica mió”.
Texto e fotografia com direitos reservados à Arnaldo Silva – Foto ilustrativa, em São Bartolomeu, distrito de Ouro Preto MG com os amigos Bartinho e Dona Nhanhá.
Fonte: https://www.conhecaminas.com
Blog do Florisvaldo – Informação Com Imparcialidade – 12/05/2020