Mesmo com Luiz Inácio Lula da Silva condenado a 12 anos de prisão e agora detido em Curitiba após muitas tensões e manifestações, o PT mantém a intenção de registrá-lo como candidato à Presidência na Justiça Eleitoral – e a legislação permite que isso seja feito.
“Não será o PT que vai retirar Lula das eleições”, disse à BBC Brasil o vice-presidente nacional da sigla, Alexandre Padilha, nos Estados Unidos. “A lei estabelece que em agosto são registradas as candidaturas. O nome de Lula estará lá. Vamos seguir a lei e caberá ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) avaliar esse registro. Lula continuará a ser nosso candidato, preso ou não”.
Existe, no entanto, a probabilidade de que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) barre a candidatura do ex-presidente com base na Lei da Ficha Limpa, que torna condenados em segunda instância inelegíveis.
Esse processo não é automático. Segundo juristas ouvidos pela BBC Brasil, a análise do pedido tende a levar algumas semanas, pois é preciso tempo para o Ministério Público e a defesa se manifestarem e pode haver também depoimento de testemunhas. O prazo final para o TSE se pronunciar é 17 de setembro.
“A análise da Justiça Eleitoral pode durar 20, 25 dias. Enquanto isso está acontecendo, a pessoa que entrou com o pedido de registro tem direito a fazer campanha”, nota Lara Ferreira, professora de Direito Constitucional na faculdade Dom Helder Câmara e servidora do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais.
Não há previsão na legislação, porém, sobre como a campanha poderá ser feita na prática se Lula estiver na prisão, ressalta ela.
Gravar propaganda
De acordo com especialistas em Direito Eleitoral ouvidos pela BBC Brasil, caberá ao juiz responsável pela execução penal autorizar que o petista deixe a cadeia por algumas horas para gravar propaganda eleitoral, por exemplo, ou permitir a entrada de equipe de imagem na prisão.
“Se ele estiver preso, ele estará sob a guarda do juiz Sergio Moro ou do juiz de execução penal. Então ele precisará pedir autorização. Se o juiz recursar, ele poderá recorrer às instâncias superiores”, explica Alberto Rollo, advogado na área eleitoral.
Um procurador eleitoral ouvido pela BBC Brasil sob condição de não ser identificado disse ter o mesmo entendimento. “Se a lei permite que a pessoa seja candidata enquanto seu registro está em análise, devem ser dados os meios para fazer a campanha”, afirmou.
Há também a possibilidade de Lula ser solto antes da campanha (16 de agosto a 7 de outubro), caso o Supremo Tribunal Federal reveja sua decisão de permitir a prisão após condenação em segunda instância. Pode ser que a Corte reavalie o tema já na próxima semana, já que o ministro Marco Aurélio disse que levará a discussão ao plenário na quarta.
Lula pode ser eleito mesmo preso?
Caso o TSE recuse o registro da candidatura de Lula, o PT poderá recorrer ao Supremo Tribunal Federal, alongando o processo. E se não houver uma definição até a eleição, marcada para outubro, ele poderá disputar.
Na hipótese de ele ficar entre os dois primeiros colocados no primero turno (dia 7), mas ser barrado da disputa antes do segundo (dia 28), seus votos seriam anulados e o terceiro colocado disputaria o turno final no lugar de Lula, afirma o advogado Marcelo Peregrino, ex-juiz do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina.
Uma eventual votação significativa mas que seja impedida no segundo turno pode levar a “uma discussão séria sobre a legitimidade do novo presidente”, observa Peregrino.
Já se a análise da candidatura de Lula se estender tanto a ponto de ele conseguir disputar o segundo turno e, eventualmente, ganhar a disputa, sua candidatura pode vir a ser cassada pela Justiça Eleitoral mesmo depois de eleito presidente.
“Nesse caso, o presidente da Câmara assume a Presidência da República e convoca novas eleições diretas em 90 dias”, ressalta.
Na avaliação de Peregrino, é possível que esses cenários ocorram, pois a análise do TSE sobre as candidaturas não é rápida e Lula ainda poderia recorrer depois ao Supremo.
Já Alberto Rollo tem entendimento contrário e acredita que a Justiça tende a dar celeridade à análise do caso de Lula justamente por estar em jogo a eleição à Presidência da República, cargo mais importante do país.
“Seria muito grave deixar isso indefinido, não por causa de Lula, mas pelo cargo em disputa”, disse.
Caso a candidatura do ex-presidente seja definitivamente barrada antes do primeiro turno, o PT poderá substituir seu candidato. Hoje os nomes mais cotados para ficar no lugar de Lula são Fernando Haddad (ex-prefeito de São Paulo) e Jaques Wagner (ex-governador da Bahia).
Outro caminho possível que Lula deve explorar é tentar suspender sua inelegibilidade. A própria Lei da Ficha Lima prevê que ele pode pedir uma liminar com esses efeitos no Superior Tribunal de Justiça ou no Supremo. No entanto, é uma decisão difícil de ser concedida, já que a lei é clara em proibir a candidatura de condenados em segunda instância.
Lula está condenado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região a cumprir pena de 12 anos e um mês de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso tríplex do Guarujá (SP). Ele nega ter ganhado o imóvel da empreiteira OAS e diz ser vítima de perseguição.
Proteção aos direitos políticos
Os juristas ouvidos pela BBC Brasil não souberam indicar precedentes de pessoas presas após condenação em segunda instância que fizeram campanha da prisão. Tampouco o TSE respondeu a consulta da reportagem.
Na eleição de 2016, um candidato a vereador no interior da Paraíba preso preventivamente, ou seja, antes de ser condenado, concorreu mesmo na cadeia e pôde sair para votar no dia da eleição. Algemado, fez o V da vitória para as câmeras de TV.
Ubiraci Rocha concorreu pelo PPS e foi eleito para a Câmara Municipal de Catolé do Rocha, mas acabou renunciando ao cargo após a Justiça da Paraíba proibir sua posse.
Sua campanha usou como jingle uma versão da música Metralhadora, da banda baiana Vingadora, com inserções de rajadas de tiros. Ele é acusado de integrar um grupo de extermínio e tráfico de drogas no interior do Estado.
Lara Ferreira explica que os direitos políticos são garantidos pela Constituição Federal e não podem ser suspensos sem que haja condenação criminal. Por isso Rocha pôde concorrer mesmo preso.
“O direito político é um desdobramento dos direitos humanos. Ele é tão fundamental e tão básico como o direito à vida. A pessoa presa preventivamente não tem nenhuma nota de culpa prevista na Constituição, então não se poderia retirar dela um direito fundamental”, afirma.
É bom lembrar, porém, que o caso de Lula seria diferente justamente por ele já ter sido condenado em segunda instância, ou seja, por um tribunal colegiado.
Fonte: BBC Brasil