Justiça manda investigar acusações de tortura contra traficantes

Presos durante uma operação do Exército no Complexo da Penha, na Zona Norte do Rio, em 20 de agosto, denunciaram à Justiça e à Defensoria Pública que foram vítimas de uma sessão de tortura dentro de um quartel, na Zona Oeste. Na ocasião, oito homens — entre eles, um adolescente de 16 anos — foram detidos com armas e drogas pelos militares e levados para a 1ª Divisão de Exército, na Vila Militar. Quatro deles afirmaram, em depoimentos prestados em três ocasiões diferentes, que foram espancados com pedaços de madeira e levaram chicotadas com fios elétricos dentro de uma “sala vermelha” no quartel. Todos os oito relataram ter sido agredidos por militares após a prisão. Os juízes que ouviram os relatos pediram informações sobre o caso ou determinaram investigações ao Exército.

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Os depoimentos foram prestados nas audiências de custódia na Justiça Comum e na Justiça Militar, em 23 de agosto, e durante uma visita de três defensores públicos ao presídio onde estão detidos, em 27 de setembro. Já o adolescente fez a denúncia quando foi apresentado na Vara da Infância e da Juventude, um dia após ser apreendido.

O EXTRA teve acesso aos relatos. Os presos contam que foram levados do Complexo da Penha para a Vila Militar no início da manhã do dia 20. Alguns afirmam que, ainda no no jipe do Exército, levaram choques com armas taser e jatos de spray de pimenta no rosto. Os quatro presos que afirmam ter sido espancados dentro do quartel dão a mesma versão: dizem ter sido chamados para uma “sala vermelha” — cuja porta tinha essa cor — onde encontraram quatro homens sem farda e com capuzes cobrindo o rosto.

Um dos presos afirma que, na sala, “foi feito um interrogatório violento”, em que os militares perguntavam sobre traficantes do Complexo da Penha. “Ao responder que não sabia, apanhava com madeiradas na nuca e chicotadas com fio elétrico nas costas”, relatou o preso. Outro detido, de 23 anos, afirmou ter sido “ameaçado de ser sufocado com um saco plástico” durante a sessão de tortura e disse que “chegaram a colocar um preservativo num cabo de vassoura para assustá-lo”.

As lesões foram atestadas por uma médica durante a audiência de custódia. Segundo exames de integridade física feitos na audiência, três dias após as prisões, “há vestígios de lesão à integridade corporal ou à saúde da pessoa examinada com possíveis nexos causal e temporal ao evento alegado” — as agressões relatadas. A pedido do EXTRA, o legista Leví Inimá de Miranda comparou os documentos com exames feitos ainda no quartel, no dia das prisões. Segundo ele, “há divergências”.

— Em mais de um caso, as agressões detectadas na audiência de custódia foram mais numerosas do que as detectadas no quartel — afirma o perito.

“Conduta dos militares é absurda”, escreveu juíza

Todos os presos afirmam ter ficado no quartel — onde foi lavrado um auto de prisão em flagrante contra sete deles pelo crime de tentativa de homicídio contra dez militares — até a madrugada do dia 21. Por volta de 1h, eles foram levados à Cidade da Polícia, onde foi registrado — às 16h do dia 21, um dia e meio após as prisões — o flagrante pelo crime de tráfico de drogas.

Após ouvir os relatos, a juíza Amanda Azevedo Ribeiro Alves, da Central de Audiências de Custódia, determinou a apuração do caso pelo Comando Militar do Leste (CML): “a conduta dos militares é totalmente reprovável e absurda, devendo ser investigados e punidos, caso haja comprovação do abuso de poder”, escreveu a magistrada. O juiz Marco Antônio Azevedo Junior, da Vara da Infância e da Juventude, também mandou que o CML apurasse a denúncia. No caso da Justiça Militar, foram pedidos esclarecimentos ao CML.

O que fala o Exército

Procurado, o CML afirmou, em nota, que “não compactua com quaisquer ações que não estejam dentro do ordenamento jurídico” e disse que “os militares que participaram da prisão não cometeram qualquer irregularidade ou ilícito penal durante a ocorrência”. O órgão também confirmou que foi notificado pela Justiça sobre “supostas ocorrências de irregularidades e abusos”. No entanto, afirmou que “nenhum Inquérito Policial Militar foi instaurado”.

O EXTRA, então, perguntou por que o caso não seria investigado. O CML respondeu que “os ofícios remetidos pela Justiça foram respondidos” e que “seria inadequada a instauração de um IPM para investigar alegações que não apresentem suporte probatório mínimo de verossimilhança”.

*EXTRA

Gabriel Araújo: Jornalista, produtor de conteúdo digital, especialista em servidores Linux e Wordpress. Escreve sobre Carros, política, Esportes, Economia, Tecnologia, Ciência e Energias Renováveis.