Essa é a avaliação de associações de juízes e procuradores do trabalho ouvidas pela coluna. Na última semana, o presidente Jair Bolsonaro fez intensa campanha para que os brasileiros ignorassem as recomendações da Organização Mundial da Saúde e do Ministério da Saúde e as decisões de prefeitos e governadores e voltassem à normalidade. Ameaça baixar um decreto presidencial para ordenar que isso aconteça.
Enquanto isso, defende o que chama de “isolamento vertical”, ou seja, separar do convívio social apenas idosos e pessoas mais suscetíveis à doença. Parte do capital veio a público apoiar a posição do presidente. Contudo, trabalhadores informais, desempregados, assalariados e micro e pequenos empresários ainda aguardam repasses de recursos por parte do governo para que eles, seus empregos e seus negócios sobrevivam à crise.
“Exigir que empregados voltem a trabalhar, ou seja, saiam de situação de isolamento social determinada por autoridades pode gerar responsabilização do empregador nos âmbitos trabalhista, civil e penal.” A avaliação é de Ângelo Fabiano da Costa, presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT).
A opinião é a mesma da presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Noemia Porto: “se o empregador determinar o retorno ao trabalho, estando a pandemia e a calamidade pública oficialmente reconhecidas, e com atos normativos locais recomendando a restrição de circulação de pessoas, estará assumindo o risco e eventuais responsabilidades, por perdas e danos morais e materiais, caso o trabalhador venha a se contaminar”.
O presidente da ANPT explica que apesar da Medida Provisória 927/2020 afirmar que casos Covid-19 não serão considerados doenças ocupacionais, salvo em situações com comprovação do nexo causal, os empregadores pode sim ser punidos. O juiz pode inverter o ônus da prova, colocando no colo do empregador a necessidade de provar que seu funcionário não ficou doente com a volta ao serviço.
Para evitar que a MP seja um entrave aos trabalhadores, as entidades estão questionando sua constitucionalidade e fazendo um trabalho de convencimento junto aos parlamentares dos impactos que ela pode trazer à saúde. Medidas Provisórias têm 120 dias para serem aprovadas pelo Congresso Nacional, caso contrário, perdem a validade.
Um dos objetivos dessa medida teria sido afastar a estabilidade acidentária, ou seja, a garantia de 12 meses sem demissão após o retorno por doença ocupacional.
Ida e volta ao trabalho
“Se o trabalhador não estava doente e consegue comprovar que ficou a partir da determinação de retorno, há uma grande chance desse retorno ter sido ocasionador da doença”, explica Ângelo Costa. “Mesmo o trajeto, ou seja, o uso de transporte público necessário para o deslocamento, será considerado. E a reparação não inclui apenas o trabalhador, mas também os danos que sua família vier a sofrer”, completa Noemia Porto.
O trabalhador pode solicitar indenização por danos materiais, o que inclui gastos relacionados à doença, medicamentos e tratamento e o que deixou de ganhar por ter adoecido. E danos morais ou extrapatrimoniais.
E se, tragicamente, a pessoa vier a falecer em decorrência disso, sua família também pode pleitear danos materiais e morais, o que garantiria pensão vitalícia e indenização pela perda do ente querido. Além, é claro, de responsabilização criminal, uma vez que a Justiça pode considerar que o chamado obrigatório expôs a vida ou a saúde de terceiros a perigo direto e iminente.
Denúncia
Caso os trabalhadores sejam convocados e estejam temerosos tanto a voltarem ao trabalho sem que o empregador garanta cuidados básicos para sua saúde quanto a se negarem a ir e serem demitidos, Ângelo Costa afirma que eles podem fazer uma denúncia ao Ministério Público do Trabalho. O órgão atuará nos casos de interesse coletivo, resguardando a saúde e os empregos, solicitando que o patrão demonstre as condições em que aquele trabalho está acontecendo e as medidas de prevenção.
E, eventualmente, o MPT pode entrar com ações civis públicas, para resguardar a saúde e a segurança, e ações civis coletivas, para pleitear danos materiais e morais aos trabalhadores.
“Constitucionalmente falando, o Estado de Direito é de responsabilidade e de responsabilização. A imprudência poderá sim estar caracterizada”, explica a juíza Noemia Porto. “O empregador tem a prerrogativa de condução do negócio. Se assim proceder assumindo o risco de agredir a saúde do trabalhador e de sua família pode responder por isso.” (Fonte: UOL)