“Honra e glória ao Ministério de 7 de março” pela Lei do Ventre Livre, 1871.
– Litografia do mercado de escravos na rua do Valongo, no Rio de Janeiro, a partir de pintura de J. M. Rugendas (1802-1858), século XIX.
A lei n. 2.040, de 28 de setembro de 1871, conhecida como Lei do Ventre Livre ou Lei Rio Branco, é considerada um marco no processo abolicionista brasileiro e, assim como a Lei Eusébio de Queiroz (1850) e a Lei dos Sexagenários (1885), fez parte de um conjunto de medidas que buscavam equacionar o problema da escravidão no Império, culminando na promulgação da Lei Áurea em 1888.
Libertações graduais não foram um fenômeno restrito ao Brasil; leis de libertação do ventre ocorreram em outros países latino-americanos, como Chile, onde foi promulgada em 1811, e República da Antioquia, território da atual Colômbia, em 1812. Em 1821 foi a vez dos demais territórios da Colômbia, além de Venezuela, Equador e Peru. No Uruguai, a lei é de 1825. Assim, observa-se que o processo de transição regulada da mão-de-obra escrava para a livre foi uma tendência geral nos países recém-independentes, apesar da influência do liberalismo, que englobava as noções de cidadania e igualdade perante a lei. Esses princípios esbarravam na questão da propriedade, e a solução para conciliar interesses diversos foi a libertação gradual feita mediante a indenização dos proprietários. Além disso, temia-se que a extinção definitiva da escravidão pudesse gerar a desordem social. (MATTOS, 2009; SECRETO, 2011).
As pressões internacionais para a abolição dos escravos datam do início do século XIX. Entretanto, no Império brasileiro houve uma grande resistência à libertação dos cativos, o que postergava a extinção definitiva da escravidão. Os debates sobre a liberdade dos ingênuos iniciaram-se no Brasil em 1865, quando o imperador solicitou a José Antônio Pimenta Bueno a elaboração de propostas de lei acerca da abolição dos escravos. No ano seguinte, o visconde de São Vicente apresentou um projeto de libertação dos filhos das escravas ao Conselho de Estado, que acabou sendo engavetado.
Ao longo da década de 1860, a questão abolicionista havia crescido no cenário internacional. O fim da Guerra Civil Americana levou à extinção da escravidão nos Estados Unidos. As potências europeias libertaram os cativos em suas colônias, e até a Espanha, que resistia à abolição, determinou a liberdade do ventre em Cuba, em 1870, através da Lei Moret. Esses fatores estimularam a retomada das discussões acerca do tema no Brasil, dando origem à lei de 28 de setembro de 1871 (CHALHOUB, 2003, 139-141; SECRETO, 2011).
Em linhas gerais, a lei definiu que os filhos de mulher escrava que nascessem no Império a partir da sua promulgação seriam considerados livres. As crianças, também chamadas de ingênuos, ficariam em poder dos senhores de suas mães, que teriam a obrigação de criá-los e tratá-los até a idade de oito anos. Após essa idade, o senhor teria a opção de entregar o menor ao governo e receber uma indenização, ou utilizar seus serviços até os 21 anos. A prestação de trabalho poderia ser suspensa se fosse reconhecido que os senhores empregavam aos menores castigos excessivos.
O governo poderia entregar a associações ou a pessoas, na ausência de estabelecimentos, os filhos das escravas que fossem cedidos ou abandonados pelos senhores, ou tirados do poder destes no caso de maus tratos. Essas associações teriam o direito de explorar o serviço do menor até 21 anos, mas eram obrigadas a criá-los e tratá-los, constituir um pecúlio para cada um e providenciar-lhes colocação quando findo o tempo de serviço.
O governo também teria o direito de recolher os menores e utilizá-los em estabelecimentos públicos. Em 1873, por exemplo, foi criado o Estabelecimento Rural de São Pedro de Alcântara, na província do Piauí, com o objetivo de ser uma escola agrícola para ingênuos e libertos. O estabelecimento era diretamente subordinado à Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, cuja Diretoria de Agricultura tornou-se responsável pela execução da Lei do Ventre Livre a partir da reforma ministerial de 1873 (LIMA, 1988, p. 84).
Um outro aspecto importante da lei foi em relação às possibilidades de aforramento, através de um fundo de emancipação destinado a alforrias anuais, que deveria existir em cada província do Império, ou através da compra da liberdade pelo próprio escravo, agora autorizado a formar um pecúlio que poderia vir de doações, legados, heranças ou, com o consentimento do senhor, do seu trabalho e economias. Além disso, a legislação também proibiu a separação de cônjuges e dos filhos menores de doze anos, no caso de venda, e tratou da libertação dos escravos pertencentes à nação, dados em usufruto à Coroa, das heranças vagas e dos abandonados por seus senhores.
Por fim, a lei determinou a matrícula especial de todos os escravos existentes no Império, com declaração de nome, sexo, estado, aptidão para o trabalho e filiação de cada um, se fosse conhecida. Além disso, estabeleceu que, caso os escravos, por culpa ou omissão dos interessados, não fossem matriculados até um ano depois da promulgação da lei, seriam considerados libertos. No caso dos filhos de mulher escrava, a legislação definiu que estes deveriam ser matriculados em livros distintos, e que os párocos seriam obrigados a ter livros especiais para registro de nascimento e óbitos dos nascidos, desde a data da promulgação da lei. Caso os senhores ou os párocos não cumprissem as determinações, seriam aplicadas multas ou mesmo a prisão simples de até um mês. Em 1º de dezembro de 1871, pelo decreto n. 4.835, o governo aprovou o regulamento para a matrícula especial dos escravos e dos filhos livres de mulher escrava. Com a lei n. 3.270, de 28 de setembro de 1885, mais conhecida como Lei dos Sexagenários ou Saraiva-Cotegipe, uma nova matrícula de cativos foi determinada. – Louise Gabler – 22 set. 2015
Bibliografia
BRASIL. Lei n. 2.040, de 28 de setembro de 1871. Declara de condição livre os filhos de mulher escrava que nasceram desde a data desta lei, libertos os escravos da Nação e outros, e providencia sobre a criação e tratamento daqueles filhos menores e sobre a libertação anual de escravos. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 147, 1871.
– . Decreto n. 4.835, de 1º de dezembro de 1871. Aprova o regulamento para a matrícula especial dos escravos e dos filhos livres de mulher escrava. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 708-721, 1871.
CHALHOUB, Sidney. Escravidão e Cidadania: a experiência histórica de1871. In: Machado de Assis, Historiador. São Paulo: Cia da Letras, 2003.
GABLER, Louise. A Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas e a modernização do Império (1860-1891). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2012. Cadernos MAPA n. 4. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2012. Disponível em: <https://goo.gl/Hz6ddk> Disponível em:< Acesso em: 5 abr 2013.
LIMA, Fernando Sgarbi. História Administrativa do Brasil: organização e administração do Ministério da Agricultura no Império. Coord. Vicente Tapajós. Brasília: Funcep, 1988.
MATTOS, Hebe. Racialização e cidadania no Império do Brasil. In: José Murilo de Carvalho e Lucia Bastos Pereira das Neves (orgs.). Repensando o Brasil do Oitocentos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.
SECRETO, María Verónica. Soltando-se das mãos: liberdades dos escravos na América espanhola. In: Azevedo, Cecília; Raminelli, Ronald. Histórias das Américas: novas perspectivas. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2011, pp. 135-159.
Referência da imagem: Rio de Janeiro: Imperial Instituto Artístico, [1871]. GRV 11
Fonte: http://mapa.an.gov.br
Blog do Florisvaldo – Informação Com Imparcialidade – 28/09/2020