Conhecida pelas belas praias, a cidade de Maragogi, no litoral de Alagoas, se tornou um modelo para que pesquisadores de seis universidades entendessem melhor a dinâmica da pandemia de covid-19 em um cenário monitorado. As análises duraram quase um ano e apontam que hospitais, unidades de saúde e mercados são locais superpropagadores do coronavírus —e ajudaram a criar um rastro de como as pessoas são infectadas na maioria dos casos.
A pesquisa reúne cientistas de USP (Universidade de São Paulo), Unicamp (Universidade de Campinas), FGV (Fundação Getúlio Vargas), UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e Ufal (Universidade Federal de Alagoas).Além deles, a equipe conta com cinco alunos do ensino médio público de Alagoas premiados em olimpíadas brasileiras de Matemática ou Informática.
O projeto teve início em março de 2020, quando uma plataforma para montagem de um banco de dados começou a ser elaborada. Em maio, a ferramenta ficou pronta e não só ajudou a entender a pandemia, como também ajuda hoje a prefeitura na caça aos contaminados na cidade.
“A pergunta fundamental inicial era: qual o principal foco, o motor da doença? A partir dessa questão, a gente começou a estudar o problema”, conta Tiago Pereira, do Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria da USP.
Para chegar a essa resposta, os cientistas usaram as informações coletadas de pessoas doentes —e que compõem um banco de dados com cerca de 5.900 pacientes. Esse acervo traz detalhes como pessoas com quem o paciente teve contato e locais onde trabalha e mora.
Com isso, foi possível montar um quebra-cabeça dos locais responsáveis pela proliferação do coronavírus. Os pesquisadores descobriram que hospitais, unidades de saúde e mercados foram a origem de outra onda de infecções: as que ocorrem dentro das casas. “Mas são infecções secundárias, em que a pessoa vai a um lugar, como um mercado, se infecta, volta e contamina a família”, afirma.
O ponto mais surpreendente da pesquisa, diz Pereira, é que a feira livre da cidade —que chegou a ser suspensa no começo da pandemia— não contribuiu para alastrar a epidemia.
“No início achávamos que ela seria importante na dinâmica, mas ao vermos a estrutura das pessoas que visitavam a feira e quanto tempo elas passavam em contato, começou a ficar claro que ela não ia ter um papel tão importante”, destaca.
O pesquisador do Instituto de Matemática da Ufal, Krerley Oliveira, explica que a formação de um banco de dados robusto foi decisiva para o sucesso do projeto.
O sistema classifica os casos recebidos pelas equipes de saúde. “Isso gera um contador, tipo um relógio, que coloca aquele caso em um período e depois muda para recuperado, por exemplo”, explica.
A base de dados conta hoje com pacientes de três cidades alagoanas —além de Maragogi, Campo Alegre e Dois Riachos também têm dados. Ao longo dos meses, os pesquisadores conseguiram ajustar as variáveis e chegar a parâmetros para entender o comportamento do vírus, como os contatos do paciente e a probabilidade de contaminação em um ambiente.
Com as informações colhidas, os pesquisadores começaram a construir modelos para entender o que estava acontecendo em Maragogi e que servem para qualquer cidade do país.
“Conseguimos, por exemplo, estimar as pessoas que foram infectadas na cidade, baseado no número de pessoas internadas e óbitos. Isso foi possível de julho do ano passado para cá, quando começamos a sofisticar o modelo”, assegura.
Desde outubro a equipe envia as informações associadas à geolocalização para a Secretaria de Saúde, que busca, testa e isola os doentes. “Assim, conseguimos achar assintomáticos e podemos isolá-los antes de contaminar mais pessoas”, diz.
Hoje, a plataforma está disponível para todas as prefeituras de Alagoas de forma gratuita e pode servir para entender a dinâmica da epidemia. Com os modelos já aprimorados, Maragogi também serviu como experimento para sugerir uma estratégia de vacinação para frear a pandemia.
“A gente fez algumas simulações. Uma delas seria vacinar todos os idosos de Maragogi. Isso diminui o número de mortes , mas praticamente não tem impacto nenhum na propagação da epidemia como um todo”, conta o pesquisador Tiago Pereira. “Se vacinarmos também trabalhadores dos serviços essenciais, além de conseguir salvar os idosos, ainda consegue-se um impacto muito grande na população”, completa.
Fontes: Carlos Madeiro /Colaboração para Tilt, em Maceió e UOL