NECESSÁRIAS REMINISCÊNCIAS
É rememorando e exaltando seus ícones e protagonistas, respectivamente atrelados ao estudo e às vivências do maior e mais dramático movimento sócio-religioso verificado no sertão nordestino – a guerra fratricida de Canudos (1896/97) – que, em outubro próximo, se deve celebrar e, por conseguinte, dar seqüência aos debates, às livres reflexões e às produções diversas atinentes, portanto, aos 120 anos do seu trágico e assustador desenlace, cujos resultados, para além das consideráveis perdas materiais, foram milhares de mortos e mutilados, centenas e centenas de órfãos e desaparecidos.
Somando-se à magnífica obra, exaustivamente lida, comentada e até havida como “vingadora”, Os Sertões (1902), do laureado escritor cantagalense e então correspondente de guerra, Euclides da Cunha (1866-1909), ressalte-se, aqui, o legado deixado, igualmente através de valorosos escritos, por alguns combatentes daquele longo e insidioso conflito, a exemplo de Antônio Constantino Nery (“A quarta expedição contra Canudos; cem léguas através do sertão”), Emídio Dantas Barreto (“Destruição de Canudos” e “Última Expedição de Canudos”) e Macedo Soares (“A Guerra de Canudos”); os corajosos relatos de jovens estudantes de Medicina, que voluntariamente se aprestaram ao atendimento dos feridos no campo da luta, como Alvim Martins Horcades (“Descrição de uma viagem a Canudos”) e Francisco Oliveira Xavier (“Reminiscências da Guerra de Canudos”), bem como as narrativas e crônicas de outros correspondentes atuantes no palco da luta, tais quais Fávila Nunes (“História de Canudos; narrativa documentada dos sertões do estado da Bahia”) e Manoel Benício (“O rei dos jagunços. Crônica Histórica e de costumes sertanejos sobre os conhecimentos de Canudos. Documentada e Comentada”). Vale, ainda, destacar a relevante obra de Lélis Piedade, jornalista e político baiano, então secretário do Comitê Patriótico da Bahia, organismo criado para o acolhimento dos sobreviventes da grande guerra e que, ao encerrar seus trabalhos, produziu corajoso e denso relato (“Histórico e Relatório do Comitê Patriótico da Bahia” – 1897/1891), denunciando as barbaridades padecidas por tantas mulheres e crianças resgatadas do arraial de Canudos. Louve-se, aqui, inclusive, a sua reedição, em 2002, empreendida pelo incansável e qualificado pesquisador da temática de Canudos, Antônio Olavo.
No entanto, para este professor que hoje rabisca, debruçado apenas vinte anos aos estudos de tão relevante episódio da história brasileira, inclusive por muito tempo erroneamente interpretado, não raro ignorado, pelos currículos escolares, imperativo é destacar, nesta plêiade de indivíduos umbilicalmente atrelados ao tema Canudos, dois outros nomes, a partir dos quais, em razão de seus grandes feitos, as pesquisas e interpretações ganharam novas cores e caros sentidos: Odorico Tavares e José Calasans.
O primeiro foi poeta, jornalista, acadêmico, além de dedicado colecionador de obras de arte, nascido em Timbaúba (1912), zona da mata pernambucana. Radicou-se, entretanto, em Salvador desde 1942. Em 1947, empreendeu diversas reportagens para a revista O Cruzeiro, depois reunidas no livro “Bahia, Imagens da Terra e do Povo” (1951), obra premiada com a medalha de ouro na 1ª Bienal Internacional do Livro e Artes Gráficas de São Paulo, em 1961. Para tal reportagem, escrita por ocasião do cinqüentenário da Guerra de Canudos, Odorico Tavares viajou pelas paragens anteriormente visitadas no sertão baiano pelo já citado escritor Euclides da Cunha, acompanhado pelo ainda jovem e depois não menos laureado fotógrafo francês, Pierre Verger (1902 – 1996). Da referida obra, em separata, nasceria outra de inestimável valor, intitulada “Canudos: cinqüenta anos depois” (1947). Dar-se-ia, naquele contexto de estudos e com rigor documental, a escuta valiosa e, conseqüentemente, o conhecimento/socialização das vozes dos vencidos da História, partícipes da sangrenta refrega sertaneja. Vieram à tona nomes como Maria Avelina, Manuel Ciriaco, Idalina da Conceição, Francisca Gulhermina, José Travessia, Pedrão, Broegas, Francisco Macedo, Velho Mariano, heróis até ali anônimos, os quais ressaltaram, a partir de suas memórias, outros nomes vinculados à insana peleja e que se tornariam célebres, a exemplo de Pajeú, João Abade, Vila Nova, Vicentão, etc, então grandes combatentes do peregrino Antônio Conselheiro. Tal contribuição inegavelmente contribuiria para a libertação, de acordo com a fala do segundo protagonista acima referenciado, o mestre José Calasans, dos estudos canudenses da famosa “gaiola de ouro” euclidiana!
Tendo sido, para minha honra, alegria e sorte, aluno, nos tempos de estudante de História da Universidade Federal da Bahia, UFBA (anos 80) e, depois, quando já professor da UNEB (anos 90), assíduo seguidor, em diversos colóquios e congressos, do prof. Calasans, certamente o mais qualificado e generoso estudioso do tema Canudos, imperioso é relembrá-lo e reverenciá-lo nesses 120 anos do funesto massacre perpetrado ao insurrecto arraial do Bello Monte Conselheirista (05/10/1897), pois que, a partir das suas persistentes pesquisas e inestimáveis contribuições, ancoradas, em grande parte, na oralidade – método investigativo ainda por alguns historiadores pouco considerado – deve-se a este saudoso mestre respectivamente o surgimento e o enriquecimento de novas e mais fundamentadas interpretações do tema Canudos, o que, sem dúvida, seduziu e ainda seduz a tantos jovens estudantes acadêmicos e pesquisadores dos variados campos do conhecimento (História, Sociologia, Antropologia, Geografia, etc.), quanto, também, aos diversos artistas da palavra, da poesia, do romance, da música, do teatro, do cinema, do vídeo e das artes plásticas.
2017: rememorar e, com responsabilidade, proceder à justa visibilidade da saga canudense, destacando-se as grandes obras edificadas pelo seu inconteste líder – construção ou restauração de igrejas e cemitérios, escavação de poços, aguadas e cacimbas -, bem como a devoção e a labuta cotidiana do seu numeroso séquito, formado por sertanejos advindos das mais áridas e longínquas paragens e que lutaram, tendo a fé como primacial guia, em defesa de seu solo, para muitos deles, inclusive, concebido sagrado. Para além da sua rica, exemplar e dramática história, ou em razão das qualificadas obras, dos dramáticos depoimentos e densos relatos legados pelos seus autores e estudiosos de vários matizes, torna-se imperativo a livre discussão do tema, em face, sobretudo, da injusta persistência do excludente quadro social que absurdamente atinge – seja no campo, seja nas cidades – a tantos e despossuídos brasileiros. Salve o sertão! Salve Canudos!
Prof. Roberto Dantas*
Historiador/Documentarista
UNEB – Salvador.
*Prof. Roberto Dantas
Email: [email protected]
Blog: www.robertodantassertao.blogspot.com
Face: Bob Dantas
Fones: 71-99977.9807 / 71-3233.2768
– Professor de História da Bahia e de Cultura e Contemporaneidade.
(Universidade do Estado da Bahia / UNEB)
– Idealizador e Coordenador do Curso de Extensão “Antônio Conselheiro
e o Episódio Canudos” (desde 1996);
– Idealizador e Coordenador Geral do Projeto de Pesquisa “A caminho do sertão de Canudos” (2005-2009);
– Idealizador e Coordenador Geral do Projeto de Pesquisa “Canudos: novas trilhas” (2010/2011).
Obras Acadêmicas Publicadas:
– “Os intelectuais e Canudos; o discurso contemporâneo. História Oral Temática”. Salvador, Editora UNEB. Vol. I (2001) e Vol. II (2003);
– “O peregrino e o arraial resistente; breves notícias de Conselheiro e Canudos”. Fundação Pedro Calmon/SEC-BA (2009);
– “Canudos: novas trilhas”. Organizador/Coordenador. Petrobras/2011.
Documentários lançados:
– Flagrantes de Rua; a Bahia em Movimento. Festas religiosas.
(2004)
– I Feira de Arte e Cultura Popular do Sertão. Monte Santo/Bahia
(2008)
– Multi-Evento Cultural Cidades-Irmãs. Canudos/Monte Santo e Euclides da Cunha.
(2009)
– Canudos: novas trilhas
(2011)
– Cantos e Falas de Uauá.
(2012).
COLABORAÇÃO E COMPLEMENTOS DE:
José Deusimar Loiola Gonçalves
Apicultor Meliponicultor; Ex-Diretor de Comunicação da FEBAMEL; Vice-Presidente da AMAMOS-Associação dos Meliponicultores e Apicultores de Monte Santo; Pós Graduado em Gestão e Educação Ambiental, e Assistente Técnico em Desenvolvimento Rural-BAHIATER/FLEM.
(75) 9131-0784/ 9998-0025