José Gonçalves e José Deusimar Loiola Gonçalves
MISSÃO DE GUERRA (Como dois capuchinhos tentaram calar a boca de Antônio Conselheiro)
Por José Gonçalves do Nascimento*
Desde que aportou no sertão da Bahia, na segunda metade do século XIX, Antônio Conselheiro foi alvo da perseguição da Igreja. Abalada em sua condição de detentora do monopólio da fé, a estrutura eclesiástica despendeu todos os esforços possíveis na campanha contra o peregrino de origem cearense. Em 1888, acusando o beato de subverter a doutrina católica e desestabilizar a ordem pública, o arcebispo da Bahia cobrava do presidente da província uma solução para o caso.
A perseguição da Igreja à figura de Antônio Conselheiro atingiu seu vértice em 1895 com a ida a Canudos de dois missionários do Convento da Piedade, de Salvador: frei João Evangelista do Montemarciano e frei Caetano de São Léo. Acompanhados do padre Vicente Sabino, vigário do Cumbe (atual Euclides da Cunha/BA), ambos permaneceriam no povoado sertanejo entre os dias 13 e 20 de maio daquele mesmo ano.
A visita, de caráter oficial, tinha como objetivo específico dispersar a população reunida em torno do Conselheiro, fazendo-a retornar aos seus lugares de origem. Informou Montemarciano que “de ordem e em nome do senhor arcebispo, ia abrir uma santa missão, e aconselhar o povo a dispersar-se e a voltar aos lares e ao trabalho, no interesse de cada um e para o bem geral.” Assim, acabariam os capuchos servindo de porta-vozes dos demais setores da sociedade que reclamavam o fim imediato da comunidade canudense.
Fundado em maio de 1893, graças aos esforços de Antônio Conselheiro, o arraial de Canudos crescera e se tornara autossuficiente, não dependendo do Estado nem dos senhores da terra. Do lado religioso, a pregação do beato obtinha grande respaldo junto às populações sertanejas. Os fiéis preferiam as prédicas vibrantes do peregrino aos sermões enfadonhos dos párocos. Esse conjunto de fatores despertou a ira da elite brasileira, que passou a divisar em Canudos um inimigo altamente perigoso.
A missão capuchinha não logrou o êxito que se esperava. A postura em nada elegante dos religiosos logo entrou em choque com a comunidade dos sertanejos, inviabilizando o andamento dos trabalhos. Isso fez com que os missionários retornassem à capital baiana, antes mesmo da data prevista.
Em relatório expedido no final da malsucedida desobriga, com o fim de justificar os insucessos vivenciados durante a estada em Canudos, os religiosos acusam Antônio Conselheiro de inimigo da Republica e restaurador da Monarquia, algo totalmente infundado, pois mesmo os inimigos do beato, entre os quais o senador Ruy Barbosa, reconheceram não ter havido no arraial o mais leve indício de restauração.
Os frades ainda apontam o Conselheiro como fanático, herege e cismático; alguém a conduzir o povo por um caminho diferente do da verdadeira religião. As prédicas do peregrino, todavia, atestam o contrário. Nelas não há nada que destoe da doutrina católica. Basta ver com quanta insistência cita ele os grandes mestres da Igreja, como Santo Agostinho, Santo Tomás de Aquino, São João Crisóstomo e tantos outros. Se a pregação do Conselheiro diferia da de certos padres, é porque procurava transferir para a terra aquilo que os curas só conseguiam vislumbrar no além-túmulo.
Segundo relataram os capuchos, a população canudense vivia mergulhada na mais extrema miséria, morrendo-se aos montes, dia após dia. Testemunhos da época, contudo, contrariam tal afirmação. César Zama, político baiano e Manoel Benicio, jornalista e militar, garantem ter sido Canudos uma comunidade economicamente próspera. Aproveitando a fertilidade do rio Vazabarris, lá se cultivavam legumes, cereais, mandioca, cana, etc. Tudo com muita fartura. O bode assumia papel de destaque na economia sertaneja. Em pouco tempo, Canudos tornou-se ponto importante de venda de peles caprinas, “o que proporcionava ao Estado pingue fonte de receita de imposto de exportação”, relata Zama.
Ao fim do já citado relatório, os missionários acabam por exortar a força governamental a utilizar a repressão contra o arraial sertanejo. O fato se consumará um ano e meio mais tarde, banhando de sangue as adustas terras do semiárido baiano. Lê-se no referido expediente: “o desagravo da religião, o bem social e a dignidade do poder civil pedem uma providência que restabeleça no povoado dos Canudos o prestígio da lei, as garantias do culto católico e os nossos foros de povo civilizado. Aquela situação deplorável de fanatismo e de anarquia deve cessar para honra do povo brasileiro.”
Estava traçado o destino de Canudos. Em novembro de 1896, sem estabelecer qualquer tentativa de diálogo com os habitantes da comuna e em flagrante desrespeito ao direito de defesa, preconizado pelo artigo 72 da Constituição Republicana de 1891, o Governo Federal, com o aval dos fazendeiros e da cúpula da Igreja, decidiu decretar o extermínio dos sertanejos; um ato de injustiça extrema praticado pelo Estado Brasileiro contra pobres e pacatos camponeses que outra coisa não reivindicavam senão o direito a uma vida digna, livres do jugo pesado da miséria e da opressão; um brutal atentado ao direito, à liberdade, à vida.
*Poeta e cronista
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José Deusimar Loiola Gonçalves
Técnico em Agropecuária(Assistente Técnico de Desenvolvimento Rural-FLEM-BAHIATER-Governo do Estado); Graduado em Administração de Médias e Pequenas Empresas ; Licenciado em Biologia e Pós Graduado Em Gestão e Educação Ambiental(Apicultor e Meliponicultor).
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